A última disputa de Silvio Berlusconi
Quando Berlusconi sair de cena, o país conseguirá retomar a prática política que há anos foi deixada de lado? Qual será o destino da direita italiana: ostracismo, ultrarradicalismo ou diálogo?
Para uns, motivo de idolatria. Para outros, objeto de repulsa. Para o restante, apenas a fama. “Que falem mal, mas falem de mim” poderia ser o lema que traduz a vida política do bilionário Silvio Berlusconi. Adepto da centro-direita italiana, o empresário de 86 anos foi por quatro vezes o chefe do governo italiano, e atualmente apoia a controversa primeira-ministra Giorgia Meloni, conhecida pelo seu “flerte” com ideais fascistas. Entretanto, o antigo “homem forte” da Itália e ex-dono do clube italiano mais vitorioso no continente europeu, o AC Milan – sempre ao lado do aliado e amigo, o ex-senador Adriano Galliani –, vislumbra um declínio de sua saúde, além das falas cada vez menos aceitas pelos seus partidários e apoiadores. Será que esse declínio representará o fim de uma era? O que podemos esperar? Vamos entender e conhecer abaixo algumas polêmicas do antigo primeiro-ministro italiano.
Nascido em Milão, o bilionário e político neoliberal chefiou o Consiglio dei Ministri della Repubblica Italiana entre 1994-1995, de 2001-2005, entre 2005-2006 e, pela última vez, de 2008 até 2011. Desde a unificação da Itália, foi o personagem que mais ocupou o cargo de liderança do país, perdendo apenas para Giovanni Giolitti e Benito Mussolini. Foi líder do extinto partido Il Popolo della Libertà (PdL), que resultou na fundação do atual partido de centro-direita Forza Italia, da qual faz parte. Os ideais liberais-conservadores, atrelados ao profundo carisma entre os empresários e a burguesia italiana, fazem de Silvio Berlusconi uma representação mitológica do político italiano por excelência: uma caricatura do personagem Vito Corleone, interpretado por Marlon Brando no famoso filme Il Padrino (O Poderoso Chefão) de Francis Coppola. A ressurgência da direita italiana nos espaços políticos e na sociedade italiana deu-se por sua liderança a partir de 1994, atraindo multidões sob um discurso anticomunista, a favor da liberdade e da família, unindo-se às forças xenofóbicas e neofascistas que, gradativamente, cresceram e protagonizaram um cenário de aversão ao multiculturalismo e às imigrações no país. Isso explica como personagens como Matteo Salvini ganham espaços e possuem vozes ativas ainda nos dias de hoje.
Máfia, assédio sexual e declarações polêmicas
Entre o controle dos principais meios de comunicação do país, bancos e empresas, se via envolto às acusações de ligação com a máfia e corrupção, sem esquecer das inúmeras denúncias de assédio sexual e estupro, além das polêmicas declarações como o apoio aos Estados Unidos à guerra do Iraque. O mais famoso caso de assédio, por exemplo, ganhou manchetes internacionais: o caso “Bunga Bunga”. Berlusconi ficou conhecido por promover tais festas com dançarinas e prostitutas, sendo muitas delas menores de idade, como o caso de uma marroquina Karima El Mahroung (nome artístico Ruby, a roupa-corações). Em depoimento dado ao Tribunal de Bari na Itália, uma das garotas revelou detalhes das festas que eram realizadas na mansão em Roma do ex-primeiro-ministro, como realização de shows de strip tease, modelos mascaradas de freiras e policiais, fora as obrigações pelas quais eram submetidas diante de Silvio. Diante das acusações o próprio respondia: “Para provar que teve sexo no lugar é preciso haver uma prova, uma fotografia, vídeo, testemunha, no mínimo. Mas não há nada!” A segurança na impunidade era tão grande que fazia Berlusconi não mascarar a realidade e construir uma narrativa que, antes de qualquer coisa, convencesse seus partidários e eleitores para que não caísse no ostracismo político e moral.
Depois de anos ausente do ambiente político, dentre condenações em diversos tribunais e não cumprimento das penas propostas, desde 2 de julho de 2019 assume cadeira no parlamento europeu, passagem que foi marcada por elogios ao líder de extrema direita húngaro Viktor Orban, apoio a aproximação dos laços com o amigo pessoal Vladmir Putin, além das críticas ao “perigo” do avanço da China na economia mundial. Em setembro de 2022, diz o parlamentar europeu que Putin foi empurrado para a guerra na Ucrânia, sendo “pressionado pelo povo russo, por seu partido, por seus ministros a inventar essa operação especial”. Na mais recente declaração, Berlusconi transferiu a responsabilidade para Zelenskiy em evitar a guerra, gerando uma verdadeira onda de declarações contra, inclusive um mal estar com a atual premier italiana, mas um apoio do governo americano na tarde do dia 13 de fevereiro de 2023.
Berlusconi foi levado às pressas para o hospital San Raffaele em Milão, no início de abril. Segundo os médicos, Berlusconi sofria de leucemia mieloide crônica (LMC) já faz algum tempo, mas devido uma infecção pulmonar o quadro agravou-se subitamente. Não é surpresa que a saúde do líder conservador piorou nos últimos anos devido à idade, mas sua internação na UTI gerou um princípio de estabilidade dentro do cenário político italiano ultraconservador, que vê em sua figura a representatividade dos ideais que foram proliferados mundialmente nos últimos anos. Giorgia Meloni, atual primeira-ministra italiana, mesmo figurando entre as principais radicais no mundo não reúne aquilo que Berlusconi construiu durante sua vida pública: a representação da impunidade e do símbolo de poder ilimitado. É importante frisar que seu discurso e eleitorado incluem não somente os magnatas italianos, mas a classe média, operários e trabalhadores, iludidos com as retóricas da direita.
O declínio de sua saúde gera uma preocupação também na direita, que encontrou na figura de Berlusconi uma ponte que converge nos ambientes mais simples da sociedade. Diferentemente das últimas décadas, a essência de sua atuação pública não está incólume ou intacta, mas sofre com as consequências dos seus escândalos, porém não significa um desprestígio de sua figura entre os mais simples. Sem Berlusconi a popularidade da direita italiana poderia correr risco de queda, e disso seus partidários e adeptos têm consciência. O declínio de sua saúde não representa perigo apenas a si, mas a um corpo político e ideal que estão atrelados à sua personalidade. Seu fim interpelaria estratégias e mudança de paradigmas que podem refletir na própria identidade do conservadorismo italiano.
Reitero a pergunta que o professor de História Carlos Galli, da Universidade de Bologna, fez: quando Berlusconi sair de cena, o país conseguirá retomar a prática política que há anos foi deixada de lado? Completo: qual será o destino da direita italiana: ostracismo, ultrarradicalismo ou diálogo?
Railson da Silva Barboza é bacharel em Filosofia (PUC-Rio). Doutorando e mestre em Política Social (UFF).