Em 2022, a Justiça mira as eleições para tentar reparar os erros de 2018
Em 2021, o STF anulou as ações da Lava Jato que incriminavam o ex-presidente Lula, devolvendo-o à disputa presidencial. Na outra margem, seu antagonista, o ex-juiz Sérgio Moro entrou na disputa política. É o avesso do que aconteceu em 2018 e em 2016 e, nesse revés, a Justiça brasileira vê seu movimento bater nas pedras e arrebentar sobre si mesma. Com isso, a cúpula do Judiciário tenta conter os danos e tem o desafio de não cometer os mesmos erros nas eleições de 2022. Isso não significa facilitar a vida do PT, mas ter consciência de que um governo autoritário se volta contra a própria Justiça
Fazer um balanço do ano de 2021 para a Justiça brasileira é uma tarefa hercúlea, mas, se há uma imagem que ilustra esse desafio, é a da maré batendo nas pedras, o impulso encontrando o obstáculo que lhe serve de revés. Em uma palavra: arrebentação. A metáfora é bonita, mas sua função é menos poética do que se possa almejar e, em uma análise mais histórica, ela revela dois pontos: 1) o da conta das eleições presidenciais de 2018 chegando ao Supremo; 2) e o da Lava Jato mostrando a sua face política sem a camuflagem do impeachment, com Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, respectivamente juiz e procurador-chefe da Operação Lava Jato, filiando-se ao Podemos e assumindo candidaturas.
Há ainda um terceiro ponto: o de como essas contas de 2016 e de 2018 cobraram sua fatura para a própria Justiça, que, nesse 2021 da arrebentação, viu gritos de “o Supremo é o povo” ecoar no 7 de Setembro, que marca o dia da Independência brasileira. É como se os sinais sobre o comportamento político da Justiça chegassem ao seu ápice. Mesmo sem a ingenuidade de se achar que existe Judiciário neutro ou apolítico, a fronteira que se rompeu foi a de um excesso inimaginável.

Foto: Antonio Augusto/secom/TSE
Dito isso, em 2022 a Justiça brasileira vive um momento ímpar, em que as ações do Supremo que se equilibram em uma espécie de bússola do federalismo do país (a última prova é a decisão sobre crianças sendo vacinadas sem a exigência de prescrição médica) se encontrarão com o momento-chave da crise brasileira: as eleições presidenciais. Nesse quadro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai ter a chance de rever a postura de 2018, em que pareceu não dar tanta importância às ameaças democráticas. Eis a ressaca do mar.
Ou seja, três vetores estarão presentes na análise da Justiça em 2022: o do posicionamento da cúpula diante do processo eleitoral em si, leia-se “TSE”; o de um governo de juízes indo ao escrutínio público, que vai dizer quanto do lavajatismo ainda se sustenta com base popular; e o do próprio Supremo manejando a estranha governabilidade de um Executivo federal em briga com os estados. É um caldeirão e, no meio de tudo isso, a Justiça brasileira explodiu em visibilidade.
Embora, na prática, não haja “a” Justiça de forma una e a Lava Jato tenha construído um caminho antagônico ao Supremo, ainda não se tem uma medição precisa do impacto da crise brasileira na imagem do Judiciário. Contudo, parece inconteste uma oscilação que veio para ficar em uma lógica de um Judiciário quase plebiscitário.
Nesse contexto, a grande cilada do comportamento da Justiça brasileira nos últimos anos foi dar a ideia de que ela é tão volúvel (isso inclui STF e Lava Jato) às opiniões pessoais, ao jogo político e a uma lógica representativa que o amparo da lei se esvaziou. O tiro no pé de se colocar como um Poder antagônico à sua natureza contramajoritária parece já ter cobrado uma fatura bastante alta, mas nada que ainda não possa estourar em 2022.
Vale lembrar que o receio em relação a uma ruptura democrática não é mais considerado exagero ou coisa que o valha. A presença de um general nos quadros do TSE indica que o temor é real, mas não se sabe até que ponto essa “vacina institucional” será efetiva. Isso não significa facilitar a vida do PT, mas ter consciência de que um governo autoritário se volta contra a própria Justiça. Fato é que, em 2022, as marés acumuladas dos últimos vão bater com toda força em uma Justiça para lá de exposta.
Grazielle Albuquerque é jornalista e cientista política, foi visiting doctoral research no German Institute of Global and Area Studies (Giga). Seu trabalho se volta para a relação entre política, Justiça e mídia.