E agora, euro?
A moeda comum europeia surgiu em meio a um grande entusiasmo. Nas mídias, ninguém duvidava de que o euro “nos” permitiria “ter peso” na cena internacional, concorrer com o dólar. Agora o tom mudou, e a oportunidade do abandono do euro já foi discutida, pois a crise coloca as contradições essenciais da união monetáriaAntoine Schwartz
Tv France 2, 4 de janeiro de 1999, jornal das 20 horas. Três dias antes, o euro tornava-se oficialmente a moeda única de onze países da União Europeia. Uma reportagem revelava “um dia quase festivo nos mercados financeiros”. “O euro é uma revolução, uma revolução benéfica”, analisava um dirigente da Bolsa de Paris, seguido pelo presidente do Banco da França, Jean-Claude Trichet, que evocava “uma felicidade completa ao ver o que se passa atualmente”. Em seguida, o apresentador Claude Sérillon perguntou a Jacques Delors, ex-presidente da Comissão Europeia: “Os financistas estão contentes, os políticos pró-europeus também. Mas para o senhor, um homem de esquerda, não incomoda que, em primeiro lugar, é a Europa do dinheiro que se comemora hoje?”. Seu convidado não parecia nem um pouco envergonhado: “A moeda única significa mais liberdade para a França, mais margem de manobra em termos monetários. Desde que a união econômica e monetária tenha sucesso”.
Ela obteve sucesso? Doze anos depois, Delors mostra-se desiludido: “a Europa está à beira do abismo”, constata aquele que foi um dos arquitetos do euro (Le Soir, Bruxelas, 18 ago. 2011). Martin Wolf, editorialista do Financial Times, também não acredita: “se os dirigentes políticos imaginassem, há duas décadas, o que sabem hoje, nunca teriam lançado a moeda única” (9 nov. 2011).
No final dos anos 1980, o projeto foi defendido principalmente pelos dirigentes franceses. François Mitterrand, ao mesmo tempo preocupado em relançar a integração europeia e inquieto com a hegemonia do marco alemão, pensou, para contorná-la, na criação de uma nova moeda comum. Além do Reno, os dirigentes estavam reticentes. Para convencê-los, o presidente francês concedeu a liberação completa dos movimentos de capitais, sem acordo prévio. Um comitê de banqueiros centrais e de especialistas, pilotado por Delors, encontrou uma solução bastante simples para desarmar a hostilidade dos “sábios” do Bundesbank (o Banco Central alemão): a união econômica e monetária seria feita sob as condições estabelecidas por Bonn, a capital na época. O futuro Banco Central Europeu (BCE), independente do poder político, teria como única missão velar pela estabilidade dos preços. Essa concepção, gravada no mármore do Tratado de Maastricht (assinado em 1992), traz a marca bem nítida de uma doutrina particular, a do “ordoliberalismo” – nome dado ao neoliberalismo alemão.
Desde o advento da moeda única, o discurso dominante procurou, entretanto, calar os fundamentos ideológicos. Para a imprensa, o euro era uma coisa nova, e até mais que isso. Uma espécie de progresso da história – talvez o maior feito depois da invenção da escrita. Para Jean-Marie Colombani, então diretor do jornal Le Monde, o euro marcava “uma vitória da vontade sobre os mercados, da determinação de alguns sobre as forças econômicas” (Le Monde, 31 dez. 1998). Bernard Guetta considerou, por seu lado, que a União Europeia representava principalmente “o triunfo da razão”. “Com o euro, o movimento de unificação se acelera” e deve conduzir as populações à Europa sonhada; “a utopia provém da infância. A idade do homem o espera”, profetizou o jornalista (Le Nouvel Observateur, 31 dez. 1998).
Aos céticos, o diretor do jornal Libération, Laurent Joffrin, lembrou que “a construção europeia encarna uma política da razão antes de ser uma emoção do coração. […] Aliás, é por isso que ela representa um imenso progresso e – se as populações lhe derem vida – um passo na direção de um estágio superior da democracia”. Instituir uma autoridade que escapasse ao controle dos governos poderia, no entanto, parecer um progresso democrático relativo… “Salta-se para o desconhecido”, retrucou o editorialista; “a isso chamamos aventura” (Libération, 1º jan. 1999).
As mídias se esforçaram para compartilhar sua alegria: “O dia de glória chegou”, título do jornal France Soir (5 jan. 1999); “Nascimento de um continente”, proclamou na capa a revista Nouvel Observateur (31 dez. 1998). Cansado, um ano depois, o jornal Le Monde admitiu que a nova moeda representava em primeiro lugar um presente para os investidores. “O euro havia sido concebido para criar uma Europa mais integrada, mais solidária, mais poderosa. Ele devia ser o ‘melhor instrumento possível de controle da globalização’, como dizia Dominique Strauss-Kahn em março de 1999. Na realidade, a moeda única reforçou principalmente a concorrência entre os países europeus para atrair os investidores externos”(5 jan. 2000).
