Até onde vai a reprodução assistida?
Que caminho tortuoso teremos percorrido fabricando crianças segundo o perfil aconselhado por uma biomedicina compassiva, mas dominadora, e nos preparando para aceitar a gestão dócil de nosso corpo, com DNA etiquetado!Jacques Testart
Trinta e seis anos após o nascimento do primeiro bebê de proveta – em 1978, no Reino Unido –, 5 milhões de crianças já nasceram de fecundação in vitro (FIV) em todo o mundo, e cerca de 3% dos bebês dos países industrializados são hoje concebidos dessa forma. A técnica se amplia sem parar, enquanto a regulamentação bioética é flexibilizada. A medicalização da reprodução poderia assim tomar novos rumos, que serviriam para “melhorar” o ser humano. Entre os mais sonhados: a clonagem ou o genitor universal.
Reproduzir-se sozinho ou por meio de um genitor anônimo: essas direções, aparentemente antagônicas, mantêm uma relação particular com a alteridade, deixando pouco espaço para o outro. Na primeira hipótese, os humanos poderiam se reproduzir identicamente, sem “poluir” seu próprio genoma com o de um parceiro. Mas, azar dos egocêntricos que assim desejam, as realidades biológicas não permitem que isso ocorra: a verdadeira clonagem suporia, de fato, que o conjunto dos constituintes biológicos fosse reproduzido identicamente, o que só acontece quando o embrião é dividido para formar gêmeos univitelinos.
A segunda hipótese supõe que alguns indivíduos, selecionados por suas qualidades raras, eventualmente obtidas pela modificação de seu genoma (transgênese), teriam por missão engendrar as gerações seguintes. É tecnicamente realizável, como mostra a seleção industrial dos animais de criação: menos de cinquenta touros são os pais de milhões de vacas Prim’Holstein amontoadas nos estábulos do planeta inteiro. Essa nova eugenia poderia ser colocada em ação no sistema que chamamos de democracia, mas levaria à produção de instrumentos de controle e de coerção necessários à sua eficácia. Em outros termos, medidas autoritárias que as boas almas eugenistas não teriam desejado.
No entanto, a eugenia leve já acontece, por exemplo, quando a biomedicina escolhe um doador de esperma geneticamente correto para parear com uma mulher receptora, ou quando ela tria os embriões para selecionar os que estão mais em conformidade com uma demanda que nem sempre é medicamente justificada. O que podemos chamar de instrumentação consentida, versão aflitiva da liberdade, poderia levar insensivelmente a um mundo biopolítico criado pelo desenvolvimento em laboratório de indivíduos programados, do qual Aldous Huxley imaginou uma versão em Admirável mundo novo, de 1931.
Mas, hoje ou amanhã, não há necessidade de uma ficção comodamente situada em um universo ditatorial. Basta o aumento da assistência médica por “razões sociais”. Contudo, essas “razões sociais” merecem ser questionadas: o que significa a reivindicação de um “direito a filhos” graças à assistência médica, principalmente no caso em que ele não é justificado pela esterilidade? Em vez de buscar respostas humanas, como a inseminação convivial, é ao aparelho biomédico que essa reivindicação reclama ajuda, como se essa fosse a única solução. Haveria uma relação entre o “desejo de um filho” e a pulsão de consumo de objetos de todos os tipos, característica de nossa era de liberalismo “florescente”?
A sociedade produtivista se tornou uma máquina de fabricar necessidades e, portanto, de se opor à autonomia dos cidadãos. O mesmo argumento igualitário, levantado para reclamar a paternidade para todos, legalizando a barriga de aluguel ou a ajuda médica para a reprodução (AMP), permitirá que se reclame o direito a uma criança “adequada”, o que implica o controle dos “bons” nascimentos e a vigilância dos “bons” comportamentos.
Essa revolução comportamental só pode se apoiar na revolução digital. Como os outros momentos da vida, a concepção será submetida aos algoritmos informáticos a fim de que o óvulo seja avaliado desde o começo, e essa precaução inicial preparará todas as outras… O que aconteceria se aparecessem no mercado novas possibilidades, que hoje são objetivo de pesquisa em animais, como a fecundação entre dois indivíduos do mesmo sexo ou principalmente a fabricação ad libitum de gametas femininos, e então de embriões, a partir de células banais (ditas “reprogramadas”)?
