Envelhecimento feminino
Em abril, na Suíça, uma octogenária pediu – e conseguiu – permissão para um suicídio assistido porque, “muito bonita”, segundo seu médico, não suportava envelhecer. Um símbolo do estigma vinculado ao passar dos anos das mulheres. Na França, duas personalidades trataram dessa questão, Benoîte Groult e Thérèse Clerc, mortas este anoJuliette Rennes
Por que as mulheres mentem mais que os homens sobre a idade? Partindo dessa pergunta aparentemente banal, Susan Sontag explorou, em 1972, aquilo que denominou “duplo padrão do avanço da idade”.1 Em termos de sedução, observa, coexistem dois modelos masculinos, o do “homem jovem” e o do “homem maduro”, mas apenas um feminino: o da “mulher jovem”. A ponto de se admitir, sobretudo nas classes médias e altas, que uma mulher gaste uma energia cada vez maior (e, se tiver condições, dinheiro) para tentar manter a aparência da juventude. Mas a desvalorização das mulheres que envelhecem não está relacionada apenas a seu afastamento dos padrões de beleza juvenis. Ela também resulta do simples avanço da idade, que tende a diminuir sua possibilidade de serem mais jovens que seus potenciais parceiros. Essa norma da diferença de idade permite que alguns homens tenham filhos mais tarde, ou lhes proporciona a garantia de contarem, na velhice, com uma companheira mais alerta. Dirigindo-se às mulheres, Sontag mostra o que elas poderiam ganhar em “dizer a verdade”, em “deixar que vejam em seu rosto a vida que elas viveram”, em emancipar-se das normas juvenis.
Quando o texto foi publicado, o movimento feminista dos Estados Unidos e da Europa Ocidental estava em plena efervescência. Mas a abordagem feminista da idade e do envelhecimento continuou marginal ao longo dos anos 1970. As reivindicações estavam focadas no controle da fecundidade, no trabalho, na liberdade de movimento e de viver a sexualidade. Na França, foi apenas na década de 2000 que surgiram análises relacionando sexismo e idadismo. Benoîte Groult e Thérèse Clerc, ambas falecidas em 2016, respectivamente com 96 e 88 anos, estão entre essas pensadoras e militantes que tentaram politizar seu próprio envelhecimento, por meio de uma perspectiva feminista.
Benoîte Groult era filha de empresários abastados e liberais, ligados aos círculos parisienses de design de moda e da moda em geral. Thérèse Clerc pertencia à pequena burguesia comercial, católica e tradicionalista. Formada em Letras, Groult foi professora, depois jornalista; enquanto Clerc, que teve formação em moda, tornou-se dona de casa. No entanto, ambas descreveram, mais tarde, a primeira fase de sua vida como um período marcado pelo peso das atividades domésticas e maternas (a primeira teve três filhos; a segunda, quatro), uma solidão na vida cotidiana, a ansiedade quanto à ocorrência de novas gestações – redobradas, para Groult, pela experiência reiterada de abortos clandestinos. O segundo período, definido como um “renascimento”, é amplamente associado à descoberta do feminismo.
Tendo deixado o marido, Thérèse Clerc tornou-se vendedora de loja de departamentos, aos 41 anos, para se sustentar. No contexto do Movimento de Libertação das Mulheres (MLF), descobriu o prazer amoroso e sexual fora do âmbito da conjugalidade heterossexual e se afastou da religião.2 Em Montreuil, para onde se mudou com os filhos, tornou-se uma personalidade do feminismo local. Em 1997, fundou um lugar de trocas feministas e acolhimento de mulheres vítimas de violência, rebatizado em 2016 de Maison des Femmes-Thérèse Clerc.
Já Benoîte Groult conheceu, em 1950, seu terceiro e último cônjuge, o jornalista Paul Guimard, adepto das ideias feministas, que a encorajou a escrever. Mais tarde, sua leitura das publicações relacionadas ao movimento das mulheres levou-a a desmistificar as normas que haviam regido sua existência passada. Publicado em 1975, Ainsi soit-elle [Amém, senhora] (Grasset) combina uma crítica à sua educação feminina burguesa e uma síntese de pesquisas sobre a desigualdade de gênero no mundo. Tendo vendido mais de 1 milhão de exemplares, a obra dirigia-se tanto às jovens militantes da geração MLF como às cinquentenárias, em sua maior parte externas ao movimento.3 Tornada, aos 55 anos, “feminista de serviço”, segundo suas palavras, Benoîte Groult engajou-se na promoção institucional dos direitos das mulheres. De 1984 a 1986, presidiu a Comissão sobre a Feminização dos Nomes de Profissões, Títulos e Funções, e apoiou a luta pela paridade na política, nos anos 1990-2000.