Essa constatação não impediu a imprensa de jogar confetes e serpentinas para festejar a colocação em circulação das moedas e notas de euros. “Viva o euro!”, exultou a revista L’Express (27 dez. 2001). Aliados das autoridades políticas e monetárias, muitos jornalistas não duvidaram de que a população compartilhasse o entusiasmo por essa “nova solidariedade em marcha” (Journal du Dimanche, 2 set. 2001). Os norte-americanos, há muito tempo, não haviam caminhado na Lua? Os europeus poderiam agora viajar pelo continente sem ter de se preocupar com cálculos de câmbio muito complicados. O jornalista Jean Boissonnat se exaltou: “O mundo inteiro está surpreso: por qual milagre esses povos da Europa, paralisados por reumatismos, foram capazes de inventar algo tão inacreditável como uma moeda única?”.1
Nas mídias, ninguém duvidava disso: a nova moeda “nos” permitiria “ter peso” na cena internacional, concorrer com o dólar. Mesmo as novas moedas e notas, com estética duvidosa, suscitavam emoções entre os editorialistas: eles “colocam um pouco de substância nessa entidade distante, e um pouco mais de compartilhamento entre os europeus”, estimou o jornal Libération(3 jan. 2002). No primeiro dia do ano, as televisões filmaram pessoas retirando as primeiras notas nos caixas automáticos. O editorialista Eric Le Boucher também ficou pasmo: “Uma verdadeira revolução, concreta, cotidiana e aceita não sem alegria, se acreditarmos nos milhões de europeus que se precipitaram para comprar os kits e brincaram, como no Natal, com essas belas moedas brilhantes” (Le Monde, 30-31 dez. 2001).
Demagógicos e populistas
Entre o povo, as explosões de alegria foram mais moderadas. Os maus espíritos temiam que a passagem para o euro acarretasse uma alta dos preços. “Como é cômodo!”, declarou um cronista. “Os preços disparam, e no mesmo instante se indignam com o euro. O perigo, como em qualquer lugar, é o amálgama. […] Quando o poujadisme [movimento político e sindical francês] se manifesta, é preciso se lembrar das coisas simples. O euro agora é um fato, uma oportunidade para a França e para a Europa” (Journal du Dimanche, 2 set. 2001). A linha de defesa foi estabelecida: qualquer opinião recalcitrante, qualquer pensamento crítico seria desqualificado e taxado de “demagógico” ou de “populista”. Tantos anátemas lançados sobre um futuro brilhante, em particular durante a campanha do referendo de 2005 sobre o projeto de tratado constitucional europeu.2 Jean-Claude Trichet declarou sua aprovação aos franceses: “Há um consenso entre as grandes sensibilidades políticas do país que desejaram essa moeda única. Estamos muito emocionados e orgulhosos de termos chegado a esse resultado” (canal France 2, 30 ago. 2001).
No início da crise do subprime, os comentaristas retomaram o refrão de Jacques Delors: “O euro nos protegeu”. Em 9 de abril de 2007, o espanhol Rodrigo de Rato, diretor-geral do FMI e ex-ministro das Finanças de José Maria Aznar, afirmou com exaltação que “hoje a Europa é um continente cuja prosperidade e diversidade suscitam a admiração do mundo todo. […] Sob o impulso de dirigentes visionários, as instituições foram criadas e encarnam a crescente integração econômica do continente”. Como observador prudente, ele acrescentou: “A Europa continua desempenhando um papel importante para a estabilidade mundial, e sua contribuição para o desenvolvimento permanece inestimável. As economias europeias são sólidas” (Le Figaro, 9 abr. 2007). Não poderiam se mostrar mais perspicazes…
Depois, o tom mudou. Bloqueios ideológicos foram superados. A própria oportunidade do abandono do euro foi discutida. E por um motivo evidente: a crise coloca na mira da opinião pública as contradições essenciais que minam a união monetária. Antes de tudo, a proibição feita ao BCE de emprestar diretamente aos Estados, o que permitiria manter sob controle os mercados financeiros. O governo francês adota uma posição que outrora teria qualificado de… “populista” e deseja uma intervenção mais maciça do BCE no refinanciamento das dívidas públicas. A autoridade de Frankfurt estima, ao contrário, já ter ultrapassado suas missões e seus estatutos ao refinanciar uma parte da dívida de países em dificuldade e continua se recusando, apesar da crise, a sair da trilha ordoliberal. E agora, euro?
Antoine Schwartz é autor, com François Denord, de L’Europe sociale n’aura pas lieu, Raisons d’Agir, Paris, 2009.