Carta pública ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados do Brasil
Setores antidemocráticos do Parlamento brasileiro querem calar a voz do único deputado gay assumido do Brasil, cujo mandato é referência internacional na defesa dos direitos humanos e das liberdades individuaisEugênio Raúl Zaffaroni
Venho por meio da presente expressar a minha profunda preocupação pelo processo instaurado por este Conselho contra o deputado federal Jean Wyllys, iniciado como consequência de uma série de representações assinadas por adversários políticos e instrumentalizado por setores antidemocráticos desse Parlamento que querem calar a voz do único deputado gay assumido do Brasil, cujo mandato é referência internacional na defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.
O deputado Jean Wyllys, reeleito em 2014 com 144.770 votos (o sétimo mais votado do seu estado, com mais de onze vezes a votação recebida em 2010) e seguido nas redes sociais por milhões de pessoas, é uma das figuras políticas brasileiras mais respeitadas no mundo. Eleito três vezes para o Prêmio Congresso em Foco como o melhor deputado do Brasil; reconhecido pela revista britânica The Economist como uma das 50 personalidades mais destacadas do mundo na defesa da diversidade; convidado para palestrar em centros acadêmicos de prestígio mundial, como as universidades norte-americanas de Harvard, Brown, Princeton, CUNY e George Washington University, a Universidade Hebraica de Jerusalém e a Universidade Autônoma da Cidade do México; merecedor de diversos prêmios e distinções oficiais no Brasil e fonte de consulta permanente sobre a atualidade brasileira no exterior, Jean Wyllys é uma voz ouvida com atenção por organizações internacionais, universidades, movimentos sociais, e pelos principais veículos de comunicação do mundo.
O trabalho de Jean Wyllys no Parlamento é essencial para a democracia brasileira: defensor de minorias sempre silenciadas, autor de projetos de lei corajosos e consistentes sobre questões fundamentais de direitos civis e intransigente defensor da liberdade, Wyllys representa uma voz que não pode ser calada sem que o próprio Estado democrático de direito fique em dúvida, muito menos quando quem pretende calar sua voz é um representante do que há de mais violento, retrógrado, antidemocrático e odioso na política brasileira. Jean Wyllys sofre desde o início do seu primeiro mandato uma sistemática perseguição política e é vítima constante de ameaças de morte, insultos, ofensas homofóbicas e campanhas criminosas de difamação orquestradas pelos mesmos que agora impulsionam este absurdo processo disciplinar contra ele, uma verdadeira caça às bruxas sem amparo na lei e contrária aos princípios democráticos.
Se o deputado Jean Wyllys for sancionado (seja mediante uma punição simbólica ou com a suspensão ou cassação de seu mandato) por ter reagido, como qualquer ser humano faria, aos insultos inaceitáveis de um deputado homofóbico, misógino e fascista que usou a tribuna da Câmara, no mesmo dia, para defender publicamente a tortura e “homenagear” a memória do criminoso que a praticou contra a ex-presidenta da República durante a última ditadura, o Parlamento brasileiro estará dizendo ao mundo inteiro que esses são seus valores: a tortura, a misoginia, a homofobia, a ameaça, o insulto.
Se a Câmara dos Deputados do Brasil punir um ativista de direitos humanos por ter reagido às agressões de um parlamentar que declarou publicamente que não estupraria uma colega apenas “porque é feia” e que, em diversas oportunidades, usou contra o deputado Jean Wyllys palavras de baixo calão no microfone da Casa, estará dizendo ao mundo que esse é o estado atual da democracia no Brasil.
Por isso, com grande preocupação, dirijo-me aos integrantes deste Conselho e peço que não permitam esse ato de perseguição política inaceitável contra o deputado Jean Wyllys.
Eugênio Raúl Zaffaroni é juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos e ex-ministro da Corte Suprema de Justiça da Argentina.