E o ministério dos direitos humanos e da cidadania?
O momento tenso que vivemos nesta semana, devido à exposição de lideranças importantes do Governo, não pode desviar nosso foco central: a defesa das políticas públicas de promoção e proteção dos Direitos Humanos e da Cidadania
A desilusão e a dor são compreensíveis em um cenário de retomadas difíceis e de interpretações dos mares tortuosos, nos quais a velocidade das redes nos convida a mergulhar. Mas no meio das grandes ondas de notícias acachapantes, decidi escrever o porquê do tamanho do embrulho no estômago em ver dois Ministérios importantes colocados em exposição e propor um olhar sobre as prioridades do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Para além dos indivíduos envolvidos na situação denunciada na mídia, nas redes e nas instituições de controle, o embrulho também se dá pela exposição de dois Ministérios ainda frágeis pelo pouco tempo de reconstrução diante da sua alta demanda social. Tanto o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, quanto o Ministério de Igualdade Racial são duas apostas do Governo Lula 3 que foram constituídas com base num histórico de lutas dos movimentos sociais.
Aos 27 anos, compreendendo as limitações da minha juventude, mas com aprendizados das contribuições nos movimentos estudantis, no Movimento Negro Unificado, na organização partidária enquanto parte do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do PT após disputar a coordenação do Setorial dos Direitos Humanos do PT da Bahia e na academia como advogado e doutorando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, consigo ver de perto na minha própria trajetória o resultado das lutas coletivas por direitos humanos e pela promoção da igualdade racial.
Nosso avanço coletivo tem sido significativo. Conquistamos pautas importantes, como a Lei Caó (criminalização do racismo), o SUS (Sistema Único de Saúde), o ECA, a Lei de Cotas, a criação do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH 1, 2 e 3, além da implementação de diversas políticas públicas voltadas para a seguridade social, a educação e a saúde. O cenário doloroso que foi nos acometido do turbilhão que passamos nessa semana tem como núcleo de conteúdo a grande preocupação dos rumos da política voltada aos direitos humanos e cidadania no Brasil.
Não me cabe tratar do caso; espero que tudo seja apurado e que o deslinde administrativo e penal seja garantido por quem é devidamente competente para essa análise. Tampouco, me cabe analisar perfil dos Ministros e suas produções. O que pretendo aqui é contribuir com reflexões acerca do que virá e a partir de que caminho precisamos seguir com as políticas de direitos humanos e cidadania.
Independentemente de quem ocupar o cargo de Ministro(a) após a saída de Silvio Almeida, considero como prioridade a execução da Conferência Nacional Popular de Direitos Humanos e Cidadania, valorizando a participação social na definição das metas, objetivos e ações que darão forma ao próximo Plano Nacional de Direitos Humanos e Cidadania.
Além disso, há um projeto de encarceramento massivo em curso que pretende transferir a gestão dos presídios para o setor privado. Essa possibilidade agrava o processo violento, transformando o processo penal e o aprisionamento de pessoas em lucro para as empresas. Diversas frentes e agrupamentos nacionais já denunciaram e apontaram o perigo da privatização dos presídios. Essa luta precisa ser encampada pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, independente de quem ocupe a posição de Ministro(a).
O cenário político e o contexto educacional evidenciam que precisamos fortalecer uma educação pelo e para os Direitos Humanos, a partir da articulação entre as políticas educacionais e culturais, com propaganda massiva de valores democráticos, pluralistas, enfrentando as violências estruturais e estruturantes. Atrelado a isso, é preciso dar continuidade às políticas de promoção e defesa da população LGBTQIA+ e das pessoas com deficiências, a partir da participação social e o fortalecimento dos Conselhos de Políticas Públicas.
Por fim, fortalecer os trabalhos da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa de Direitos Humanos, que possui a competência de diversas pautas importantes como o combate ao trabalho análogo a escravo, a promoção e defesa da população em situação de rua, a construção de políticas públicas para pessoas imigrantes, refugiados e apátridas, o fortalecimento dos programas de proteção, entre outras ações de grande necessidade.
Em suma, o momento tenso que vivemos nesta semana, devido à exposição de lideranças importantes do Governo, não pode desviar nosso foco central: a defesa das políticas públicas de promoção e proteção dos Direitos Humanos e da Cidadania. Não podemos deixar que os caminhos e mares tortuosos nos impeçam de enxergar um horizonte possível de garantias de direitos e vitórias.
Que os caminhos estejam abertos para aqueles e aquelas que guerreiam por um novo mundo.
Ícaro Jorge da Silva Santana é Advogado, Doutorando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB com período sanduíche em curso na Universidade de Évora como bolsista do Programa Abdias Nascimento – CAPES.