Arquitetos de ruínas
Com três décadas de retrocesso, a submissão das economias ao poder dos banqueiros parece explícita e resulta de tripla mutilação dos Estados. A primeira delas começou na década de 1970, quando os governos das grandes potências foram proibidos de tomar empréstimos diretamente de seus bancos centrais: a partir disso, eles foram obrigados a voltar-se para o mercado e suas altas taxas. A segunda decorre do corte nas receitas fiscais, enquanto a terceira deriva da desregulamentação do comércio de capital. Desde então, as instituições de crédito tomaram a dianteira. No início dos anos 1990, os lucros dos bancos norte-
-americanos ultrapassaram os dividendos da indústria manufatureira.
Esse movimento não é inédito. Ao analisar a financeirização da economia britânica no fim do século XIX, o economista John Hobson notou que o universo dos bancos e das bolsas de valores “forma o gânglio central do capitalismo internacional”.1 A Bolsa de Londres tomou o lugar da indústria. Mas essa evolução anunciava o outono da dominação inglesa: o centro do capitalismo se deslocava para os Estados Unidos. Para o sociólogo Giovanni Arrighi, cada um dos ciclos de acumulação que se sucedem após o fim da Idade Média se compõe de duas fases de expansão: uma material e outra financeira. Esta última preludia o declínio e o deslocamento de um centro para outro: de Gênova (séculos XV e XVI) à Holanda, à Grã-Bretanha (XIX), aos Estados Unidos (XX). E, desta vez, seria de Wall Street a Xangai?
Enquanto isso, os governos ocidentais herdam a mesma equação: menos receitas, mais necessidades, dependência cada vez mais aguda perante os credores. A maior parte das pessoas considera essa equação uma fatalidade, e não parte constitutiva do sistema. Em teoria, os bancos são concebidos como bombas de crédito que financiam a economia; na prática, a economia financia conglomerados bancários ativos em todos os aspectos do capital: depósito, investimento, engenharia financeira, seguros (ver infográficos nas páginas 92 a 95). O poder que exercem sobre nosso cotidiano – viver sem ter conta em banco, algo comum há apenas quarenta anos, parece impensável – transpõe-se a todas as escalas da atividade econômica. Essa mudança não foi imediatamente perceptível. Por muito tempo, as crises sucessivas aparentemente sem relação – quebra das poupanças norte-americanas no fim dos anos 1980, naufrágio do Banco Barings em 1995, quebra fraudulenta, em 2001, da produtora de energia Enron, que havia se tornado especuladora de seus derivativos no mercado financeiro – foram atribuídas ao “excesso” de inovação. Pela amplitude e virulência, a crise dos subprimes evidencia, desde 2007, o fio vermelho que liga esses marcos e revela em escala planetária o estado do sistema financeiro: “Um sistema colossal de puros jogos e fraudes”,2 para usar palavras de Marx.
Nos Estados Unidos, na Espanha e na Irlanda, os bancos haviam especulado sobre a alta infinita do mercado imobiliário. E perderam. Acossados por dívidas impagáveis, mas considerados muito grandes para quebrar sem levar consigo todo o conjunto da economia, passaram a conta para a população sob a forma de planos de austeridade fiscal. Isso porque a especulação pode ser comparada a uma grande elipse narrativa: na base das construções mais complexas, sempre há um ativo real (algo “subjacente”): o valor do trabalho humano. Quando a pirâmide desaba, alguém precisa pagar o prejuízo – e fazer o povo trabalhar para reembolsar os bancos é o sentido do rigor decretado pelos governos.
Em agosto de 2011, o Banco Central Europeu (BCE) detalhou as condições do auxílio financeiro à Itália. De acordo com Le Figaro, “em primeiro lugar, exige-se que Silvio Berlusconi proceda por decretos de aplicação imediata, e não por projetos de lei, e que o Congresso abra espaço na agenda para aprová-los”. Não basta desestabilizar a função do Congresso. “Em relação à legislação trabalhista em vigor desde 1970, o BCE pede que se flexibilizem os procedimentos de demissão e sejam privilegiados os acordos no seio das empresas, em vez das negociações setoriais de escala nacional. É um ponto fundamental: Sergio Marchionne, dono da Fiat, não para de denunciar a rigidez no recrutamento e demissão de funcionários”.3 Não há nenhuma surpresa no fato de os bancos centrais submeterem Berlusconi – a terceira fortuna do país – às demandas do patronato. As classes dirigentes de Dublin, Atenas, Madri e Lisboa também aceitaram essa tutela sem muitos questionamentos. Os interesses não serão abalados… Também o erro de considerar a potência devastadora dos bancos fora da configuração social que engendra.
Como a alquimia, o comércio ilimitado de capital repousa no mito da criação de riqueza ex nihilo. Não há restrições, regulações. O mito, contudo, desmorona.