Acabar com o agronegócio para destruir o capitalismo
O fortalecimento da agroecologia – que deve contar inclusive com incentivos do Estado e suas políticas públicas – é o caminho para o início de uma possível revolução social
A questão ambiental (ecossocialismo) deve ser o carro chefe das discussões revolucionárias. Acredito que a queda do sistema convencional do agronegócio deva ser o pilar da luta anticapitalista/neoliberal. Explico. É com ela que conseguiremos situar e contextualizar a luta de classes que vivemos, mas nem todos conseguem – ou querem – enxergar. Nós, trabalhadores e trabalhadoras, estamos sendo afetados direta e indiretamente pelos grandes latifúndios. E não, não é apenas uma teoria. A burguesia, representada pelos latifúndios – com sua rentabilidade e concentração de terra – explora e oprime a sociedade. Somos explorados pela mão de obra precarizada (fruto das políticas neoliberais), sem direitos, e também pela espoliação e especulação imobiliária a que somos submetidos por essa burguesia. Paralelamente, tiram-nos o direito à terra, aos alimentos de qualidade e à água.
É o agronegócio quem dita a direção dos governos desde os tempos mais remotos no Brasil. Foi assim, desde o pós-guerra e segue até hoje com a abjeta bancada ruralista que legisla em causa própria sob o manto de uma “democracia liberal” mas sem qualquer representatividade popular.
Sigam o raciocínio.
A tal Revolução Verde, propagandeada e vendida pelos interesses imperialistas, sob a tutela de Norman Borlaug, da Fundação Rockfeller (EUA), promoveu o avanço das monoculturas comerciais, concentrando as terras e toda produção nas mãos de grandes corporações.
O agronegócio degrada o ambiente, interferindo diretamente nas mudanças climáticas e potencializando o aquecimento global com a retirada de florestas e avanço de monoculturas. É o agronegócio que, destruindo os biomas brasileiros como Amazônia e Cerrado, interfere nos regimes de chuva, promovendo a chamada crise hídrica cujo preço é pago pela população – inclusive literalmente, via bandeira vermelha nas contas de luz.
Esse mesmo sistema de exploração/destruição ambiental, além de não produzir alimento – lembremos que gera commodities para seus papéis de investimento nas bolsas de valores –, é também responsável direto pela proliferação e disseminação das pandemias, uma vez que tira as barreiras de proteção natural contra vírus que estão no ambiente, artificializa e modifica os ambientes, além de homogeneizar a genética em produções massivas de animais, confinados em ambientes para maximizar a produção, favorecendo a dispersão de doenças.1 É um sistema de ambientalmente inadequado, economicamente questionável e socialmente inaceitável.
As grandes corporações monopolizam até mesmo as sementes, tirando dos camponeses seus recursos milenares, transformando-os em mercadoria e homogeneizando a alimentação. Nos primórdios, eram mais de 1.500 variedades de plantas cultivadas. Hoje, quinze espécies respondem por 90% dos alimentos, sendo milho, trigo, arroz e soja responsáveis por 70% da produção e consumo.2 Além disso, grandes latifúndios, com expansão de monoculturas, acabam com a biodiversidade, saturam o solo, promovem o desequilíbrio ambiental que, consequentemente, exigirá o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos – um loop infinito.
Os índices de desmatamento têm uma relação direta com políticas neoliberais, que visam atender aos interesses do capital. Cria-se, com auxílio da mídia corrupta, a propaganda para ludibriar as pessoas, omitindo-se os fatos: leis que deixam de cobrar ICMS de produtos não manufaturados provenientes da agropecuária, deixam de gerar rendimento para o país que é justamente quem financia toda a infraestrutura do agronegócio com dinheiro público. Além disso, o Plano Safra, que deveria destinar créditos aos pequenos produtores e auxiliar na sustentabilidade, tem seus recursos cada vez menores destinados a esses produtores. Assim, lucram os latifúndios que exportam em dólar com commodities de baixo valor agregado, potencializando os problemas sociais (lembremos dos recentes preços que a carne e o arroz atingiram no Brasil, inviabilizando seu consumo pela população, mas atendendo aos interesses dos produtores em exportar, ignorando as necessidades do povo), ambientais e econômicos.
Multinacionais como Syngenta, Monsanto, Dupont, Bayer e Basf dão empréstimos aos agricultores para a compra de sementes, fertilizantes e agrotóxicos que serão pagos na colheita. No entanto, dada a insustentabilidade, geram camponeses endividados, dependentes dessas multinacionais e até mesmo dos bancos. É a armadilha perfeita para a falência e abandono das propriedades que irão cair nas garras dos grandes latifúndios, concentrando ainda mais as terras.
E nunca é demais lembrar – e falar sempre! – da contaminação da água, do ar e dos próprios alimentos por substâncias tóxicas, que adoecem e comprometem a vida das pessoas que, como bem pensado por essas corporações, precisam de remédios… produzidos pelas mesmas empresas que produzem os venenos. Bayer/Monsanto é o grande exemplo dessa jogada capitalista: causam a doença, promovem e vendem a cura!
