Demissões voltam a indignar
Se todas as mazelas do mundo se explicam pela primazia das finanças no capitalismo real e a financeirização é um desvio lamentável da economia de mercado, então, sim, a questão das demissões coletivas começa e termina na Bolsa. Mas se a economia pudesse se desfazer da “verruga financeira”,ela se tornaria mais virtuosa?Claude Jacquin
Antes consideradas fatalidades ligadas à “modernização” da economia, as demissões voltam a indignar. É questionável, porém, o fato de essa denúncia ressurgir em discursos que qualificam os motivos dessa prática somente como “derivados” das finanças. Um exemplo é a versão abstratamente moral de Nicolas Sarkozy, que na ocasião de seu discurso em Toulon, em 25 de setembro de2008, proclamou que é necessário “opor o esforço do trabalhador ao dinheiro fácil da especulação”. Outra versão, mais precisa, é a das “demissões estratégicas” – que deveriam ser “taxadas”, na opinião de François Hollande, candidato socialista à eleição presidencial; “proibidas”, segundo Jean-Luc Mélenchon, copresidente do partido de esquerda; ou “desmascaradas”, de acordo com os discursos de Ségolène Royal durante o pleito de 2007, que não quer mais vê-las “camufladas” por demissões econômicas. Em setembro de 1999, a cotação das ações da Michelin na Bolsa de Valores saltou após o presidente da empresa anunciar que o lucro semestral subiria 20% e, simultaneamente, 7.500 funcionários seriam demitidos. O episódio foi qualificado de “operação financeira”. Mas essa fórmula não seria um atalho?
Se efetivamente todas as mazelas do mundo se explicam pela primazia das finanças no capitalismo real e se a financeirização é apenas um desvio lamentável da economia de mercado, então, sim, a questão das demissões coletivas começa e termina na Bolsa. Mas se a economia pudesse se desfazer de sua “verruga financeira”, ela se tornaria mais virtuosa? De certa forma, é a conclusão evocada pelos discursos atuais: a brutalidade social do mercado seria decorrente da desregulamentação ou de uma patologia econômica – espera-se, temporária.
Os pesos pesados do CAC 40 (as quarenta empresas mais importantes com capital na Bolsa de Valores da França) empregam cerca de 1,8 milhão de assalariados (35% de seus efetivos mundiais). Então o que entendemos por “demissão estratégica”? É possível elaborar uma definição para demissões coletivas com fins lucrativos que permita ao legislador elaborar uma lei que a proíba? Arrisquemos uma primeira tentativa de esmiuçá-la: “Aplica-se às demissões por reorganização operadas com a única finalidade de melhorar os resultados da empresa e servir à cotação”. Demissões estratégicas por excelência! Mas, um pouco deslocada, a expressão poderia igualmente englobar demissões destinadas a reestruturações estratégicas (fim de uma atividade, novas opções industriais) para corrigir o campo de atuação – embora figurem como impactantes em termos de ação pela avidez de renovação dos mercados. Sozinha, essa definição engloba uma série de facetas: desde a liquidação de uma atividade em vias de acabar (como a fabricação de televisores de tubo) até a redução da atuação nos mercados em que a empresa perde espaço em relação aos concorrentes (fim das patentes e desenvolvimento de medicamentos genéricos, por exemplo). “Demissão estratégica”? Talvez, depende da relação estabelecida entre a medida econômica e suas consequências no mercado financeiro. Imediatamente, porém, observa-se que as demissões não derivam unicamente da cobiça de acionistas-rentistas. E saber se a medida foi tomada visando à alta na Bolsa ou em função das contingências da concorrência industrial torna-se um dilema como o do ovo e da galinha.
Considerar as demissões unicamente do ângulo da tirania dos mercados gera muitas contradições. Inúmeras empresas não estão cotadas na Bolsa. Ademais, o excesso de demissões nas empresas de direito francês resulta da reorganização interna desse sistema, mas cuja cotação é especulada fora do país, às vezes até mesmo fora da Europa. A supressão de postos de trabalho logo depois de operações de fusão-absorção significa necessariamente que o objetivo final dos acionistas era, antes de qualquer outra coisa, valorizar os títulos da empresa na Bolsa? Em transações do tipo LBO (leveraged buyout), as demissões não possuem, por definição, qualquer vínculo imediato com a Bolsa, pois a operação mobiliza o capital não cotizado (private equity). Ainda assim, essas demissões seriam menos escandalosas?
Reduzir a questão das demissões econômicas aos avatares financeiros poderia revelar-se irônico. Tomemos como exemplo a reestruturação radical cujo objetivo é valorizar os títulos de uma empresa-chave do capitalismo francês ameaçada por uma oferta pública de compra (OPC) estrangeira e hostil. No sistema econômico atual, trata-se de uma maneira possível de frustrar a operação e manter a “joia industrial” em questão no âmbito nacional. Certamente, alguns partidários da proibição da demissão estratégica se absteriam de protestar. E que dizer das demissões em cascata de empresas que terceirizam a produção, às vezes muito afastadas daquele que proferiu a ordem primária – quem decide, finalmente, socializar os prejuízos sem hesitar a asfixiar os fornecedores? Onde entraria, nesse caso, a categoria “financeira” para qualificar a supressão dos empregos?
Decididamente, a categoria não funciona. E por justa causa. Entre a defesa da cotação, o nível de dividendos a liquidar, a taxa de lucro, a defesa das parcelas do mercado, a competitividade pelos preços e, às vezes, a simples necessidade de transferir as despesas salariais para o marketing, não existe nenhuma Muralha da China. Não existe divisão entre o vício das finanças e as virtudes da competitividade, e sim uma economia dominada pela concorrência: a batalha entre empresas pelas fatias do mercado e pelo maior valor agregado.
As demissões que, de maneira unívoca, seriam destinadas apenas a valorizar a empresa no mercado financeiro representam a ínfima minoria do conjunto da supressão dos postos de trabalho por razões econômicas. A questão engloba outros temas centrais do capitalismo, como a flexibilização e a precarização do trabalho – como os contratos de duração determinada (CDD) ou de ínterim, por exemplo. Para combater o problema das demissões, é preciso começar a se interessar pelos salários – a todos os assalariados – em vez de basear-se em tipologias acadêmicas. De imediato, surge a questão: por que os reféns do sistema são justamente os que pagam o custo social desse mesmo sistema?
A única forma de não salvar apenas alguns pelo abandono dos outros consiste em garantir a todos a manutenção dos salários e do status profissional (inclusive em casos de recolocação) por um sistema de segurança e transição profissional, com obrigações de resultado sob responsabilidade do setor econômico… e não da coletividade. Apenas um princípio universal: que os assalariados não sejam vítimas – e à própria custa – da luta entre as empresas pela divisão das riquezas produzidas pelos trabalhadores. Também seria necessário reivindicar o mesmo princípio do poluidor pagador para as demissões econômicas no conjunto do setor concorrencial.1 Se a questão é legislar sobre o tema, por que não considerar uma lei que proteja os assalariados envolvidos em uma demissão econômica sem consequências no número de postos suprimidos ou no tamanho da empresa?
O ressurgimento da denúncia das “demissões estratégicas” – às vezes onde não se espera – procede de um falso radicalismo e do desvio da causa primeira. As soluções que ignoram a globalidade do problema e a mão invisível da competição mercantil serviriam, finalmente, para reforçar a precarização do trabalho ao proclamarem “longa vida às demissões não estratégicas!”.
Claude Jacquin é Especialista e assessor em comitês de empresas.