A qualidade das escolas nas metrópoles
Pesquisa recente aponta que os resultados educacionais das áreas metropolitanas foram sistematicamente mais baixos do que o restante. A constatação é surpreendente, uma vez que as grandes cidades concentram parcelas maiores da riqueza, renda e capacidade governamental do conjunto do país
É conhecida a relação virtuosa entre educação e bem-estar social: um grau maior e um nível melhor de escolaridade aumentam as chances dos indivíduos, famílias e comunidade alcançarem boas condições de vida. Mas em uma sociedade como a brasileira, com taxa de urbanização de 85%, quais seriam os parâmetros mínimos de bem-estar urbano necessários para o bom funcionamento e a eficácia da escola?
Em recente pesquisa realizada no âmbito do Observatório das Metrópoles/IPPUR-UFRJ, observamos que os resultados educacionais nos municípios localizados nas áreas metropolitanas foram sistematicamente mais baixos do que aqueles alcançados nos municípios não-metropolitanos. Essas constatações são surpreendentes, uma vez que as metrópoles concentram parcelas maiores da riqueza, renda e capacidade governamental do conjunto do país. As diferenças são mais marcantes justamente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e nas cidades mais ricas.
No Estado do Rio de Janeiro essa diferença é ainda maior: a média de 2005 do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)1 de 1a fase, ou seja, referente ao primeiro segmento do ensino fundamental dos municípios localizados fora da região metropolitana, foi de 4,1, enquanto os municípios metropolitanos alcançaram somente 3,6. Já os resultados de 2007 foram de 4,3 e 3,8, respectivamente.
Como podemos ver no mapa 1, os municípios metropolitanos ao redor da cidade do Rio de Janeiro apresentaram baixos resultados escolares medidos pelo IDEB de 1a fase de 2007.
Os resultados da pesquisa de escopo nacional2 nos levaram a explorar algumas hipóteses sobre os efeitos desestabilizadores da vida social nas metrópoles sobre o aproveitamento adequado da escola3. Afinal, o sucesso escolar na fase do ensino básico – traduzido na efetiva aprendizagem e na realização do percurso escolar adequado – depende tanto dos contextos familiares quanto da escola.
O desenvolvimento da criança está associado a um conjunto de predisposições adquiridas na esfera de socialização primária, condicionadas fortemente pelas configurações familiares, cujo funcionamento permite à criança ser socializada na cultura escrita. Já a eficácia e a equidade do processo de educação dependem também de um conjunto de condições materiais e imateriais existentes nas escolas, propícias ao surgimento de um contexto institucional favorável à transmissão da cultura letrada. Mas, a organização e funcionamento destas duas importantes instituições sociais – família e escola – são fortemente influenciados pela dinâmica que preside a vida social nas grandes cidades, como vem confirmando inúmeras e extensas pesquisas realizadas em outros países. Para o Brasil, trata-se de relevante aspecto a ser considerado em razão dos evidentes sinais da concentração nas metrópoles dos efeitos das extremas desigualdades sociais e da ausência secular de efetivo planejamento urbano.
Tal fato é confirmado em nossas pesquisas. A menor qualidade da educação oferecida por municípios metropolitanos está fortemente relacionada à vigência nesses municípios da precariedade sócio-urbana – concentração territorial da pobreza e deficiência moradia e do saneamento ambiental. Isso significa que municípios metropolitanos apresentam uma maior precariedade do habitat urbano, que seria uma das pré-condições necessárias para a aquisição da cultura letrada.
Outra faceta do problema resulta da concentração nas metrópoles da criminalidade violenta, em particular dos homicídios. Considerando que sua distribuição territorial coincide com a geografia das desigualdades sociais, a instabilidade e mesmo a desorganização marcam a vida social nos territórios em que se concentram as famílias e as escolas, exercendo um impacto fortemente negativo sobre o contexto social em que se realiza o processo de escolarização.
Por exemplo, comparando municípios semelhantes enquanto condição sócio-urbana e características do sistema escolar, naqueles com 130 homicídios por 100.000 habitantes (média observada para municípios metropolitanos do Estado do Rio de Janeiro), o IDEB estimado é de 3,8 pontos. Para municípios que apresentam uma taxa de homicídios de 85 homicídios por 100.000 habitantes (média da taxa de homicídios em municípios fora das regiões metropolitanas no Rio de Janeiro), o IDEB estimado é de 4,0.
Essa questão relaciona-se com a menor cobertura do atendimento à pré-escola vigente nos municípios metropolitanos, apesar de amplamente conhecida a sua importância no aumento das chances de sucesso no ensino fundamental.
