Bolsonaro: É hora de sair - Le Monde Diplomatique Brasil

BOLSONARO E CORONAVÍRUS

É hora de sair

por Guilherme Antonio de A. L. Fernandes, Vinicius Ruiz Albino de Freitas, Luís Fernando P. B. Cardoso, Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes, Enrique Carlos Natalino e Guilherme Assis de Almeida
20 de março de 2020
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Bolsonaro cruzou o Rubicão da falta de bom senso, do desprezo e da falta de dignidade para com o cargo

A cadeira que o presidente ocupa é maior que o próprio presidente. Ela exige uma liturgia e um respeito rigoroso. Trata-se do símbolo maior da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, é o presidente Bolsonaro que deve dar o primeiro exemplo, como primeiro cidadão que é.

Todavia, a realidade política brasileira passou a ser digna de uma distopia orwelliana. Digna de um surrealismo inenarrável, a confundir até mesmo Salvador Dalí. Bolsonaro cruzou o Rubicão da falta de bom senso, do desprezo e da falta de dignidade para com o cargo.

Entretanto, não só o desrespeito ao cargo foi evidente por meio da atitude irresponsável de sair à rua e cumprimentar manifestantes, mas, e muito maior, foi o evidente desrespeito a aquele que é a razão de ser da cadeira presidencial: ao povo brasileiro.

Ao desrespeitar ordens restritivas do seu próprio governo, Bolsonaro colocou em risco vidas de milhares de brasileiros. Como oficial da reserva das Forças Armadas, atentou contra a disciplina e o respeito às ordens de seus superiores, valores que tanto preza em seu discurso de elogio à vida militar. Seu superior é o soberano: o Povo Brasileiro. E o povo exige que ele seja responsável e lidere esforços diante de um drama real, a pandemia que assola o mundo.

Assim, Bolsonaro conseguiu desrespeitar não somente o povo brasileiro, mas também as instituições republicanas. Seu ato foi claramente de cunho golpista. Sua tática populista rasa é evidente: tentar colocar a nação contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Sua estratégia é simples: passar o recado de que seu governo só não está dando certo porque Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, somados ao Supremo Tribunal Federal, não permitem. Ou seja, o que deseja o presidente? Carta branca da população para governar sem o Congresso e sem o STF.

Bolsonaro engana o povo brasileiro quando tenta tergiversar ou desconversar, dizendo que não atenta contra a ordem democrática brasileira e que está aberto ao diálogo. Porque, enquanto isso, o chamado Gabinete do Ódio, que opera do próprio Planalto e é comandando pelo seu filho Carlos Bolsonaro, dispara mensagens golpistas e falsas, para desinformar a população e tentar colocá-la contra as instituições.

Bolsonaro, ao dizer que a esquerda não poderá jamais voltar ao poder é antidemocrático por definição. Uma democracia não se faz só com governos de direita ou de esquerda, mas com alternância. Uma democracia tem governos de direita, governos de esquerda; volta a direita, retorna a esquerda, governos de coalizão e assim vai. Um democrata não pode jamais construir inimigos, porque um democrata constrói adversários. Na democracia os políticos são adversários que negociam e não inimigos que querem se neutralizar e se alijar do espaço público. A negociação é o coração de uma sociedade multifacetária e complexa que possui representantes democráticos. Negociar é exercer a democracia.

Coletiva de Imprensa do Presidente da República, Jair Bolsonaro e Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Foto: Isac Nóbrega/PR

Bolsonaro não é um democrata. É evidentemente um autoritário que tenta minar, aos poucos, as instituições da democracia brasileira. É um populista da pior qualidade, que não respeita o cargo que ocupa e nem está à altura dele. É um protótipo mal desenhado de ditador do século XXI, que acha que as redes sociais servirão de base para sustentar seu governo.

Bolsonaro se recusa a negociar, porque insiste em criminalizar a política que é feita por meio da articulação, do diálogo, pois para ele a única política que vale é aquela que o adora e o endossa como o condottieri da nação brasileira. Bolsonaro não acha que foi eleito pelo povo e que tem que justificar todos os dias a confiança que lhe foi dada. Na verdade, Bolsonaro acha que foi ungido divinamente pelo povo brasileiro e que ganhou carta branca para ser a sua voz, doa a quem doer.

Bolsonaro acredita na ideia do mito e está visivelmente inebriado pelo poder. Adora dizer que quem manda é ele e que tem poder de veto de seus ministros. Não tem qualquer projeto de país, apenas um projeto de poder.

Bolsonaro odeia a imprensa que o critica. Para ele, a imprensa atrapalha seu governo, assim como o Congresso e o STF. Ataca os jornalistas, desdenha deles, desrespeita-os frontalmente. Bolsonaro tem horror à imprensa livre, porque ela é típica dos regimes democráticos, que não cabem bem nos seus desejos de poder.

Bolsonaro copia a estratégia de seu ídolo maior, Donald Trump, de vociferar diante dos fatos negativos e acusar a imprensa de produzir fake news, quando esta noticia qualquer coisa negativa a ele. Bolsonaro adota a tática da mentira e estabelece-a como método de governo.

Em nenhum momento deste texto Jair Bolsonaro foi chamado de presidente, pois não tem estatura para o exercício do cargo. O Brasil não possui mais qualquer liderança na América do Sul e perdeu a credibilidade internacional. Investidores estrangeiros não colocarão um centavo em um país cujo chefe de Estado, tal qual um Nero, incendeia a nação.

Bolsonaro não tem mais condições de ser líder da nação que precisamos numa hora tão dramática como a que estamos vivendo no país e no mundo. Jair Bolsonaro ainda está formalmente no cargo, mas, na prática, nunca exerceu a Presidência da República. O governo Jair Bolsonaro não tem mais condições de ser o governo do Brasil. É hora de sair.

 

Guilherme Antonio de A. L. Fernandes, doutor em Direito pela USP, é professor, advogado em São Paulo e pesquisador do Gebrics–USP; Vinicius Ruiz Albino de Freitas, doutor em Ciências Sociais pela Unesp, é professor da Universidade Federal do ABC e pesquisador do Gebrics–USP; Luís Fernando P. B. Cardoso, mestre em Direito pela USP, é professor da Universidade São Judas Tadeu e advogado em São Paulo; Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes, doutor em Ciência Política pela USP, é professor da UFABC e pesquisador do Cebrap; Enrique Carlos Natalino, doutorando em Ciência Política na UFMG, é pesquisador do RIPERP-UFMG; e Guilherme Assis de Almeida é professor da Faculdade de Direito da USP.



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