Crescimento ou clima: é preciso escolher
Os negociadores da COP de Paris vão varrer para debaixo do tapete a incompatibilidade entre a limitação do aquecimento do planeta e a busca infinita por crescimento econômico. Quando este for retomado pelos países desenvolvidos, os objetivos climáticos se tornarão inatingíveis. Outros caminhos rumo ao progresso humanoJean Gadrey
Existem múltiplas explicações para a “queda tendencial da taxa de crescimento”1 observada há diversas décadas nos países ricos e mais recentemente nos emergentes. Mesmo os economistas mais midiáticos começam timidamente a imaginar a hipótese de um mundo sem crescimento, ao menos nos países ditos avançados. É o caso, nos Estados Unidos, de Paul Krugman e Larry Summers, para quem “uma estagnação secular é plausível”.2 Na França, Thomas Piketty também alerta: “Seria razoável apostar no retorno do crescimento para resolver todos os nossos problemas? Isso não resolveria os desafios essenciais que os países ricos devem enfrentar”.3 Por sua vez, Daniel Cohen nos exorta: “Libertemo-nos de nossa dependência do crescimento”.4 Algumas andorinhas não fazem verão, mas esses exemplos não são insignificantes, ainda que nenhum reclame a intervenção de um fator explicativo essencial: o esgotamento, já em andamento, da maioria dos recursos naturais do crescimento.
No entanto, o culto está tão impregnado na mentalidade dos dirigentes políticos que, mesmo quando eles proferem discursos exaltados sobre a luta contra a mudança climática, eles se apressam em lembrar que o crescimento continua um imperativo. François Hollande deu o tom, em discurso em Sassenage (Isère), em agosto de 2015: “Vocês sabem que a França vai acolher a Conferência sobre o Clima; ela deve, portanto, ser exemplar. Ao mesmo tempo, a transição energética, a questão climática, também são desafios para o crescimento. Nós queremos apoiar o crescimento, estimulá-lo. Definitivamente, ele está presente quando utilizamos os instrumentos da transição energética”. O presidente francês em seguida pronunciou a palavra “crescimento” catorze vezes em dois minutos, em particular nesta sequência: “Meu objetivo é a diminuição do desemprego, e a redução dos impostos é também uma maneira de atingir um maior crescimento. Pois há mais consumo, mais confiança, e haverá mais crescimento. Tudo, assim, está ligado ao crescimento; o crescimento pode também nos permitir atingir a diminuição dos impostos, e a redução dos impostos, a ter mais crescimento”.5
Como pretender ser exemplar sobre o clima ligando tudo ao crescimento? Essa contradição não incomoda diversos dirigentes, que partilham uma nova religião: o “crescimento verde”, uma transição destinada a estimular o crescimento, o qual facilitará a transição. O ex-presidente norte-americano George W. Bush tinha resumido seu credo em matéria de meio ambiente com a seguinte fórmula: “O crescimento econômico não é o problema, é a solução”.6
O MITO DO CRESCIMENTO VERDE
Com certeza, diante da mudança climática e de outras manifestações da crise ecológica, seria preciso investir maciçamente nas energias renováveis, no isolamento dos prédios, na eficiência energética, na agroecologia, na mobilidade sustentável etc., e então organizar o crescimento. Mas, ao colocarmos a tônica nos setores específicos cuja expansão seria desejável, ignoramos as questões mais incômodas. Quais atividades e produções devem necessariamente diminuir, levando em conta seu impacto negativo sobre o clima, a biodiversidade, a saúde humana…? Além disso, qual proporção dos combustíveis fósseis seria imperativamente necessário deixar no solo para limitar o aquecimento? E se for entre 60% e 80%, como afirmam as avaliações mais recentes, que consequências podem existir num crescimento mundial ainda amplamente propulsionado por essa matriz? Mais amplamente, o crescimento econômico, mesmo fraco, é compatível com as taxas de redução de emissões de gases do efeito estufa hoje exigidas para não ultrapassar os limites críticos de concentração na atmosfera?
Devemos ao economista Michel Husson7 projeções bem simples, que permitem determinar daqui até 2050 a taxa de crescimento do PIB mundial – ou do PIB per capita – compatível com os diferentes cenários do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ele as estabeleceu em função das hipóteses sobre o ritmo de redução da “intensidade CO2 do PIB mundial”.8 Conclusão: “O objetivo-piso do IPCC [uma divisão por dois das emissões globais entre 2010 e 2050] só pode ser atingido graças a uma combinação de hipóteses muito otimistas sobre o ritmo de redução da intensidade-CO2 do PIB [menos 3% por ano, ou seja, o dobro do ritmo observado nos últimos vinte anos] e a aceitação de uma diminuição marcada do crescimento do PIB per capita [0,6% por ano em média no mundo]. Já o objetivo mais ambicioso – uma diminuição de 85% das emissões de CO2 daqui até 2050 – parece completamente inatingível”. Isso exigiria um efeito de redução drástica da intensidade-CO2 e uma redução absoluta do PIB per capita.
