Lei do dia municipal de enfrentamento ao racismo ambiental é aprovada em Petrópolis
Em 2022, Petrópolis teve mais de 240 mortes após grandes tempestades em menos de um mês. Agora, o dia 20 de março é um marco da data da segunda chuva que atingiu a região serrana
Em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, os últimos dois anos têm sido de angústia para centenas de famílias. No dia 15 de fevereiro de 2022, aconteceu a maior tragédia climática da história do município, com 235 mortes registradas e feridas que seguem abertas nos quatro cantos.
Dentre as principais localidades atingidas, o Morro da Oficina no Alto da Serra perdeu parte de sua história e teve mais de oitenta casas destruídas. O episódio, que ganhou repercussão nacional, também carrega como cena emblemática dois ônibus que foram arrastados para dentro do Rio Quitandinha, que não suportou o volume de água e fez vítimas fatais, como o jovem Gabriel Villa Real. Pouco tempo depois, em 20 de março, uma nova tempestade provocou pelo menos mais seis mortes e abriu novas feridas na recém machucada Petrópolis.
O histórico do município revela que o problema com as chuvas já é antigo, sendo registrado pelo Imperador Dom Pedro II em 1862, quando escreveu em seu diário: “Ontem de noite houve grande enchente. Subiu três palmos acima da parte da Rua do Imperador do lado da Renânia; e um homem caiu no canal, devendo a vida a saber nadar e aos socorros que lhe prestaram”. Ou seja, passam-se anos e enquanto sobram registros de pessoas sem casas, mortas ou sem entes queridos, esgotam-se as medidas que sejam realmente efetivas na solução e mitigação dos casos que se acumulam em episódios como 1988, 2001, 2011, 2013, 2022.
Sonia da Cristina da Silva Furtado, moradora do bairro Manoel Torres, sentiu na pele o drama da tragédia em 1988, quando estava grávida. “Fiquei soterrada e apenas minha cabeça para fora. Quando minha filha fez 3 anos, descobri que era deficiente auditiva e há poucos anos, foi diagnosticado que ela está cega de um dos olhos. Em 2011, ajudei diversas vítimas com doações, estava lá prestando meu apoio às vítimas do Cuiabá. E em 2022, além de ter perdido vários amigos e conhecidos, quase fui uma vítima novamente, pois estava indo para uma consulta médica. O que me salvou foi ter positivado para Covid-19 quando cheguei ao ambulatório e precisei voltar para casa”, conta.
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O sentimento de impotência se tornou combustível para que forças se unissem na busca por respostas. Com um direcionamento sobre a necessidade de buscar políticas públicas e trazer à tona a discussão sobre o racismo ambiental e a importância da justiça climática, o Instituto Todos Juntos Ninguém Sozinho (TJNS), que atuou na linha de frente com assistência às famílias com doações de alimentos, roupas e outros, ampliou as atividades e, por meio do setor de advocacy, se moveu para ir além, cobrando que ações deixem de estar apenas nos discursos e possam se materializar. Fruto disso foi a Lei N.º 8.675 de 15 de dezembro de 2023, que institui o Dia Municipal de Enfrentamento ao Racismo Ambiental no Calendário Municipal de Petrópolis, celebrado pela primeira vez no dia 20 de março deste ano.
“Nossa área de advocacy trabalhou muito e conseguimos junto ao mandato da Coletiva Feminista Popular, na Câmara Municipal, provocar o reconhecimento de um problema que há anos assola a cidade, deixa centenas de vítimas fatais e desabrigados ano após ano. Um aspecto que nunca foi discutido é que a maioria dessas pessoas são pessoas negras que moram em comunidades na cidade, muitas vivendo tragédias seguidas e se deslocando sem condições dignas para novas moradias em áreas de risco. A lei traz peso para que o poder público busque soluções e políticas públicas eficazes. Desde então, não paramos com um movimento de educação ambiental, racial e climática, com foco em atingir os representantes do Executivo e Legislativo, movendo medidas para adaptação climática e prevenção”, explica Pâmela Mércia, presidente do Instituto TJNS.
Segundo o texto da Lei, a data de conscientização passa a integrar o calendário oficial de eventos do município, com a realização de atividades em prol do movimento.
“Nós precisamos fazer com que o poder público olhe para nós, vítimas que sofremos com as chuvas, de forma eficiente. Quem mora em áreas periféricas, sem dúvida, vai ser atingido de uma maneira diferente daqueles que vivem às margens do asfalto. Essas pessoas são em boa parte negras e de classe econômica pobre. Elas são quem precisa pegar o transporte público, enfrentar horas no trânsito em deslocamento, sair de um bairro e trabalhar em outro, sofrendo de forma diferente quando ocorrem esses episódios. Não dá para tratar tudo de forma única, é preciso agir com entendimento e humanização a essas pessoas. E também é preciso entender que, mesmo que a casa não caia, mas esteja em área de risco, essa pessoa também sofre como uma vítima que, em boa parte dos casos, está ali pois não tem para onde ir”, pontua Pâmela.