Agronegócio tem relações diretas com bancos, que são quem controlam a economia e ditam as regras. Paralelamente, devemos lembrar que a privatização cada vez mais recorrente nessas instituições é fruto do interesse do capital. Quero citar um exemplo recente de como eles interferem: na atual gestão do Afeganistão, que promoveu a retomada de sua soberania e expulsou os estadunidenses, os bancos simplesmente fecharam, impedindo o povo de ter acesso ao dinheiro. Paralelamente, em resposta a essa derrota, o governo Biden bloqueou acesso do país aos bilhões de dólares mantidos pelo banco central dos EUA ao mesmo tempo em que o FMI suspendeu US$ 450 milhões em fundos, causando caos e desestabilização.
É imprescindível que mais do que pautarmos a questão ambiental e, consequentemente, a defesa da agroecologia para a soberania alimentar – com alimentos verdadeiros e de qualidade – essa causa seja ainda mais forte para conseguirmos enfraquecer os interesses do capital.
A agroecologia, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) é o sistema que fará frente ao atual modelo do agronegócio, que é falho e responsável direto pelas crises não apenas alimentares, mas econômica, ambientais e sanitárias. Ou seja, o agronegócio é insustentável.
Sendo assim, a agroecologia, como bem definem Machado & Machado Filho,3 é um movimento contestatório e em oposição ao reducionismo do agronegócio que atenta contra a agrobiodiversidade e, portanto, contra a vida, resgatando os saberes que a “Revolução Verde” – que nem foi revolução, muito menos verde – destruiu. A modificação do ambiente, com a promessa de acabar com a fome, na verdade foi uma jogada política do grande capital para que o capitalismo chegasse e tomasse o campo, em especial na América Latina, Ásia e África.
E a fome não só não foi extinta, como aumentou. Afinal, não é falta de produção, mas sim, falta de acesso e distribuição dos alimentos. A fome é uma questão política!
Lutar contra agronegócio é lutar contra o capitalismo; é direcionar maior seguridade alimentar, não mercantilização dos produtores aos meios dominantes, democratização dos sistemas alimentares e tendo como horizonte final a justiça social e emancipação dos sujeitos marginalizados, oprimidos e dominados pelos sistemas dominantes (leia-se: agronegócio). É o combate à agricultura convencional que contribui para o bem-estar econômico local, justiça social e criação de meios de produção alimentar equitativos e saudáveis. São a agroecologia e o campesinato que produzem 75% de nosso alimento. É nesse sistema político-social-ambiental que temos geração verdadeira de renda e empregos de forma justa e verdadeiramente sustentável.
Para isso é preciso organização e desconstrução dos conceitos, técnicas e processos do modelo do agronegócio que foram imputados na sociedade nos últimos sessenta anos. O que os governos neoliberais tentam afetar com tentativas de criminalizar os movimentos sociais e perseguindo educadores e educadoras que lutam justamente pela reforma agrária, sem a qual esse caminho é muito difícil. Para que isso seja alcançado, é necessário que as novas gerações tenham uma educação crítica situada – e quando fazemos isso, entende-se claramente os constantes ataques que a direita e seus interesses capitais fazem à Paulo Freire, nosso patrono que defende justamente essa pedagogia libertadora da sociedade.
Pode-se dizer, portanto, que a agroecologia é política, através da qual busca-se mudar radicalmente as estruturas do poder na sociedade, desde a alimentação, monopólio dos meios de produção (água, terra, sementes) e acesso aos alimentos. Ou seja, é uma prática oposta aos projetos de deterioração e exclusão das monoculturas e agrotóxicos.
Assim, a desestabilização do agronegócio, escancarando as vísceras do rentismo, associada com os impostos sobre lucros e dividendos (o que absurdamente não ocorre no Brasil) e sobre as grandes fortunas, seria um eficiente caminho que fragilizaria de vez o sistema moribundo do capitalismo. O fortalecimento da agroecologia – que deve contar inclusive com incentivos do Estado e suas políticas públicas – é o caminho para o início de uma possível revolução social.
Com a esperançosa eleição de Lula, devemos exigir esse tipo de política, e não bailar conforme o sistema quer. É urgente uma ruptura e novos direcionamentos. Não apenas para o bem-estar social, mas para toda estabilidade e saúde econômica e ambiental. Apesar de muitos acreditarem que o contexto socialista está ultrapassado, ele está cada dia mais presente.
Luiz Fernando Leal Padulla é professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências e especialista em Bioecologia e Conservação. Autor do blog e da página no Youtube “Biólogo Socialista” e do podcast “PadullaCast”. Recentemente publicou o livro “Um irritante necessário”. Instagram: @BiologoSocialista
1 WALLACE, R. Pandemia e agronegócio – doenças infecciosas, capitalismo e ciência. Ed. Elefante. 2020. 608p.
2 MACHADO, L.C.P. & MACHADO FILHO, L.C.P. Dialética da Agroecologia. Ed. Expressão Popular. 2017. 358p.
3 Ibidem.