É o mesmo que dizer que o “crescimento verde” é um mito, se postularmos, unindo esses dois termos, um crescimento compatível com a finitude dos recursos materiais (combustíveis fósseis, minerais, terras aráveis, florestas, água…) e com uma estrita limitação dos riscos climáticos e outros danos causados aos oceanos, à biodiversidade etc. Mas, então, como pensar em um mundo livre desse culto? Seria preciso aceitar uma regressão social em nome da ecologia?
Os devotos do crescimento estão encerrados em esquemas de pensamento nos quais o futuro só pode se parecer com uma reativação do passado. Eles não imaginam que se possa “perseguir” outra coisa além das quantidades produzidas e consumidas com grande reforço das campanhas publicitárias, da obsolescência programada e da vida a crédito. E eles retomam seu argumento preferido: sem um crescimento suficientemente forte e contínuo, não há criação de empregos, não há redução do desemprego! O triângulo ideológico do liberal-crescimentismo – a competitividade das empresas produz o crescimento, que produz o emprego – é de um simplismo aflitivo. No entanto, ele continua orientando as decisões políticas.
Na realidade, os agentes dominantes do capitalismo neoliberal adoram o desemprego como dispositivo disciplinar que os autoriza, por um lado, a frear as reivindicações salariais e, por outro, a intensificar e aumentar a precariedade do trabalho para elevar os lucros. Nenhum projeto pós-crescimento chegará ao fim se não convencer que a “perseguição” do bem viver em um ambiente preservado é claramente mais eficiente para vencer o desemprego do que as receitas batidas do liberal-crescimentismo.
E, contudo, o crescimento só é necessário para a criação de empregos no modelo atual, que repousa na busca perpétua de ganhos de produtividade: produzir sempre mais com o mesmo volume de trabalho. Nesse modelo, um crescimento nulo ou fraco, mais fraco que os ganhos de produtividade, leva à regressão do volume de trabalho e, portanto, do volume de empregos se o tempo de trabalho médio por pessoa permanece inalterado. Podemos com certeza então reivindicar medidas de redução ou de partilha do tempo de trabalho – é essa inclusive a resposta mais eficiente para o aumento do desemprego a curto e médio prazo; mas nem por isso saímos do produtivismo.
Para isso, deve-se trocar o velho programa da “partilha dos ganhos de produtividade”, herança dos “Trinta Gloriosos Anos” e do fordismo, pelo da partilha dos ganhos de qualidade e sustentabilidade. Orientar o sistema de produção e de consumo segundo uma lógica qualitativa do “tomar conta” (das pessoas, das relações sociais, dos objetos, da biosfera…), colocando a qualidade dos bens comuns sociais e ecológicos no coração das atividades humanas e da política: sobriedade na quantidade, prosperidade na qualidade. Isso implica também combater as desigualdades, para que os novos modos de consumo sejam acessíveis a todos. Aliás, esta é a principal condição para que os meios populares não vejam essa transição como marca de uma ecologia punitiva.
OUTRA ECONOMIA, MELHORES EMPREGOS
Constataríamos então que essa economia mais suave com os humanos, com a natureza e com o trabalho, privilegiando as low tech (as “baixas tecnologias”, em oposição às “altas tecnologias”, que não por isso exigem menos inovação), oferece bem mais empregos plenos de sentido do que a economia produtivista atual. Por uma razão simples: para quantidades idênticas, portanto, sem crescimento, seria necessário mais trabalho humano para produzir de forma limpa, verde e saudável, em boas condições de trabalho e de emprego. A agricultura orgânica, por exemplo, requer cerca de 30% a 40% a mais de trabalho do que a industrial e química para produzir as mesmas quantidades de frutas, legumes, cereais etc.
Essa visão de outra “grande transformação” é irrealista? Não, porque tais soluções já estão sendo empregadas um pouco em todo o mundo. Elas funcionam e tendem até mesmo a se difundir, a despeito das tentativas de impedimento dos bajuladores do velho modelo, que ainda estão no controle. Encontramos diversos exemplos comprobatórios – na Índia, na América Latina, na África, nos Estados Unidos e na Europa –, em diversas obras e documentários recentes,9 sem falar das experiências locais organizadas pela rede Alternatiba e sua associação fundadora no País Basco, Bizi! (“Viver!”, em basco).
Cabe aos cidadãos, na maior parte das vezes contornando os dirigentes políticos e, mais raramente, com seu apoio, se insurgir e generalizar essas lógicas nas quais a tríade competitividade/crescimento-consumismo-empregos indecentes/desemprego dá espaço a outra: cooperação/bem viver-sobriedade material-empregos decentes/atividades úteis…
* Jean Gadrey é economista.