Jornalista, ensaísta, romancista de sucesso, próxima do Partido Socialista, revezando-se, a depender da estação do ano, entre seu apartamento em Paris e suas casas na Bretanha e na Provença, a Benoîte Groult dos anos 2000 certamente não pertencia ao mesmo meio social de Thérèse Clerc. Esta vivia modestamente em um pequeno apartamento em Montreuil e se dedicava ao pensamento libertário e autogestionário. No entanto, seu envolvimento com a causa das mulheres levou ambas a questionarem, sob esse prisma, o avanço de sua própria idade.
Militante, a partir de 1986, da Associação para o Direito de Morrer com Dignidade, Benoîte Groult relacionava a luta pela eutanásia com as lutas feministas pela livre disposição do corpo. Ela forjou uma ética com base em sua própria experiência, tentando objetivar de que modo, diante do envelhecimento e da viuvez, ela precisou reinventar, para preservá-lo, seu relacionamento hedonista com a existência. Ela fala de uma curiosidade permanente quanto às mudanças sociopolíticas no mundo, uma busca pelos prazeres sensoriais cotidianos, uma apetência pelo esforço físico que ela precisou recompor e ajustar às transformações de seu corpo ao longo do tempo, bem como do gosto pela contemplação das paisagens, rurais ou marítimas.4
Embora essa mulher, dotada de uma saúde sólida, tenha sido até o fim capaz de imprimir sua vontade sobre as atividades cotidianas e sobre os lugares onde viveu, como envelhecer quando não se é capaz de executar certos gestos ordinários? O que pode o feminismo – pensamento coletivo sobre a liberdade de dispor de seu corpo – quando esse corpo multiplica os sinais de decadência e desordem? Com mais de 60 anos, Thérèse Clerc, ainda trabalhando e cuidando dos netos, teve de encarregar-se por cinco anos de sua própria mãe, gravemente doente. Esse tipo de desafio não é raro para aqueles, especialmente aquelas, que desempenham o papel de provedora (ou provedor) de cuidados ao mesmo tempo para os descendentes e os ascendentes. Evitar tornar-se uma carga para seus filhos foi uma das motivações de Thérèse Clerc quando ela concebeu, no final dos anos 1990, a Maison des Babayagas [Baba Yaga é uma figura do folclore europeu, normalmente representada como uma anciã (N.T.)]. O projeto de uma casa de repouso autogestionada, baseada na ajuda mútua e na solidariedade entre os membros, foi concebido para as mulheres da geração de Thérèse que, tendo por muito tempo sido donas de casa ou trabalhadoras em tempo parcial, contam com uma aposentadoria muito modesta. Criada em 2012, a Maison des Babayagas não corresponde, em todos os aspectos, ao sonho de sua fundadora (a atribuição de novos alojamentos está nas mãos do locador público, não dos moradores), mas não deixa de ser um lugar para eventos militantes. Em especial, ela abriga a Unisavi, uma universidade popular ligada às lutas e aos saberes relativos à velhice. Lá se debate autogestão, economia social e solidária, feminismo, envelhecimento dos migrantes ou ainda a sexualidade de idosos e idosas.
