Enchente de lama tóxica, de impunidade e de contaminação
No próximo dia 25 de janeiro o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Vale, ocorrido em Brumadinho, completa três anos. Marina Paula Oliveira, atingida pelo crime ambiental relata a falta de participação social dos e das atingidas no processo de reparação. O governo estadual e a empresa fecharam acordo de R$ 37 bilhões
No dia 25 de janeiro de 2019, rompeu-se a barragem de rejeitos da Vale S. A. em Brumadinho. Essa barragem soterrou fauna, flora, plantações, casas e mais 272 vidas, contaminando toda a bacia do rio Paraopeba e o Lago Três Marias. A maioria das vítimas eram os próprios trabalhadores da mineradora. Além disso, no dia 18 de dezembro de 2020, outro trabalhador foi soterrado, durante uma obra de reparação na mesma mina onde se deu o rompimento da barragem.
Para os que estão longe, pode parecer passado, mas as consequências e os impactos deste desastre seguem nos acompanhando sem trégua. Isso pode ser percebido no aumento do índice de tentativas de suicídios, no aumento do consumo de ansiolíticos e antidepressivos, no aumento do consumo de álcool, no surto de doenças respiratórias e nos problemas psicológicos que atormentam os moradores da cidade.
A enchente ocorrida entre os dias 8 e 13 de janeiro de 2022 em Brumadinho e região, agravam ainda mais os impactos e a situação de contaminação ao longo dos municípios de toda a bacia do Paraopeba. Antes de ser concluída a reparação e antes dos responsáveis pelo rompimento da barragem serem julgados, a lama tóxica retornou para as nossas casas, espalhando rejeitos de metais pesados em toda a nossa cidade. Não sabemos se estamos usando a máscara em razão da pandemia da covid-19 ou se é porque é difícil caminhar pela cidade, com tanto pó de minério espalhado por todo canto.
O acordo firmado entre a Vale e o Estado de Minas Gerais em 2021 acabou gerando na sociedade um sentimento equivocado de reparação. A Vale, por sua vez, acabou lavando as mãos, como se já tivesse cumprido todas as suas responsabilidades e obrigações com as comunidades atingidas.
A Vale, o Estado de Minas Gerais e as instituições de Justiça celebraram o acordo como uma grande vitória. O problema é que nós, atingidos, não participamos do processo de construção do acordo. Nós conhecemos os danos e os impactos de perto, mas não fomos considerados atores relevantes o suficiente para construir o processo de reparação.
Lama tóxica e enchentes
Atualmente, nós estamos limpando as nossas casas, tentando tirar a lama tóxica, resquício da enchente que foi agravada pelo rompimento ocorrido em 2019. Muitos vão falar que a enchente é um fenômeno natural, que a Vale não controla o rio Paraopeba e nem as chuvas, e portanto, não tem culpa. Mas nós sabemos que essa situação é consequência da falta de planejamento no uso, ocupação e gestão do solo. É consequência também da destruição da natureza causada pela mineração, pelo desmatamento, pelas queimadas e pela poluição.
Nós estamos acostumados a ter que enfrentar enchentes e conhecemos o nosso rio Paraopeba. Por isso, temos ciência de que o rompimento da barragem é o principal responsável pelo assoreamento do nosso rio nos últimos anos. Nós já vimos o rio entrar nas nossas casas em outras enchentes, mas nunca com esse cheiro. É o cheiro de morte e de contaminação. É o mesmo cheiro que sentimos depois do desastre em 2019. O barulho do helicóptero que sobrevoou a nossa cidade durante os dias da enchente, para nós, não é o barulho do resgate, é o barulho do transporte de segmentos de corpos dentro de sacos pretos.
Esse desenho foi feito por Willian, da Comunidade Córrego do Feijão. A criança retrata a operação de buscas realizadas pelos bombeiros, que seguem procurando os corpos e segmentos das vítimas pelo crime da Vale em Brumadinho até hoje. Ainda faltam 6 corpos para serem encontrados.
Nós aguardamos que o Estado de Minas Gerais apresente os laudos e estudos técnicos de risco à saúde humana e animal para as famílias que tiveram suas casas invadidas pela lama da Vale. Aguardamos que os compromitentes cuidem da nossa saúde com a mesma celeridade que cuidaram do firmamento do acordo bilionário que precificou as nossas dores.
Nós sabemos que dinheiro nenhum paga, mas queremos deixar bem claro para todos e principalmente para a Vale: nós não vamos deixar nenhum direito para trás. Isso significa que vamos continuar lutando por justiça, pela responsabilização criminal dos envolvidos, pela reparação integral de toda a bacia do Paraopeba e para que crimes como os de Mariana e de Brumadinho nunca mais se repitam.
Marina Paula Oliveira, atingida pelo rompimento da barragem em Brumadinho. Coordenadora de Projetos da Arquidiocese de Belo Horizonte e mestranda em Relações Internacionais