Desoneração tributária: um equívoco de política econômica
A aposta feitas na desonerações tributárias da União feitas por Dilma Roussef como mecanismo anticíclico para manter o nível de atividade econômica, socorrer a acumulação de capital e, quem sabe, estimular o gasto capitalista não surtiram os efeitos desejados
“Eu acreditava que, se diminuísse impostos, teria um aumento de investimentos. Fiz uma grande desoneração, brutalmente reduzimos os impostos. Ali fiz um grande erro”. Declaração da presidenta Dilma Rousseff em Genebra
A discussão sobre as desonerações tributárias da União nos conduz a um debate acerca do fundo público. Partindo do entendimento que as desonerações é dinheiro renunciado na forma de impostos e contribuições em favor da acumulação capitalista, parte-se do pressuposto que ela é uma espécie de fermento que eleva a taxa de investimento do setor privado. Logo que a crise internacional de 2007 acirrou as contradições capitalistas, o governo federal resolveu apostar na política de desoneração tributária como mecanismo anticíclico para manter o nível de atividade econômica, socorrer a acumulação de capital e, quem sabe, estimular o gasto capitalista.
Na medida em que crescia o volume de recurso desonerado no sentido de garantir as condições gerais de produção capitalista, o fundo público tornara-se, cada vez mais, um componente fundamental na formação da taxa de lucro. Ao mesmo tempo em que ocupa posição de destaque na dinâmica da acumulação capitalista, a expectativa do governo brasileiro na retomada do investimento privado pelos mais variados programas de incentivos acabaram não se realizando conforme desabafo da presidenta Dilma Rousseff em Genebra. Nesse caso, a apropriação privada das desonerações tributária consiste em maior impacto financeiro ao Tesouro Nacional dado que seu efeito multiplicador, que inclui crescimento da arrecadação pelo aumento da atividade produtiva, foi relegado.
Dentro da performance do capitalismo, portanto, da necessidade de valorização da capital para além de seus limites, embora o gasto capitalista tenha sido entesourado, as desonerações tributárias enquanto componente do fundo público está estruturalmente implícita a peregrinação de reforçar o poder do capital, contrariar a queda tendencial da taxa de lucro, na superação de limites temporários imposto pela própria produção capitalista e como “substituto do capital financeiro” (OLIVEIRA, 1990) devido a fragilidade do sistema de financiamento privado no Brasil. Para tanto, é preciso dizer que a maior parte do fundo público desonerado consiste nas contribuições sociais patronais destinadas a previdência, assistência social e saúde. Desta forma, enfraquecendo a solidariedade no custeio do Regime Geral, a crise do capital assumida pelo Estado está sendo paga com recursos pertencente à classe trabalhadora (GOULARTI, 2016).
Com valores renunciados, entre os anos de 2010-2017, que passam de R$ 1,2 trilhão, o equívoco do governo federal foi não ter exigido contrapartida do empresariado no sentido de ampliação de postos de trabalhos e direitos sociais sob pena de retirada e devolução da desoneração usufruída. Outra problemática, inclusive levantada pelo Tribunal de Contas da União (2014), é que não existem mecanismos de acompanhamento do seu desdobramento. Criando condições gerais de produção que não podem ser asseguradas pelas atividades privadas, e considerando que as desonerações constituem um elemento in flux no ciclo do capital que faz mediação com a Lei do Valor (BEHRING, 2010), o investimento é apenas uma, dentre muitas, das atribuições das desonerações.
Projeção das Desonerações Tributárias da União (2010/2017)
Ano | Desoneração Tributária | Participação da Receita Federal |
2017 | 289.868.179.594 | 21,3 |
2016 | 288.920.446.903 | 20,9 |
2015 | 280.573.350.469 | 18,5 |
2014 | 232.386.129.245 | 23,8 |
2013 | 210.034.634.363 | 20,1 |
2012 | 175.346.202.943 | 17,9 |
2011 | 165.596.253.853 | 18,7 |
2010 | 175.365.015.212 | 20,4 |
Fonte: LDO, vários anos. | ||
Valor referente a março de 2017 – atualização de valores através do INPC. |
Com impacto relevante na arrecadação federal, comparando o volume desonerado com a taxa de investimento nominal obtido a partir da relação entre a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e o Produto Interno Bruto (PIB) nominal, a correlação entre ambas é frágil, isto é, a desoneração não é um dispositivo automático que aciona o investimento. Vejamos: entre 2010 e 2013 a taxa de investimento (FBCF) manteve-se estabilizada em 20,7% do PIB. Depois de 2013, começou a apresentar queda, 19,9% (2014), 18,1% (2015) e 16,4% (2016)-(IPEA, 2017). Neste caso, as desonerações que saltaram de 3,4% do PIB em 2010 para 4,7% em 2016, não acionaram o gasto capitalista em programas de inovação tecnológica, ampliação da base produtiva e instalação de novas plantas industriais.
