Do céu ao (buraco do) inferno
Em sua primeira viagem internacional, o presidente dos EUA, Donald Trump, negocia a paz e dá um empurrão na OTAN. Enquanto Trump era recebido na quarta-feira pelo premiê belga Charles Michel e pelo rei Felipe da Bélgica, cerca de 9 mil pessoas protestavam sob o slogan e tendência no Twitter #TrumpNotWelcome
No ban, no wall: vestidos de estátuas da liberdade contra os muros que Trump pretende levantar na fronteira mexicana e banir imigrantes e refugiados
Os últimos cinco presidentes dos Estados Unidos nas suas primeiras viagens ao exterior deram preferência visitar seus vizinhos e principais parceiros econômicos: Canadá e México. Em sua primeira turnê internacional, o presidente norte-americano, Donald Trump, privilegiou negócios de guerra e paz. Ao passar por Riad, Jerusalém e Roma, reuniu-se com líderes de Estados que sediam as três maiores religiões monoteístas do mundo como mediador de paz. E aproveitou para anunciar acordos de cooperação militar com os sauditas avaliados em US$ 110 bilhões. Ontem, Trump aterrissou diretamente em seu chamado “buraco do inferno”: Bruxelas, capital da Bélgica e sede das principais instituições da União Europeia e da aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Em entrevista ao canal de TV americano Fox em janeiro do ano passado, Trump avaliou que há 20 anos Bruxelas era uma cidade “bonita, muito bonita”, mas tornara-se um “buraco do inferno” devido à falta de integração de seus habitantes muçulmanos e constituir residência de terroristas responsáveis pelo ataque a Paris no bairro de Molenbeek. Na época a declaração foi mal vista pela população belga. Mas em março, depois de dois atentados realizados em Bruxelas, Trump reafirmou: “A Bélgica já não é Bélgica, é um espetáculo de horror; isso acontece porque não há integração”.
Não é à toa que os representantes políticos da Bélgica, da União Europeia e da Otan se empenharam em causar boa impressão no ilustre visitante. Como de praxe, garantiram a segurança das ruas da capital com cercas de arames farpados, policiais e soldados nas ruas e diversas zonas de controle de identidade. Verificaram inclusive os moradores de rua da cidade, cujo número aumentou desde a crise dos refugiados. De qualquer forma, Trump trouxe uma garantia extra de casa: sua super limusine à prova de balas e bombas, apelidada de “A Besta”. Trouxe também o barulhento Air Force One, que causou sensação entre fotógrafos amadores e profissionais amantes de aviação. O que ainda não se sabe, conforme especulou a imprensa belga, é se o avião presidencial terá de pagar a multa por poluição sonora cobrada a companhias aéreas que sobrevoam Bruxelas.
Grávida protesta com adesivos em Bruxelas: “Dinheiro para guerra? Nós dizemos não” e “Parem o Trump. Salvem o planeta”
Enquanto Trump era recebido na quarta-feira pelo premiê belga Charles Michel e pelo rei Felipe da Bélgica, cerca de 9 mil pessoas protestavam sob o slogan e tendência no Twitter #TrumpNotWelcome (Trump não é bem-vindo). Parte da sociedade civil, junto com ONGs como Anistia Internacional e Greenpeace, manifestava-se com cartazes, bandas de música, bonecos satíricos e fantasias. Os protestos eram dos mais variados, acusando Trump de liderar os EUA contra acordos sobre o câmbio climático, direito das mulheres e dos refugiados. “Nos últimos meses, Trump causou indignação em todo o mundo: dividindo e excluindo as pessoas, negando as mudanças climáticas, intimidando a mídia, eliminando a solidariedade,” explicaram os organizadores da passeata.
Mensagens cruzadas: “Jesus salva e a Anistia Internacional esta te assistindo”
Algumas dessas divergências foram também o foco principal dos representantes da União Europeia. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, depois de conversar com Trump nesta quinta-feira, expressou: “Minha sensação é de que concordamos em muitas áreas, acima de tudo no contraterrorismo. Mas algumas questões continuam abertas, como clima e comércio, e não estou 100 por cento certo de que possamos dizer hoje –‘nós’ significa o senhor presidente e eu– de que temos uma posição comum, opinião comum, sobre a Rússia, embora quando se trate do conflito na Ucrânia pareça que estamos de acordo”.
Manifestantes em frente ao antigo prédio da Bolsa de Valores de Bruxelas onde o Greenpeace levantou a bandeira “Faça a paz grande de novo”
Empurrão na Otan
Nesta quinta-feira o presidente americano também inaugurou a nova sede da Otan em Bruxelas –um moderno edifício em vidro e metal que simboliza dedos entrelaçados. O novo complexo abrigará a aliança militar criada em 1949 que Trump chamou de “obsoleta” durante a campanha eleitoral. Durante o encontro, os europeus pediram garantias de que os EUA realmente os apoiará em caso de ameaça externa a um de seus 28 Estados-membros, conforme prevê o artigo 5.º da carta da organização. Não obtiveram essa promessa do presidente americano, que ressaltou que “a Otan do futuro deve se concentrar no terrorismo e na imigração, bem como sobre as ameaças da Rússia sobre as fronteiras leste e sul da Otan”.
Trump Coringa: “você está brincando?”, questionam manifestantes
Para cumprir esses objetivos, Trump recordou que os europeus devem contribuir mais no orçamento da aliança militar. Em 2014 houve um acordo para que todos os membros da Otan colocassem 2% do PIB no orçamento de defesa até 2024, mas apenas cinco países cumpriram a meta: Estados Unidos, Estônia, Grécia, Polônia e Reino Unido. “Eu nunca perguntei, nem uma vez, quanto a nova sede da Otan custou. Eu me recuso a fazer isso”, declarou Trump durante a inauguração. Segundo o site da Otan, os custos de construção totalizam cerca de 750 milhões de euros e o custo total do novo edifício é de cerca de 1,1 bilhões de euros.
Mas se o que os dirigentes da Otan buscavam era um verdadeiro empurrão do presidente americano, parecem ter conseguido. No fim do encontro Trump empurrou literalmente (e lateralmente) o mais novo membro da organização: o premiê de Montenegro, Dusko Markovic, que busca na Otan proteção contra a Rússia.
Empurrão de Trump na Otan. America first.
Paralelamente ao evento, a primeira-dama dos Estados Unidos, Melania Trump, recebeu do Estado belga um programa especialmente desenhado para ela, com visitas ao hospital infantil Rainha Fabiola, ao Museu Magritte, e um passeio aos jardins do Palácio de Laeken acompanhada pela rainha da Bélgica, Matilde. Hoje à noite o casal Trump retorna à Itália, desta vez para a cidade siciliana de Taormina, para participar da cúpula do G-7, que reúne os países mais ricos do mundo.
Viviane Vaz é jornalista e escreve de Bruxelas especial para o Le Monde Diplomatique Brasil