Desafios para os prefeitos na área da saúde
Grande parte do orçamento das cidades é gasta com serviços da dívida. Precisamos restaurar a capacidade de governo da cidade centrado nas pessoas e na sustentabilidade. Cidade para as pessoas: áreas verdes, de lazer e de esporte, urbanização de bairros degradados. Prioridade ao pedestre, e não aos automóveisGastão Wagner de Sousa Campos
Prefeitos e secretários de Saúde se encontram em uma situação bastante delicada diante da variedade de agravos sanitários que o Brasil vem sofrendo. Tanto a população quanto parcela importante da mídia tendem a responsabilizá-los pelos problemas sanitários, isentando a União e os estados da corresponsabilidade sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Nossa legislação não define claramente o papel dos entes federados em relação ao financiamento e à prestação de serviços de saúde.
Nos últimos anos, houve aumento dos gastos municipais com o SUS, chegando a um ponto em que a maioria dos municípios investe mais do que o limite mínimo legal de 15% do orçamento municipal. Entretanto, esse crescimento não foi suficiente para resolver epidemias e falhas assistenciais.
Acredito ser necessário aproveitar o período eleitoral para discutir abertamente com a sociedade a crise sanitária e a importância do SUS. Os candidatos a prefeito precisam apontar em suas plataformas estratégias para o enfrentamento dos agravos sanitários, explicitando a impossibilidade de as cidades alcançarem bons resultados sem o concurso continuado do Ministério e das secretarias de estado da Saúde.
O SUS tem padrões de financiamento e gestão inadequados. O investimento federal e dos estados já é insuficiente e, a depender das contrarreformas propostas pelo governo Temer, esse quadro tenderá a se agravar. Em nota recente, o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de Pernambuco indica um caminho ao defender o SUS: “Os secretários e secretárias municipais de Saúde de Pernambuco, diante de graves ameaças que pairam contra o SUS, se sentem no dever cívico de mobilizar toda a sociedade em defesa da mais avançada política pública de saúde. Política essa que precisa de mais recursos para progressivamente melhorar e atender às necessidades da nossa população”.
A governança do SUS é baixa principalmente em decorrência da fragmentação do sistema em vários pedaços com baixo grau de integração. Os prefeitos estarão obrigados a lutar não só por maior aporte de recursos financeiros, mas também pela diretriz da regionalização. A Região de Saúde será um instrumento capaz de integrar o financiamento, o planejamento e a gestão de recursos entre os vários entes federados. Essa desarticulação explica tanto nosso fracasso no controle de epidemias como a existência de empecilhos ao acesso, já que grande parte da rede hospitalar e de urgência do SUS é estadual e a maioria dos municípios realiza apenas atenção básica e vigilância em saúde.
Em minha opinião, a prioridade em saúde diz respeito à extensão para pelo menos 80% dos munícipes da Estratégia de Saúde da Família. Todos os países com sistemas nacionais de saúde, ao modo do SUS, têm mais de 90% de sua população inscrita em equipes de atenção primária com capacidade de realizar prevenção e atendimento clínico. Esse projeto somente será viável com maior envolvimento da União e dos estados. O Programa Mais Médicos é uma comprovação dessa tese. Ele expandiu, em pouco tempo, a cobertura da atenção primária no Brasil em 35%, o que somente foi possível graças à ação direta do Ministério da Saúde sobre o provimento e formação de médicos. Esse programa tem recebido forte apoio da maioria dos prefeitos. Ele deve ser aperfeiçoado, criando-se um Fundo Nacional para Financiamento da Atenção Primária com contribuições da União, dos estados e dos municípios. Isso permitiria a constituição de uma carreira nacional para a atenção primária, já que médicos, enfermeiros e outros profissionais seriam contratados pelo SUS e escolheriam os munícipios e equipes onde trabalhariam, conforme classificação em concursos públicos. As aposentadorias passariam a depender desse fundo nacional, e não mais das prefeituras. Os municípios sozinhos não conseguirão colocar em prática uma atenção básica de qualidade para o país.
Em segundo lugar, as plataformas eleitorais devem apontar a necessidade de assegurar acesso aos serviços hospitalares, de urgência e especializados para todos que deles necessitarem. Fazer regulação das filas, assegurando atendimento conforme risco de cada caso, de maneira ágil e desburocratizada. Essa diretriz também não poderá ser alcançada por cada cidade isolada. A rede hospitalar e de serviços de média complexidade deverá obedecer à lógica da regionalização. Integração de todos os hospitais ligados ao SUS – universitários, estaduais, municipais e contratados – em redes regionais com financiamento, planejamento e operação integrados; em geral, atendendo mais de uma cidade.
Outra prioridade é a saúde pública. Os prefeitos devem apresentar estratégias para enfrentamento da dengue, da chikungunya e do zika. Mais uma vez, um projeto compartilhado, de caráter regional, que exija do Ministério da Saúde e das secretarias de estado maior protagonismo e gestão integrada de recursos e das ações. Ainda há 42% dos domicílios sem acesso a esgoto. Há um programa para ampliar essa cobertura mediante o investimento de R$ 15 bilhões ao ano durante cinco anos consecutivos. A epidemia de dengue tem na falta de saneamento um de seus fatores determinantes.
A violência proveniente do crime organizado e do narcotráfico, e a violência doméstica contra crianças, mulheres e idosos são um desafio. A sociedade brasileira não suporta a naturalização desse estado de coisas. Os prefeitos precisam se comprometer com a cultura de paz e com ações concretas que articulem segurança pública, educação, saúde e assistência social.
A integração entre o SUS e as escolas públicas é fundamental. O clima de violência e de dificuldades de aprendizado tomou conta de grande parte da escola. Lidar com esse sofrimento de forma efetiva e humanizada exigirá novas formas de abordagem dessas quebras na sociabilidade.
Os prefeitos devem dar transparência à utilização do orçamento. A capacidade de gestão urbana no Brasil está em declínio. Grande parte do orçamento das cidades é gasta com serviços da dívida. Precisamos restaurar a capacidade de governo da cidade centrado nas pessoas e na sustentabilidade. Cidade para as pessoas: áreas verdes, de lazer e de esporte, urbanização de bairros degradados. Prioridade ao pedestre, e não aos automóveis; primeiro, transporte público.
A maior parte das reformas sociais sugeridas não terá viabilidade política e cultural se não houver compromisso de realizar importante mudança no modo como se faz gestão pública no país. Um compromisso central é com o incentivo à institucionalização de formas de democracia direta e de participação cidadã. Uma nova cultura para a gestão pública no Brasil. Uma medida simples – a eliminação da maioria dos cargos de confiança no SUS – reduziria o patrimonialismo e protegeria o sistema da lógica partidária. Instituir seleção pública para todos os cargos de direção de serviços e de programas de saúde seria um excelente indicador dessa disposição.