Ao contrário, com a retomada do planejamento estatal, o que sustentou essa taxa de investimento foi o fundo público através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Minha Casa Minha Vida (MCMV) dentre outros programas de investimentos federais assegurados, principalmente, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Caixa Economia Federal e empresas estatais, com destaque para a Petrobrás. Alias, tomando o infraestrutura como exemplo, investe-se, há mais de duas décadas no Brasil pouco mais de 2% do PIB, sendo que o setor público é responsável por mais de metade desse valor.
No contexto do capitalismo globalizado e dentro do processo de desnacionalização da economia brasileira, a participação da empresa estrangeira no mercado nacional é significativa. Segundo dados do Banco Central (2014), a participação do capital estrangeiro no controle de empresas na indústria de transformação foi de 38,9%. No tocante à remessa de lucros e dividendos, as filiais das corporações transnacionais enviaram às suas matrizes US$ 19,8 bilhões. Isto posto, considerando a empresa multinacional beneficiária dos mais variados programas desonerativo, o fundo público está sendo utilizado para aumentar à margem de lucro do capital estrangeiro, que por sua vez é remetido a matriz com isenção de impostos concedidos pela Lei n.° 9.249/1995.
Quando as desonerações são colocadas na produção e circulação de mercadorias, o capitalista está comprando bens produzidos por outros capitalistas e, portanto, elevando o gasto com investimento no sentido keynesiano. Em mesma proporção, está aumentando seu próprio volume de capital fixo e ampliando sua capacidade produtiva. Acontece que o “capitão da indústria” deslocou as desonerações dentro da estrutura de balanço da empresa para finalidade dispersa daquela do investimento, já que tudo que é sólido desmancha no ar.
Não cumprindo a finalidade para qual era esperado, dentro do programa de ajuste fiscal, o governo federal decidiu rever a política de desoneração concedida a vários setores da indústria. Nesta particularidade, por não resultar em gasto capitalista, as desonerações não financiam a si mesma, isto é, a renúncia de receita não provoca uma elevação na arrecadação, ao contrário do déficit orçamentário e do investimento como aponta Kalecki (1980) na teoria do Pleno Emprego e Keynes (1988) na Teoria Geral. À medida que a desoneração não se desenvolve com capital fixo, não provoca uma operação de retorno nos termos arrecadatório. Logo então, nada mais correto do que a fala da presidenta em Genebra.
A propósito, com a baixa capacidade de arrecadação devido à paralisia da atividade econômica catapultada pelo ajuste no fundo público em 2015, mais a Emenda Constitucional N° 95, o governo federal decidiu reonerar a folha de pagamento de 50 setores. Essa medida irá provocar uma diminuição na transferência do fundo público aos setores completados e haverá um rebaixamento na taxa de lucro. Considerando que a desoneração da folha de salários, prevista para 2017, foi estimada em R$ 17,1 bilhões, a reoneração anunciada de R$ 4,8 bilhões representa 28,1%. Do montante geral para o exercício de 2017, a reoneração simboliza 1,7% do total. Porém o que justifica a reoneração não é seu esquivo do investimento, mas sim que a arrecadação federal vem apresentando queda sucessiva, sendo que, em 2016 registrou o pior desempenho em 6 anos.
Nessa perspectiva, estamos tratando de dizer que está havendo um uso modificado das desonerações, isto é, ela se esquivou da hipótese keynesiana da demanda efetiva. Sob esse aspecto, com redução de custos de produção e aumento da taxa de lucro, levantamos a hipótese que no contexto atual parte das desonerações está migrando para o mercado financeiro, certa vez que “as finanças ditam o ritmo da economia” (MINSKY, 2008). Em síntese, não se trata mais de transformar as desonerações em capital industrial, mas sim em valorizar os ativos financeiros.
Portanto, uma vez que o fundo público é cada vez menos público (TEIXEIRA, 2012), a política de desoneração tributária constitui-se um equívoco de política econômica à medida que agrava o financiamento da Seguridade Social, subsidia a regressividade de nosso sistema tributário e não resulta em ampliação dos direitos sociais e garantias fundamentais da classe trabalhadora. Ainda existe frouxidão na fiscalização, as contrapartidas (metas) são vagas e o monitoramento (avaliação) é zero. Neste sentido, para além da reoneração, torna-se urgente estabelecer rígidos mecanismos de controle e de acompanhamento permanente sob pena da espada do Leviatã.
Juliano Giassi Goularti é Economista e doutorando pelo Instituto de Economia da UNICAMP