A generalização da triagem de tais embriões deveria assim se impor, já que as provações atuais da FIV serão simultaneamente reservadas aos beneficiários. É dessa forma que, salvo imprevisto, todas as crianças deverão ser escolhidas nas provetas dos biogeneticistas bem antes do final deste século, mesmo que a exigência de um direito à criança “normal” pareça ainda incompatível com o que define a humanidade como humana. Ainda nessa perspectiva, cada um poderia se livrar das chateações contraceptivas por meio da esterilização universal, já que os recursos gaméticos seriam conservados em banco.
Novas ações se impõem sob a pressão dos médicos, dos indivíduos que defendem seus próprios interesses e dos lobbies industriais. Frequentemente, eles vão ao encontro das preocupações das seguradoras, dos responsáveis da saúde e dos partidários da economia competitiva entre os países – é o caso da seleção genética dos embriões. O sistema neoliberal é capaz de todas as concessões éticas necessárias para que cada um se torne mestre de seu prazer e de seus desejos; mas a qualidade do produto criança deverá ser colocada sob o controle das instituições, pois se trata de competitividade. Uma definição de direitos da humanidade, englobando o conjunto dos seres humanos, se torna urgente, a fim de marcar que nossas decisões têm consequências para toda a espécie. As regras bioéticas encontrariam talvez aí os meios de sua eficiência.
A AMP, que se abriu para a detecção de características genéticas com a triagem de embriões, não soube inventar uma regulação internacional (testemunho disso é a expansão do turismo médico) e acabou por se tornar uma questão financeira e ideológica. Longe de se contentar em compensar uma deficiência que afete essa função essencial que é a procriação, ela se transformou hoje em dia em meio para “ultrapassar” algumas propriedades de nossa espécie, da diferença sexual ao envelhecimento, e representará finalmente uma alternativa generalizável para a procriação – desde sempre aleatória. Ela aparece assim cada vez mais como um elemento do projeto trans-humanista, em que o homem “ampliado” seria confundido com máquinas inteligentes, combinações do vivo e da máquina, libertas da violência e do sexo, e capazes de se autorreproduzir. O homem aumentado será a criatura de uma sociedade necessariamente policiada, cuja ordem já é anunciada pelos dispositivos de identificação e vigilância: impressões genéticas, câmeras… Que caminho tortuoso teremos percorrido fabricando crianças segundo o perfil aconselhado por uma biomedicina compassiva, mas dominadora, e nos preparando para aceitar a gestão dócil de nosso corpo, com DNA etiquetado!
Em 28 de janeiro de 2013, criadores de carneiros se manifestaram na região da Drôme contra a colocação de chips eletrônicos em seus animais, agora obrigatória na Europa. Isso foi logo depois que outro regulamento os obrigou a vacinar suas ovelhas contra uma doença, a febre catarral ovina, que, apesar de tudo, eles são capazes de administrar e não atinge os homens. E logo antes uma nova obrigação: recorrer à inseminação artificial, com carneiros selecionados pelos geneticistas, em vez de utilizar seus próprios genitores. Essa sucessão normalizadora, que gera lucro aos mercados eletrônicos, de vacinas e de esperma, acompanha o avanço daquilo que Serge Latouche chama de “megamáquina”. O que fazemos com os animais faremos com os homens. Não é por acaso que a morte está sendo progressivamente medicalizada. Gerar, gozar e morrer poderiam escapar às relações entre humanos que a máquina normativa e procedimental teme.
Os limites dessa falta de medida, desses projetos em andamento para “ultrapassar o humano”, talvez não sejam as leis da bioética, mas a retração econômica. No entanto, o lampejo de lucidez que provoca a firme vontade de reagir pode surgir somente depois da degradação das condições materiais e sociais que provocarão o abandono de nossas regras de vida comum. Se a consciência do impasse trágico no qual estamos chegar tarde demais, a situação será propícia a desencadeamentos destinados a satisfazer grupos cada vez mais reduzidos. A corrida entre a autonomia da técnica e a autolimitação da potência humana começou.
Jacques Testart é biólogo, diretor de pesquisa honorário do Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm).