A prudência islâmica
Em respeito à xariá, os banqueiros do mundo árabe não participaram da ciranda da especulação financeira e hoje estão em posição mais confortável que os colegas ocidentais. Porém, para desviar-se da interdição dos juros, eles aplicaram em ativos imobiliários e em matérias-primas, setores igualmente voláteis
O que aconteceria se Wall Street adotasse as regras das finanças islâmicas? A questão pode ser surpreendente e chegou a irritar alguns executivos, mas desde que foi lançada está dando a volta ao mundo. A razão é simples: condenando a política de taxa de juros, essa indústria financeira de mais de US$ 400 bilhões aparece como a mais preparada para resistir aos desgastes gerados pelos subprimes e à especulação sobre os mercados de produtos derivados.
Na França, num editorial bastante surpreendente, o diretor de redação da revista semanal Challenge, Vincent Beaufils, abordou de frente a questão. No mesmo momento em que o papa Bento XVI visitava o país, o jornalista observou que o planeta passava por uma crise financeira e recomendou: “Neste caso, é melhor reler o Alcorão do que os textos pontificais. Se os banqueiros, ávidos pela rentabilidade sobre os próprios fundos, tivessem respeitado pelo menos um pouco a xariá (a lei canônica islâmica), nós não estaríamos assim”. Para concluir sua matéria, Beaufils elogiou os banqueiros do Golfo, “que não fazem concessões sobre o princípio sagrado de que dinheiro não deve produzir dinheiro”.
Traduzido em vários idiomas, esse editorial rodou a internet e se juntou a múltiplas declarações que colocavam em evidência o fato de que os bancos islâmicos eram controlados por regras rígidas, diferentemente das finanças internacionais, que se livraram delas por intermédio da desregulamentação.
Vários canais árabes organizaram transmissões especiais sobre esse tema, questionando-se sobre a hipótese de um afluxo de poupança dos países não-muçulmanos para esses estabelecimentos. Todavia, no Banco Central de Bahrein, cerne mundial das finanças islâmicas, o julgamento é circunspecto: “As finanças no Golfo não estão baseadas na xariá. É verdade que essa atividade passa por um desenvolvimento importante, mas, se os bancos da região ficaram fora da crise dos subprimes, significa que eles não tinham meios técnicos e humanos para investir nesses tipos de produto”.
É uma posição exatamente oposta à de um banqueiro francês instalado em Dubai, para quem as finanças islâmicas vão certamente aproveitar a crise para aumentar sua influência no Ocidente. “Nos países onde vivem importantes comunidades muçulmanas, a crise que estamos passando vai permitir que os bancos islâmicos disponham de um argumento de marketing suplementar: essas comunidades já colocavam em evidência o fato de que sua atividade era lícita do ponto de vista da xariá e, daqui para frente, vão insistir na sua desconexão em relação aos distúrbios do sistema financeiro. Eu as vejo em uma posição confortável, apresentando-se como socialmente responsáveis e em oposição aos bancos clássicos, que jogaram com as economias dos depositantes.”
Apesar disso, nada nos permite afirmar que esse setor, mesmo indo de vento em popa, esteja, por isso, protegido de acidentes. Nos anos 1990, a falência estrondosa dos bancos islâmicos egípcios provocou uma parada brusca no desenvolvimento desse tipo de atividade nos países muçulmanos.
No mesmo sentido, lembra um banqueiro tunisiano que vê com pessimismo a instalação de bancos islâmicos em seu país, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou várias vezes esses estabelecimentos, dizendo a seus proprietários que deveriam ser mais transparentes e se colocarem de acordo com as normas contábeis internacionais.
Outros especialistas se perguntam sobre a sofisticação sem freios e sempre crescente dos investimentos propostos pelos bancos islâmicos. Para desviar-se da interdição dos juros, essas aplicações são freqüentemente baseadas em ativos tangíveis, como os imobiliários e as matérias-primas. Estes são setores que estão confrontados com a especulação e a volatilidade, o que, cedo ou tarde, deveria causar prejuízos aos produtos islâmicos vinculados a eles.
Essas críticas importantes não devem, todavia, reduzir a dinâmica ascendente das finanças islâmicas. Crise ou não, estão previstas mais de dez grandes conferências sobre esse tema para os próximos meses na Europa e na África do Norte.
*Akram Belkaïd é jornalista.