A política do grotesco na sociedade dos cortes da internet
Ontem se abriu um momento ímpar, que será mencionado tanto por acadêmicos quanto por jornalistas ao se discutir a história dos debates no Brasil: o destempero de José Luiz Datena e sua cadeira voadora em direção ao coach Pablo Marçal
Os debates, como alimento para a troca de propostas entre as candidaturas, na forma televisionada, foram popularizados a partir da década de 1960, quando, nos Estados Unidos, 70 milhões de pessoas sintonizaram na frequência que exibia John F. Kennedy versus Richard Nixon. Deu JFK no debate e no voto. Na década de 1980, o modelo de debates na TV se populariza no Brasil. O espaço televisivo começa a ser trabalhado pelos publicitários como uma vitrine para a articulação dos signos que cercam os postulantes aos cargos políticos. Dentro da estruturação atual, o discurso empregado pelas candidaturas se apresenta como um combate: a luta é por se estruturar frente ao adversário, ao mesmo tempo em que a troca de golpes busca a desestabilização do outro.
Momentos decisivos se deram aos olhos do eleitorado atento. A repercussão do último debate presidencial de 1989, por exemplo, trouxe a vitória a Fernando Collor. A história posterior mostrou a manipulação do debate em favor do candidato pela própria Rede Globo, com direito a nota de culpa pela emissora em 2001.
Há espaço para momentos memoráveis, como quando, em 1984, o presidente Ronald Reagan, de 73 anos, ao responder Walter “Fritz” Mondale, que chegaria depois a vice-presidência dos EUA, de 56, sobre sua idade, comentou: “Quero que saibam que também não vou fazer da idade uma questão nesta campanha. Não vou explorar, para fins políticos, a juventude e a inexperiência de meu oponente.” Ou, neste mês, quando Kamala Harris sorriu frenética e incrédula ao ouvir as acusações de Donald Trump sobre imigrantes estarem comendo carne de animais de estimação. Mas ontem se abriu um momento ímpar, que será mencionado tanto por acadêmicos quanto por jornalistas ao se discutir a história dos debates no Brasil: o destempero de José Luiz Datena e sua cadeira voadora em direção ao coach Pablo Marçal.
Marçal estava encurralado pelas últimas pesquisas eleitorais. Há uma forte rejeição do eleitorado ao seu nome, e sua tendência nas consultas aos eleitores era decrescente. O coach não tinha nada a perder no debate de ontem, e sua ideia era provocar ao máximo os adversários para gerar cortes e memes na internet — uma estratégia de “trumperização” da campanha, ridícula e rasa ao extremo.
Atirou para todos os lados até alguém perder a paciência. Entra em cena então José Luiz Datena, candidato, por vezes desistente, ao governo de São Paulo, que, ouvindo Pablo explorar uma suposta denúncia de assédio sexual cometida por ele, e sem direito a resposta — o que foi, obviamente, um erro da condução do debate — atirou uma cadeira em Marçal e saiu sem demonstrar arrependimento. Para o coach, a glória! Agora Pablo tem milhares de cortes para a internet e uma oportunidade de se fazer de vítima com fotos que misturam os midiáticos ataques a Bolsonaro e Trump e o “seu”.
Na geração do TikTok, os 30 segundos que Marçal precisava. Para todos, o choque do inesperado… Resta saber se a patacoada se reverterá em votos. Para Pablo, o riso. Mas fica aqui o aviso dado por Nietzsche: afinal, o povo que ri de Zaratustra o odeia com frieza. Diz também Minois que o riso sempre esconde mistérios e é ambíguo nas suas formas – por vezes grotesco e sarcástico. Portanto, resta-nos saber se Pablo é quem rirá por último ou se o povo paulistano é quem rirá dele.
Luísa Leite é advogada eleitoralista e mestranda em Ciência Política (UFPE). Pós-Graduada em Direito Público pela Escola Superior Magistratura de Pernambuco e em Direito Eleitoral pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco.