As múltiplas alegrias do mecenato
As reduções de impostos não são as únicas vantagens do mecenato francês. Além do acesso privilegiado ao local, o mecenas recebe propostas de contrapartida em comunicação e relações públicas, que podem representar 25% do valor do patrocínio: nome e logotipo nos cartazes, convites e sites; e até menção gravada em mármoreJohan Popelard
“Os museus se vendem aos empresários. Quando vejo o nome de Wendel […] nas paredes do Centro Pompidou em Metz, isso me dói.”1 Durante a campanha presidencial na França, Aurélie Filippetti, então deputada da região de Moselle, se insurgia contra a parceria selada entre o museu e um antigo grupo da siderurgia “que reinou durante séculos no aço da Lorena” e agora está cada vez mais reconvertido em um fundo de investimentos. Em comunicado, o grupo Wendel se declarou “estupefato” com os comentários: a verdade é que eles iam na contracorrente dos esforços realizados na França durante a última década para desenvolver o mecenato e fazer do museu um espaço onde “a empresa se sente em casa”,2 segundo a expressão da diretora de desenvolvimento do Museu do Louvre em 2005.
Filippetti é hoje ministra da Cultura e da Comunicação, e não somente o nome de Wendel ainda figura na parede do Centro Pompidou-Metz, como ela mesma não para de repetir sua aprovação com relação ao mecenato empresarial. A defesa das vantagens fiscais associadas a esse tipo de financiamento foi até mesmo objeto de uma das primeiras intervenções da ministra: “O Estado não pode se privar do aporte do mecenato”,3 particularmente no momento em que diminui o orçamento público para a cultura. O governo do primeiro-ministro francês Jean-Marc Ayrault se inscreve então na continuidade de seus predecessores, que por trinta anos procuraram “não se privar”. Desde 1983, Jack Lang, preocupado em casar “o mundo econômico” e o “mundo dos criadores”, proclamava que “o espírito empresarial e as forças do imaginário são capazes de alianças formidáveis”.4
A cultura aprende rápido
Depois das primeiras medidas nesse sentido, que criaram um marco legislativo e fiscal, tomadas no fim dos anos 1980 por iniciativa de François Léotard, ministro da Cultura e da Comunicação, e depois por Édouard Balladur, ministro das Finanças, a lei de 1º de agosto de 2003 foi decisiva. Apresentada por Jean-Jacques Aillagon, então ministro da Cultura (que se tornou conselheiro do homem de negócios François Pinault e de outros amantes da arte para projetos de aquisição ou de produção de bens culturais), ela concede às empresas mecenas uma redução de impostos equivalente a 60% do valor a ser pago. Como afirma o site do ministério da Cultura, essa legislação “permitiu à França se beneficiar de um dispositivo fiscal que figura entre os mais convidativos da Europa”. É muita modéstia: o tal dispositivo “não está no mesmo nível de seus equivalentes anglo-saxão e norte-americano. Ele os ultrapassa de longe”, precisa o Tribunal de Contas em um relatório de março de 2011. Operação bem-sucedida: entre 2006 e 2009, o mecenato mais que dobrou em volume, beneficiando em primeiro lugar as grandes instituições. Assim, para o Louvre, passou em três anos de 10,01 milhões de euros para 28,495 milhões de euros, ou seja, respectivamente 6,2% e 11,9% de suas receitas.
As reduções de impostos não são as únicas vantagens. Além do acesso privilegiado ao local e outras regalias, o mecenas recebe propostas de contrapartida em comunicação e relações públicas, que podem representar 25% do valor do patrocínio: nome e logotipo nos cartazes, convites e sites; e até a menção gravada em mármore, por exemplo, sob a pirâmide, no caso do Louvre, para os doadores excepcionais. Que a “imagem” das empresas esteja relacionada dessa forma com as obras e se imponha no meio das exposições poderia levar os mal-intencionados a pensar que a diferença entre mecenato e patrocínio direto é bem vaga. Mesmo que a legislação os distinga – o patrocínio direto é um procedimento publicitário e comercial –, a diferença se sustenta em uma questão de grau mais do que de natureza. “Questões delicadas”, admite a Comissão de Assuntos Culturais e de Educação da Assembleia Nacional sobre as “novas formas do mecenato cultural”, assim como as que levantam a organização de exposições sob medida ou a atribuição de nomes de mecenas a salas: “Num contexto de rarefação das fontes de financiamento público, a ‘corrida’ pelos mecenas pode contribuir para a instauração de relações de força que podem nem sempre ser vantajosas para os beneficiários”.5
Com efeito, a economia do mecenato, concorrencial e desigual, conduz os estabelecimentos a se adaptarem. A cultura deve se familiarizar com a língua da empresa. E a cultura aprende rápido. A nave do Grand Palais, aberta para locação, ou concedida em troca de contrapartidas, se transforma em espaço de festas empresariais, “coquetel, jantar, música, tela de plasma, consoles de videogame, brinquedos de quermesse… Voltamos à infância com o carrossel, carrinhos de bate-bate e principalmente a ‘pescaria’!”.6 O museu se torna um local de sociabilização para “empresários” e “tomadores de decisão”. “Ao se tornar mecenas do Louvre, você se une a uma rede influente de parceiros franceses e estrangeiros.”7 Colocado a serviço da “identidade corporativa”, como lembrava Jean-Paul Claverie, responsável pelo mecenato na Louis Vuitton Moët e Hennessy (LVMH), diante da Comissão de Assuntos Culturais e de Educação da Assembleia Nacional (2012), privatizado, transformado em clube para os happy few ou em parque de diversões para altos assalariados, o museu, a instituição surgida durante a Revolução, se encontra assim colonizado pelos interesses privados.
Porém, mais do que todas essas vantagens, as empresas preferem colocar em destaque uma dimensão filantrópica e os lucros – espantosamente – imateriais. A petição lançada em junho de 2012 pela Associação para o Desenvolvimento do Mecenato Industrial e Comercial (Admical, fundada em 1979, que reúne 180 sócios, dos quais 130 empresas) contra o “severo corte do dispositivo fiscal do mecenato de empresa” cogitado então pelo Ministério do Orçamento é emblemática. “O mecenato não é uma operação publicitária. É uma doação, um compromisso por meio do qual tanto empresas quanto particulares se preocupam com a sociedade, se implicam em projetos úteis e eficazes, expressando ao mesmo tempo sua identidade.” Alma lavada, mas não apenas: o mecenato se torna até mesmo socialmente salvador. “Nós todos temos hoje nas mãos o meio para ajudar a resolver [os] efeitos mais graves [da crise]: precariedade, desemprego, pauperização da cultura… que provocam crispações e rejeição do outro.” Esse meio “se chama mecenato”.
Príncipes do nosso Renascimento
Pode-se perguntar o que justifica tal ênfase. É que o mecenas tem não somente seu próprio altruísmo, mas também o do artista. Durante a edição de 2011 do Monumenta, manifestação artística organizada a cada ano sob a nave do Grand Palais, lia-se no release de imprensa que uma empresa de táxis estava “a serviço desta mobilidade que conjuga a circulação de ideias, o movimento das criações e o deslocamento dos homens”. Resumindo, “o táxi, como a obra de arte, participa na transformação de si e de seu meio”. Se os mecenas ajudam o Grand Palais, parece claro que se encontram associados “à imagem e ao dinamismo do Grand Palais”;8 sua “doação” não é uma via de sentido único, e aí se encontra sem dúvida a questão mais notável para essas “parcerias”. O mecenato dá forma a esse espelhamento entre o empresário e o criador, a empresa capitalista e a empresa artística. Criatividade, imaginação, gosto pelo risco, o empresário não é mais um simples “capitalista”, movido pelo apetite do lucro, muito menos um “explorador”. Ele é um filantropo enobrecido por sua proximidade com as artes, que ele contribui para tornar visíveis. Resumindo, ele se aproximaria pouco a pouco do mecenas encarnado por Lourenço de Médici. Os empresários, príncipes do nosso Renascimento…
Logicamente, essa economia do mecenato suscita uma estética particular; é o mínimo que algumas grandes operações nos convidam a concluir. Monumenta, como Estuairesem Nantes, Lille 3000ou as exposições de arte contemporânea no Castelo de Versalhes, testemunha a procura por uma aliança entre o monumental e o lúdico. Inicialmente hiperbólicas, essas manifestações parecem concebidas para o universo midiático: “A cada ano a exposição Monumenta, que confia o Grand Palais a um único artista, oferece um enorme espetáculo. É um combate de titãs em que duas superpotências se enfrentam e se aproximam: de um lado, a catedral do Grand Palais, auge da técnica moderna; diante dela, um artista monstro do contemporâneo”.9 Mas são também, principalmente, as “festas” onde se misturam obras e maquinarias insólitas, noites descoladas e baile popular. É preciso que seja divertido: “Escalar uma citação filosófica gigante, descobrir a história da arte jogando minigolfe, molhar o maiô em instalações artísticas: para que escolher entre praticar esporte ou visitar uma exposição quando podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo?”, questiona o texto de uma exposição organizada durante o evento Lille 3000.
Boa pergunta, que esconde algumas outras: por que razão a arte seria uma exceção à obrigação de rentabilidade? O que pode justificar que o olhar dirigido a uma obra veja apenas a obra? O que pode desculpar que o Estado se encarregue de despesas improdutivas como o financiamento a museus? Quando “os museus se vendem a empresários”, como dizia Aurélie Filippetti, seus visitantes não correm o risco de se tornar apenas clientes, e a arte não se tornaria uma ocasião de legitimar espiritualmente o capitalismo, enfim reconhecido como obra de “interesse geral”?
Johan Popelard é Doutorando em História da Arte na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne.