COP26: roteiro de um fracasso anunciado
A COP26 contou com forte presença da sociedade civil pressionando os países para cortar o financiamento das indústrias sujas. Mas os governos buscaram um compromisso entre nossas perspectivas de sobrevivência e os interesses da indústria de combustível fóssil
A COP 26, encerrada no sábado 13 de novembro, foi precedida de declarações bombásticas de diversos dirigentes internacionais. Entre eles, destacamos o secretário geral da ONU, António Guterres, que declarou “É hora de dizer basta. Estamos cavando nossa própria cova!”. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, anfitrião da conferência, comparou a crise climática a uma “bomba relógio que precisa ser desarmada” A expectativa em relação à COP26 era avançar com o Acordo de Paris, assinado em 2015, que havia estabelecido a meta de limitar o aquecimento do planeta a no máximo 1,5º C.
Em todo o mundo, os cientistas, organizações da sociedade civil e autoridades governamentais responsáveis destacaram inúmeras vezes o cenário do desastre anunciado: secas, inundações, furacões, fome, refugiados ambientais etc. Era grande a expectativa de um avanço na COP26, principalmente no que se refere aos combustíveis fósseis, o grande vilão das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Sem redução drástica das emissões, não seria possível alcançar o objetivo de limitar a aquecimento a 1,5º C. No entanto, os resultados ficaram muito aquém das expectativas. Vejamos os pontos principais.
1) Financiamento: os 100 bilhões de dólares previstos em 2009 para serem liberados em 2020 foram esquecidos. Em vez disso, os países desenvolvidos prometeram dobrar até 2025 o financiamento disponível em 2019 para fins de adaptação às mudanças climáticas.
2) Combustível Fóssil: aparece pela primeira vez no documento final, mas o lobby da indústria petrolífera foi maior do que a delegação de qualquer país. O documento não fala em supressão progressiva do uso do combustível fóssil, única forma de evitar as emissões de GEE responsáveis pelo aquecimento global.
3) Carvão: em vez de supressão progressiva, foi aprovada a expressão “redução progressiva”, por pressão da Índia e da China, principalmente.
4) Perdas e Danos: não foi aceito pelos países desenvolvidos. Se os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, que emitem menos, não poderão usar combustíveis fósseis como usado anteriormente pelos desenvolvidos, merecem compensação de perdas e danos. Em vez disso, os países desenvolvidos fizeram uma proposta fraca de assistência técnica.
5) Taxação do Carbono: não foi considerada. A taxação seria cobrada de países que emitem carbono além de sua cota nacional (chamada NDC) e podem comprar direito de emissão de outro que emitiu abaixo de sua cota. Compra o direito de poluir. Esse mecanismo não reduz em nada o volume global de emissões.
6) Metano e Florestas: foi aprovada redução de 30% das emissões de metano até 2030, e fim do desmatamento das florestas até 2030. O Brasil assinou os dois compromissos.
7) As Emissões atuais, se mantidas, levarão a um aumento de 2.7º. C até o fim do século, o que seria uma catástrofe. Há previsões mais drásticas em torno de 4,5 a 5º C, o que provocaria o colapso da civilização humana no planeta. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) prevê que o impacto das mudanças climáticas sobre os sistemas alimentares será profundo, com “consequências negativas para a renda, alimentação e segurança nutricional para milhões de pessoas.
Brasil na COP26
O Brasil é o quinto maior emissor de GEE do mundo. No Acordo de Paris, celebrado em 2015, o Brasil se comprometeu a reduzir as emissões de GEE em 37% até 2025 e 43% até 2030, tendo 2005 como ano de comparação. A meta é insuficiente, mas o Brasil, após o início do governo Bolsonaro, em vez de diminuir, aumentou a emissão. Agora, na COP26, prometeu aumentar a meta de redução das emissões de 43% para 50% até 2030. Promessa do atual governo, ninguém acredita.
O Brasil emitiu em 2020 cerca de 2,16 bilhões de toneladas de CO2, um aumento de 9,5% em relação ao ano anterior, indo contra a tendência global, uma queda de 7% puxada pela crise econômica da pandemia. O desmatamento na Amazônia foi 176% maior do que o compromisso fixado em lei.
Nenhum país tem condições melhores que o Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Hoje somos a única nação em que metade das emissões deriva de desmatamento. E inúmeros estudos econômicos já demonstraram que a floresta em pé é mais rentável do que abatida. A curva do desmatamento, sobretudo da Amazônia, aumentou muito com o governo Bolsonaro. Em outro governo, o Brasil sabe o que fazer para acabar com o desmatamento. É uma política ambiental que já foi aplicada com sucesso nos governos do PT.
Com abundantes recursos naturais e uma extraordinária biodiversidade, o Brasil passou de liderança mundial importante na questão ambiental para uma posição de pária, desprezado pelas nações que rejeitam o ideário fascista e predatório alardeado pelo atual presidente do Brasil.
A devastação na Amazônia atingiu a marca de 13.235 km² entre 1º de agosto de 2020 e 31 julho de 2021 — alta de 21,97% em relação aos 12 meses anteriores. É a maior devastação dos últimos 15 anos segundo o Observatório do Clima. Essa informação foi ocultada e somente divulgada após a COP 26.
A civilização do combustível fóssil ameaça a sobrevivência humana no planeta. Produz calor letal, fome pela redução e encarecimento da produção agrícola, destruição das florestas por incêndios, esgotamento da água potável, morte dos oceanos, tufões, inundações, ar irrespirável, pragas, colapso econômico, conflitos climáticos, guerras, crise de refugiados.
Para enfrentar esse grave problema que ameaça no futuro a sobrevivência da humanidade, surgem diversas propostas, das mais brandas até as mais radicais. Há os que afirmam ser necessário baratear o quanto antes as energias verdes. Com energia verde mais barata do que o combustível fóssil, o problema do aquecimento global estaria resolvido. Na Noruega, por exemplo, uma alteração nos impostos tornou o carro elétrico mais barato do que o movido a combustível fóssil.
A taxação do carbono teria de ser imediata e suficientemente alta para suprimir rapidamente o uso de combustíveis fósseis. O problema é que uma taxa carbono sobre os combustíveis fósseis tende a penalizar os mais pobres, mas os recursos derivados dessa taxação poderiam financiar transferência de renda para os mais vulneráveis. Já existe tecnologia para substituir os combustíveis fósseis. Recursos financeiros não faltam, mas eles foram usados na destruição da vida na Terra e em guerras. Só os EUA gastaram trilhões de dólares nas guerras de ocupação do Iraque, Afeganistão e Síria. E se recusam a financiar a adaptação dos países pobres às mudanças climáticas para compensar suas perdas e danos com as emissões de GEE lançadas na atmosfera principalmente pelos países desenvolvidos.
A COP26 contou com forte presença da sociedade civil pressionando os países para cortar o financiamento das indústrias sujas. Como afirmou o jornalista George Monbiot, antes do encerramento da Conferência, “a transição poderia acontecer em meses, se os governos quisessem. Os combustíveis fósseis têm que permanecer no subsolo. Todo o resto é distração[1]”. E, após o encerramento da COP26, declarou que os governos buscaram um “compromisso entre nossas perspectivas de sobrevivência e os interesses da indústria de combustível fóssil. Mas não há espaço para compromissos. Sem mudança massiva e imediata, enfrentaremos a possibilidade de escalada do colapso ambiental”[2].
Muitas organizações da sociedade civil presentes na COP26 começaram a conclamar a necessidade de organizar um movimento global de desobediência civil, um grande movimento de massa incorporando cerca de 25% da população, o que seria considerado suficiente para conter o sistema atual e impedir a destruição da vida na Terra.
Como já tive ocasião de dizer, o estilo de vida que herdamos da sociedade industrial está ameaçado. O futuro será baseado em energias renováveis, sob pena de um colapso que ameaçará a sobrevivência humana no planeta.
[1] The Guardian, 3 /11/2021
[2] The Guardian, 14/11/2021