Defender a autonomia universitária é lutar pela plenitude da democracia
Projeto de lei dá mais autonomia para a escolha de reitores. A iniciativa quer evitar o que aconteceu durante os anos do governo Bolsonaro, quando o ex-presidente nomeou 22 reitores que não haviam sido os mais votados na consulta pública
A aprovação do projeto de lei 2699/11 na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados merece ser comemorada com entusiasmo ao dar um passo fundamental: assegurar a autonomia das universidades públicas federais.
O PL revoga uma herança da reforma universitária do regime militar e estabelece a eleição direta de reitores e vice-reitores pela comunidade acadêmica. Com isso, os indicados mais votados assumem, necessariamente, como dirigentes, ao contrário do que ocorre no sistema atual, em que a decisão final sobre a nomeação cabe ao Presidente da República. O PL segue para apreciação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), que apreciará a constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa da proposição.
Desde 1968, a lei determina que reitores de universidades federais sejam escolhidos pelo presidente dentre nomes indicados pelas instituições. A partir de 1995, em lei sancionada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), definiu-se que esses nomes viriam de uma lista tríplice. A prática ameaça não apenas a autonomia das universidades, mas, no limite, a própria existência do ensino superior público, gratuito e de qualidade.
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Foi o que tristemente vimos acontecer durante os anos do governo Bolsonaro, quando o ex-presidente nomeou 22 reitores que não haviam sido os mais votados na consulta pública. Os reitores nomeados pelo governo Bolsonaro, contrariando a vontade soberana da comunidade acadêmica das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), expressavam o contexto de degradação da institucionalidade e da cultura democrática e de negação da ciência que o Brasil vivia. O momento atual de reconstrução democrática do país, defendida por amplos setores da sociedade brasileira, deve garantir a autonomia e a democracia nas universidades com o objetivo de protegê-las contra os ataques generalizados às instituições de ensino, pesquisa e extensão.
A autonomia universitária já é garantida pela legislação brasileira, sobretudo no texto dos artigos 207 da CF e 53 da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB). Tais artigos garantem a soberania das universidades para tomar decisões fundamentais relacionadas à sua estrutura, funcionamento e desenvolvimento. Ao estender essa autonomia para a escolha dos dirigentes e determinar o fim da lista tríplice, o Projeto de Lei 2699/11, na forma do Substitutivo, alinha-se a esses princípios constitucionais e avança no sentido de assegurar a gestão democrática e competente das instituições.
As universidades públicas são instituições nas quais a pesquisa de ponta floresce, contribuindo significativamente para o avanço tecnológico, científico e econômico do país. Basta registrar que as IFES são responsáveis por mais de 60% do conhecimento científico divulgado no país e tiveram atuação imprescindível na trágica pandemia da Covid-19. É nas universidades que os jovens têm acesso a um ambiente de transformação socioeconômica e cultural. É pelas universidades que o saber se estende a toda a sociedade, contribuindo para um desenvolvimento social mais inclusivo.
Aprovar este projeto é um lembrete de que a luta pela educação e pela democracia é uma tarefa contínua e fundamental, e de que podemos moldar um futuro ainda mais brilhante para nosso ensino superior público e, consequentemente, para o nosso país. Afinal, defender a autonomia dentro das universidades é, em última instância, defender a própria plenitude da democracia.
Ana Pimentel é deputada federal pelo PT-MG e relatora do Projeto de Lei 2699/11 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. É médica defensora do SUS, professora universitária e pesquisadora de saúde pública. Possui mestrado em Saúde Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2014) e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (2018).