O impacto do debate sobre a cannabis medicinal em 2023
Avanços concretos sobre a cannabis medicinal no Judiciário demonstram que está cada dia mais urgente que esse debate seja ampliado e finalmente levado ao Poder Legislativo
Mesmo após quase uma década do início da legalização da cannabis medicinal no Brasil, os pacientes seguem enfrentando barreiras quase intransponíveis para acessar os tratamentos prescritos. Nesse território ainda estranho para a maioria dos brasileiros, as associações de pacientes de cannabis têm sido o porto seguro para quem busca informações seguras e acesso a tratamentos com cannabis medicinal.

Pela falta de leis que regulamentem adequadamente a cannabis, as associações encontram-se quase que em um limbo jurídico. Todas elas, sem exceção, dependem de autorizações judiciais para garantir a segurança de seu cultivo e fornecimento legal para seus associados.
Essas ações judiciais, porém, não são simples e nem têm resultado garantido. Esse é um dos efeitos nefastos da falta de regulamentação da cannabis. Como exemplo disso temos o ocorrido com a APEPI, que teve a sua autorização de cultivo cassada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região após três anos cultivando legalmente, deixando mais de 8 mil pacientes desassistidos.
Há de se dizer, porém, que a cannabis só não foi regulamentada até hoje por pura inércia do Poder Legislativo e do governo brasileiro em exercitar esse debate com a seriedade e urgência que merece. Cada dia fica mais claro, contudo, que a cannabis é um produto muito mais complexo do que a proibição nos fez crer, pode ser uma aliada do agronegócio, da indústria e ser uma nova fonte de empregos. O aumento da aceitação da cannabis medicinal pelos brasileiros tem gerado efeitos cada vez mais claros no governo brasileiro.
Maconha é medicinal – claro, mas é também muito mais do que isso. No ano de 2022 a cannabis foi o sexto tipo de cultivo mais rentável nos Estados Unidos. Por que não também no Brasil?
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Como exemplo dessa mudança de paradigmas dentro do Estado brasileiro está a atuação do Ministério Público Federal no Superior Tribunal de Justiça. Não é incomum que MPF apresente pareceres concordando com ações de cultivo individual medicinal, aceitando que pacientes cultivem cannabis para fins de seu tratamento. Em casos de fornecimento de medicamentos à base de cannabis, o órgão tem também realizado atuação pró-paciente, reforçando a sua posição em defesa do direito básico à saúde.
Outra situação que chamou a atenção foi quando o Ministério Público Federal concordou que a Associação Canábica em Defesa da Vida (Maleli) cultive e forneça tratamentos com cannabis aos seus pacientes. Há ainda um longo caminho para a estabilização do debate acerca da cannabis medicinal, estamos apenas no começo. No entanto, a cada dia fica mais evidente que foi acertada a escolha de encabeçar o debate da regulamentação da cannabis pela via medicinal.
Dia após dia são publicadas decisões judiciais que autorizam pacientes medicinais a cultivar, permitindo que as associações forneçam tratamentos para seus associados e debatam outras questões como o cultivo de cânhamo e a produção de cannabis para fins científicos.
Nesta última semana as redes sociais foram inundadas com informações acerca de um informativo publicado pelo Superior Tribunal de Justiça, repercutindo decisão proferida em setembro deste ano. Aquela decisão foi recebida pelo público como a consolidação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade de se utilizar o habeas corpus para fins de se resguardar de abusos do Estado brasileiro em caso de cultivo de cannabis para fins medicinais.
Ainda é necessário, claro, ingressar com este tipo de processo na justiça para garantir a segurança do paciente que busca cultivar cannabis com fins terapêuticos. Talvez um dia viveremos em um país em que esse tipo de ação judicial não seja necessária para garantir o direito do paciente cultivar cannabis para se tratar.
Esses avanços concretos sobre a cannabis medicinal no Judiciário demonstram que está cada dia mais urgente que esse debate seja ampliado e finalmente levado ao Poder Legislativo, haverá um limite para a sua inércia.
Cabe ressaltar que o encerramento do julgamento acerca da criminalização do porte pessoal de drogas no STF (Recurso Extraordinário 635659) torna o próximo ano central para o aprofundamento do debate da regulamentação da cannabis. Muitos estão seguros que o Supremo irá descriminalizar a posse de maconha para uso pessoal ainda em 2024, a depender apenas de quando será pautado pela presidência da corte, sob responsabilidade do ministro Luís Roberto Barroso. O processo foi liberado para pauta no sistema interno do STF em 4 de dezembro de 2023.
Passo a passo a história da regulamentação da cannabis é escrita no Brasil e, no momento oportuno e seguramente breve, ainda veremos um aprofundamento desse debate, ampliando-o para as demais áreas da planta. Isso porque pressões e ações internas e externas cada vez maiores podem consolidar uma realidade social inevitável para o Brasil: a maconha será descriminalizada e o seu uso terapêutico será regulamentado em todo território nacional, tarde ou ainda mais tarde.
Murilo Meneguello Nicolau é advogado especialista em cannabis.