Podemos interpretar esta negligência da seguinte forma: o uso clientelístico das necessidades sociais nas metrópoles sociais, além de produzirem intervenções públicas pontuais e ineficientes que mantém a precariedade do habitat urbano, não legitima necessidades que não tenham forte visibilidade social, portanto potencial de rendimentos eleitorais. A educação em geral e, em especial o pré-escolar, estão nesta categoria de necessidades sociais pouco atrativas para as máquinas clientelistas que administram os municípios das nossas grandes metrópoles. Forma-se aqui um circulo vicioso altamente perverso: a forma do atendimento das necessidades imediatas e pontuais conspira contra o aumento do bem-estar universal e sustentável no longo prazo do bem-estar social. Para ilustrar: um município em que as vagas oferecidas na pré-escola cobrem 20% da demanda (média em municípios metropolitanos no estado do Rio de Janeiro), o IDEB de 1a fase é estimado em 4,0. Já em um município cuja cobertura da pré-escola chega a 60% (média do atendimento em municípios não metropolitanos no estado do Rio de Janeiro) o IDEB estimado de 1a fase é de 4,3.
Segregação residencial
Claro, podemos ver as metrópoles como espaços que oferecem acesso ao bem-estar e oportunidades. Mas tudo isso é distribuído de forma desigual, com uma concentração de baixo nível de bem-estar social, desorganização social e precariedade do habitat urbano em alguns bairros.
Outra pesquisa, desenvolvida no âmbito do Observatório das Metrópoles/IPPUR-UFRJ, visa compreender a relação entre a escola e a organização social da cidade, ou seja, os contextos sociais decorrentes dos processos de segregação residencial na cidade do Rio de Janeiro (ver mapa 2).
Os dados preliminares apontam para piores resultados educacionais, medidos pelo IDEB, nas áreas mais afastadas do centro, em especial na zona oeste da cidade. Tais áreas são justamente as que apresentam maior concentração de adultos com baixa renda, baixa escolaridade e ocupações de menor status social, bem como maior precariedade de emprego.
Em segundo lugar, observamos uma tendência de resultados escolares mais baixos das escolas mais próximas às favelas.
Como podemos ver no gráfico 1, em torno de 56% das escolas localizadas a até 100 metros de favelas têm um IDEB inferior a 4,2, enquanto somente 27% das demais obtiveram um IDEB tão baixo. Por outro lado, somente 5% das localizadas perto das favelas obtiveram um resultado no IDEB superior a 5,1, ao passo que 21% das escolas longe de favelas obtiveram IDEB superior a 5,1.
De forma similar, um estudo anterior já apontava o efeito da segregação residencial sobre atraso escolar no município do Rio de Janeiro4. O estudo constatou que comparando crianças com características individuais e familiares semelhantes, morar em favela aumenta em 24% o risco de distorção idade série de dois anos ou mais para alunos que cursavam a 4ª série.
Podemos interpretar as relações entre a segregação residencial e resultados educacionais, em primeiro lugar, a partir do impacto que o bairro de moradia exerce sobre as disposições dos alunos para se apropriar da cultura letrada. O bairro é um local onde relações sociais se estabelecem e é uma instância de socialização. São principalmente as crianças e os adolescentes que utilizam seus contextos sociais como guia para seus comportamentos, sendo influenciados principalmente por modelos de papel social dos adultos com que estabelecem contato. Assim, nos bairros onde observamos concentração de pobreza, altas taxas de desemprego e adultos que estabelecem laços instáveis com o mercado de trabalho, as crianças teriam menos contato com adultos que experimentaram mobilidade social ascendente, atrelada a uma via de escolarização longa.
Também teriam pouco contato e informação sobre regras e procedimentos necessários para uma entrada com sucesso no mundo do trabalho.
Por outro lado, a organização social do território também exerceria impacto sobre a oferta da educação no município. As escolas com melhor infraestrutura (conservação dos prédios, equipamentos escolares), bem como com melhores qualificação, experiência e motivação dos seus professores acompanham as desigualdades socioterritoriais.
Em suma, parece que as metrópoles não têm sido capazes de oferecer um bem-estar social urbano adequado para garantir o bom funcionamento das escolas.
As constatações de que as desigualdades urbanas podem gerar obstáculos para alcançar eficácia e equidade escolar adquirem grande relevância no momento em que os impasses atuais da educação brasileira, após a universalização do ensino fundamental, têm focalizado a melhoria da qualidade do ensino. Assim, sugerem que esforços e soluções para uma melhor distribuição de oportunidades educacionais não podem ser pensados somente a partir de políticas educacionais, mas a partir da conjugação destas com políticas urbanas.
*Luiz César Queiroz Ribeiro é professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do IA do CNPq e coordenador do Observatório das Metrópoles /Instituto do Mmilênio-CNPq. (www.observatoriodasmetropoles.net). Mariane Koslinski é pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional/UFRJ e bolsista recém Doutora da FAPERJ.