É hora de comemorar, presidente?
É impressionante a irresponsabilidade daquele que ocupa a chefia da nação e que deveria nos conduzir com sobriedade nesse momento tão difícil
Em meio a uma grave crise mundial, Jair Bolsonaro festeja seu aniversário. Segundo ele mesmo, uma festa pequena, só para os mais íntimos. O presidente Bolsonaro completa 65 anos de vida (ou seja, integrante de grupo de alto risco por contaminação pelo coronavírus). Ao invés de estimular a quarentena e servir de exemplo, Bolsonaro estimula uma festa, mesmo que pequena. Além disso, mais uma vez, refere-se ao maior vilão dos últimos tempos como uma pequena gripe, ou melhor, uma gripezinha, que não o derrubará.
É impressionante a irresponsabilidade daquele que ocupa a chefia da nação e que deveria nos conduzir com sobriedade nesse momento tão difícil. Em vez de falar em rede nacional para acalmar a população, orientá-la ou simplesmente lhe dar esperança e força, prefere se autoelogiar novamente, inflando a figura que parece ter realmente encarnado: o mito. É possível até se pensar que Bolsonaro realmente acredita que é um mito. Afinal, não é possível tamanha irresponsabilidade num homem que ocupa o primeiro cargo público da nação.
Como pode um homem, na altura de seus 65 anos, ter tamanha irresponsabilidade e tratar a pandemia que assola o planeta como uma “gripezinha que não vai derrubá-lo”? Talvez o professor Miguel Reale Júnior tenha razão, pois, uma de duas, ou Bolsonaro não está mais com suas faculdades mentais em bom funcionamento, ou simplesmente zomba de nós.
Sua politização do coronavírus é odiosa. Aliás, ódio é uma palavra que os seguidores de Bolsonaro aplicam bem e gostam muito. Seguem bem a cartilha do guru Olavo de Carvalho que determina atacar e ofender pessoalmente o “inimigo”, para que ele sequer possa ser ouvido ou consiga responder. Mas isso já é ordinário. O que não é ordinário é essa politização odiosa da nossa tragédia. Quando Bolsonaro tenta faturar politicamente a partir de uma grande crise como essa, revela sua faceta populista da maneira mais terrível. Quer ser o mito indestrutível que resistiu a uma facada e que não irá sucumbir ao coronavírus. Chega a ser ridículo; em vez de agir como um estadista, age como um adolescente em fase de autoafirmação.
É triste ver o seu desgoverno e a falta de rumo do Brasil sob a batuta de Jair Bolsonaro. Estamos cegos no meio de uma tormenta. Os dados e projeções do que vem pela frente são extremamente preocupantes. Demorou a cair a ficha dos nossos ministros, é evidente. Há uma clara recessão global caminhando a galope e o Brasil já se encontra em recessão (a projeção de crescimento do PIB já foi reduzida de 2,1% para 0,02%!). A situação do desemprego é alarmante, a economia sofrendo é preocupante, mas, mais alarmante ainda é o inevitável colapso do Sistema Único de Saúde, já afirmado pelo ministro da Saúde Mandetta, ilha de sobriedade em meio a tantos erros.
É revoltante ter uma perspectiva dessa pela frente; isto é, o número de mortes em progressão no Brasil e o presidente dizendo que não será uma gripezinha que vai derrubá-lo. Bolsonaro não tem a menor empatia e solidariedade para com aqueles que estão lutando diariamente e para com aqueles que, infelizmente, já não podem lutar mais.
Em vez de procurar unir o país como um estadista decente faria, Bolsonaro continua com sua velha receita: autoidolatrar-se, atacar a imprensa, desdenhar do vírus, dizer que seu governo está ganhando de goleada e que tudo está bem. Vive em seu fantástico mundo de irresponsabilidade, enquanto o Brasil real enfrenta, talvez, uma das suas piores crises da história.
Deveria Bolsonaro tomar a lição de John Donne, que abre o monumental livro de Hemingway, Por quem os sinos dobram: “nenhum homem é uma ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. Se um pequeno torrão carregado pelo mar deixa menor a Europa, como se todo um Promontório fosse, ou a herdade de um amigo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui; porque eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”.
Não se esqueça presidente Jair Bolsonaro, ao ouvir os sinos dobrando, saiba que eles dobram por ti e por cada pessoa infectada, cada brasileiro que sofre ou sofrerá por conta dessa gripezinha a que o senhor se referiu.
Ao comemorar seu aniversário em momento de tanta apreensão e tristeza, sacrifício e dificuldade de cada um que está em quarentena, o senhor poderia nos presentear com, talvez, o melhor que poderia fazer pelo Brasil nesse exato momento: decretar a sua própria quarentena.
Guilherme Antonio Fernandes, doutor em Direito pela USP, é professor, advogado e membro do Gebrics-USP.