Como os povos indígenas estão respondendo à Covid-19?
Um ano após o primeiro caso de infecção por Covid-19 diagnosticado no Brasil, plataforma reúne pesquisadores indígenas e não-indígenas em análise inédita sobre os impactos e respostas ao vírus nas comunidades em todo o país
Desde o primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil, no dia 26 de fevereiro de 2020, as populações indígenas e suas organizações estão em estado de atenção para os riscos da entrada do vírus de alto potencial letal em suas comunidades. O sinal de alarme passou a soar mais forte no dia primeiro de abril quando uma jovem, agente de saúde de 20 anos do povo Kokama, tornou-se a primeira indígena diagnosticada com o vírus.
Em um ano de Covid-19 no Brasil, de acordo com levantamento feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o país registrou 49.582 pessoas indígenas contaminadas, 975 mortos e um total de 165 povos diferentes afetados.
Mas, como os povos indígenas têm respondido à pandemia de Covid-19? Tendo como tema central esta pergunta, a Plataforma de Antropologia e Respostas Indígenas à Covid-19 (Pari-c) foi criada. Trata-se de uma ferramenta de comunicação da pesquisa “Respostas Indígenas à Covid-19 no Brasil: arranjos sociais e saúde global”.
Desenvolvida ao longo de 2021 de forma inteiramente remota, a plataforma conta com uma rede de dezenas de pesquisadores indígenas e não indígenas em todo o território brasileiro e visa entender como os povos indígenas estão vivenciando a pandemia da Covid-19. Na Pari-c serão publicadas notas de pesquisa e estudos de caso estruturados, a partir de três eixos de análise: Saúde, Cuidado e Morte; Mobilidade e Circulação; Gênero.

No primeiro artigo publicado pela Pari-c, as pesquisadoras Maria Paula Prates e Aline Regitano apresentam o conceito de sindemia, cunhado na década de 1990 pelo antropólogo Merril Singer como alternativo ao conceito de pandemia. A sindemia define a disseminação de uma doença de maneira global, mas que não atinge a todas e todos de modo igualitário. Ao considerar que estarmos vivendo uma sindemia, entende-se a importância de se atentar para o imbricamento entre desigualdades socioeconômicas e adoecimentos, que costumam ser caracterizados unicamente como eventos biológicos. Neste sentido, o artigo apresentada ainda depoimentos de duas mulheres de povos diferentes e como elas têm sido afetadas pela sindemia da Covid-19.
Em um segundo artigo, a pesquisadora Dulce Meire Morais Mendes narra a chegada da Covid-19 na região de São Gabriel da Cachoeira no Rio Negro (AM), onde vivem 23 povos indígenas, dentre os quais alguns que vivem em isolamento. O texto conta o sucesso do controle da pandemia a partir de uma campanha realizada pelas organizações indígenas: Rio Negro, Nós Cuidamos! “A campanha arrecadou e distribuiu produtos de higiene, combustível, ferramentas agrícolas e de pesca para auxiliar as famílias rionegrinas a não se deslocarem até a cidade em busca destes produtos, correndo o risco de contraírem a doença e a levarem para as comunidades”. Neste sentido, a rede de comunicadores das aldeias (Rede Wayuri) teve papel fundamental para a divulgação de informações sobre o novo coronavírus nas comunidades indígenas, realizando seu trabalho por meio de um sistema regional de comunicação e informação radiofônica e digital da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Além dos artigos, o projeto apresentará regulamente uma análise situacional. De caráter amplo, nacional e heterogêneo, esta primeira avaliação foi produzida a partir do levantamento, sistematização e exame de materiais de diferentes fontes divulgados desde o início da pandemia até janeiro deste ano. Os dados colhidos permitem observar os tipos de respostas à pandemia construídas aldeia a aldeia, povo a povo, região a região, bem como identificar recorrências e desafios comuns. Neste sentido, o foco da avaliação está na estrutura das mobilizações e ações das organizações indígenas e indigenistas, dos pesquisadores e instituições de ensino superior e, por fim, dos órgãos estatais responsáveis pela execução da política indigenista oficial.
Os resultados da pesquisa pretendem contribuir com a ampliação do controle da doença e a mitigação de impactos da pandemia, por meio de articulações com agências de saúde que possam auxiliar no processo de identificação e implementação de iniciativas que levem em consideração os conhecimentos dos povos indígenas.
O projeto traz também os registros do processo de engajamento e do impacto das respostas à pandemia nos povos indígenas, para que, desta forma, sejam estabelecidos aprendizados amplos para epidemias e pandemias futuras. Propõe-se um diálogo interdisciplinar com o campo da saúde pública, buscando colaborar com as agências e políticas públicas de saúde já existentes. Apoiada pelo Conselho Médico de Pesquisa (MRC), da agência de Pesquisa e Inovação do Reino Unido (UKRI), a Pari-c é fruto de um acordo de cooperação internacional entre a Universidade de Londres (City University), no Reino Unido, a Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a Universidade do Sul da Bahia (UFSB) e a Universidade de São Paulo (USP), no Brasil.
Cristiano Navarro é jornalista.