Em um documentário de 2005, Benoîte Groult falou sobre uma experiência comum no avançar da idade: era principalmente pelos olhos dos outros que ela se via envelhecer. De sua parte, ela se sentia “igual a si mesma”, até mesmo, em alguns aspectos, com mais energia que em tempos anteriores. Mas percebia que a atitude dos outros para com ela se modificava, que se desenvolvia uma forma de indiferença, de comiseração e às vezes de desprezo mal ocultado. Ela sentia, por meio de palavras e gestos, que já não tinha lugar pleno em eventos comuns da vida social, percebendo que eles eram organizados por limites de idade implícitos. Em seu meio, o da literatura, do espetáculo e da política, onde muitos homens de sua idade eram acompanhados por mulheres muito mais jovens, ela também começou a sentir o envelhecimento de sua aparência como uma forma de estigma – uma experiência da qual, com a mesma idade, seu marido poderia escapar. Sentindo-se impotente para mudar as regras do jogo, ela assumiu ter feito um lifting: “Não vejo por que as feministas não tenham direito aos avanços da medicina. […] A preocupação com a beleza não é, em si, antifeminista”, justificou.5 Thérèse Clerc não circulava no mesmo ambiente social, e suas rugas não parecem tê-la impedido de seduzir homens e mulheres até uma idade avançada. Ela provavelmente teria respeitado a aspiração de Benoîte Groult de apresentar um rosto considerado mais agradável pelas pessoas de sua convivência, mas talvez acrescentasse que nem todas as mulheres têm os meios financeiros de salvar a pele à base de bisturi.
Na Maison des Babayagas, a “beleza” deixou de ser apenas uma técnica pessoal mobilizada individualmente, nos bastidores, para se tornar uma questão de troca coletiva. Thérèse Clerc interessava-se pelas obras de arte que traziam corpos em envelhecimento e pensou em organizar um festival de cinema com os melhores filmes que falassem da velhice. Com várias “Babayagas”, ela participou de uma coreografia provocativamente intitulada “Carcaças velhas”, na qual inventavam movimentos de dança ancorados na situação subjetiva de pessoas muito idosas.6 Ela refletiu sobre roupas, perfumes, joias que podem embelezar o corpo de uma mulher idosa, sem ter como único propósito esconder os sinais da idade. Em outubro de 2015, ajudou a organizar, com estudantes de Artes Aplicadas da escola Eugénie Cotton, de Montreuil, um desfile de moda cujas modelos eram as “Babayagas”. Vestidos brilhantes, amplos e coloridos, feitos pelos estudantes com retalhos de gravatas abandonados pelos atacadistas do bairro parisiense do Sentier, foram usados por mulheres com mais de 80 anos, entre elas Thérèse. Com uma mistura de malícia e autoironia, elas satirizaram o andar convencionalmente orgulhoso das modelos: muito velhas para manter a pose, aproveitaram a oportunidade para zombar dos padrões, sob o olhar seduzido e confuso de espectadores e espectadoras de todas as idades.
Tradicionalmente, uma mulher que não esconde sua velhice e assume (ainda) ter desejos desconcerta, e até desagrada, mais ainda do que um homem. Para examinar coletivamente essa ansiedade, precisamos de “idosas desejantes”7 que saiam do armário onde são instadas a se manter escondidas. Provocadora por suas ações militantes, sua rejeição a qualquer eufemismo para falar das misérias da velhice, suas referências explícitas à sexualidade de pessoas idosas e sua energia para mudar o mundo, Thérèse Clerc assumiu o papel de contestadora da ordem das idades. Entre aqueles e aquelas que eram um pouco mais jovens, ela chegava a produzir, no seio da ansiedade íntima, uma forma de curiosidade, se não desejo, em relação a essa etapa estranha à frente: a velhice.
Para ela, não era o caso de negar o corpo que enfraquece ou de temer a aproximação do fim. Mas, enquanto Benoîte Groult procurava, como escritora, relatar da maneira mais fiel sua experiência e dar-lhe uma forma literária, a relação de Thérèse Clerc com a velhice era em primeiro lugar política: ela percebia nesse estado desacreditado uma posição privilegiada para questionar uma série de normas sociais que limitam mais diretamente os adultos “no auge da vida”. Ela considerava a velhice como um momento propício para desafiar, por meio de eventos concretos, a organização idadista da sociedade e para questionar seus binarismos: atividade/inatividade, desempenho/vulnerabilidade, autonomia/dependência.
Disseminar essas experimentações é em si um caminho repleto de obstáculos. Quando tudo está organizado de modo que parte da população aceita a ideia de ter “passado da idade” para contribuir com a (re)produção da sociedade, e talvez até mesmo com sua contestação, ainda é necessário que às margens se desenvolvam espaços de crítica social que possam acolher aqueles cujo “bilhete não é mais válido”.8
Julliette Rennes é socióloga
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 113 – dezembro de 2016}