
Parrtidário da manutenção da Grécia no euro e do aprofundamento da construção da União Europeia, estou horrorizado pelo chamado acordo de 13 de julho de 2015. Ele se inscreve no nonsense econômico e financeiro dos dois planos precedentes, que, longe de trazerem uma solução aos problemas que pretendiam resolver, os agravaram. O desmoronamento da economia grega se acelera, tornando o fardo da dívida ainda mais insustentável e seu reembolso mais impossível. Mais grave, esse fracasso se paga à custa de sofrimentos sociais indignos do projeto europeu, pois são os gregos mais vulneráveis os principais atingidos pela austeridade generalizada. Nonsense econômico e injustiça social caracterizavam os dois primeiros planos de assistência à Grécia; o terceiro acelera o movimento na mesma direção.
No plano democrático, o acordo de 13 de julho prolonga e agrava os desvios adotados desde o início do funcionamento dos primeiros planos de assistência macroeconômica aos países em crise. O que está em jogo aqui não é nada mais, nada menos que o enfraquecimento, até mesmo a suspensão, cada vez menos dissimulada, da legitimação democrática da política econômica e social.
Uma administração colonial assumida
Em fevereiro de 2012, ou seja, algumas semanas antes do acordo sobre o segundo plano de assistência à Grécia, as negociações entre Atenas e a Troika (FMI, Banco Central Europeu [BCE] e Comissão Europeia) tinham por objetivo um último esforço orçamentário de 325 milhões de euros. Enquanto o governo grego da época tinha imaginado obtê-lo com as despesas de funcionamento do Ministério da Defesa, a Troika recusou essa escolha e impôs cortes no orçamento das aposentadorias. Antes disso, em outubro de 2010, depois em agosto de 2011, Jean-Claude Trichet, então chefe do BCE, tinha escrito secretamente para o ministro das Finanças da Irlanda, depois da Espanha e da Itália, para intimá-los a tomar medidas específicas, não apenas financeiras, mas também orçamentárias e sociais.
São alguns exemplos, em meio a tantos outros, do funcionamento comum da Troika. Claro, no plano puramente formal, as medidas de austeridade foram finalmente votadas pelo Parlamento do país sob assistência e acordadas pelos ministros das Finanças dos países credores, que são responsáveis diante de seus respectivos Parlamentos. As aparências foram salvas. Mas quem pode fingir que se trata ainda de democracia quando o Parlamento do país que fez o empréstimo não tem nenhuma capacidade de discutir, ainda menos de modificar as medidas “propostas”, as quais não são debatidas em momento algum nem pelos ministros das finanças que participam do Eurogrupo nem por seus respectivos Parlamentos?
O FMI não é uma instituição da União Europeia; ele então não tem de prestar contas ao Parlamento Europeu ou aos Parlamentos dos Estados-membros. O BCE se esconde atrás de sua independência. Desde o início, ele sempre pretendeu ter um papel meramente técnico no seio da Troika. Já a Comissão Europeia, em princípio responsável por seus atos diante do Parlamento Europeu, opera aqui como um agente do Eurogrupo, sendo a reunião dos ministros das Finanças da zona do euro uma instância sem existência legal. Ela pode então se proteger dessa construção particular para recusar um verdadeiro controle parlamentar.
Fundamentalmente, a opacidade do processo e a distância na qual são mantidas as instâncias democráticas permitem que escolhas políticas sejam impostas pelos funcionários, na maioria das vezes em nome da ortodoxia neoliberal – na qual se inscreve uma esmagadora maioria daqueles que operam nas áreas econômica e financeira – e/ou da proteção dos interesses particulares, por exemplo, aqueles dos contribuintes gregos mais ricos, ou ainda das forças armadas helênicas, e, claro, de seus fornecedores franceses, alemães, norte-americanos etc.
Com relação a isso, um episódio particular me marcou em 2011. Estávamos negociando entre o Parlamento e o Conselho europeus o primeiro texto que daria uma base legal aos programas de assistência macroeconômica da União Europeia;1 os Verdes tinham apresentado uma emenda obrigando a consulta dos parceiros sociais (que fique claro, não se falava aqui em obter seu acordo prévio!) quando medidas eram consideradas nas áreas do mercado de trabalho e da previdência social. A emenda foi combatida com energia pelo funcionário que representava a Comissão Europeia porque a simples consulta dos interlocutores sociais tornaria impossível qualquer reforma nessas áreas. Reagindo, o funcionário admitia que a terapia de choque exige opacidade.
O acordo de 13 de julho derruba qualquer precaução oratória e inscreve preto no branco a lógica colonial da Troika na Grécia. Ele define que “o governo [grego] deve consultar e obter o acordo das Instituições [nova forma oficial de chamar a Troika] sobre qualquer projeto legislativo nas áreas que se relacionem com o acordo, com um prazo adequado antes de submetê-lo à consulta pública ou ao Parlamento”. Fica explícito que a soberania democrática dos eleitos gregos é delimitada pela das instituições, que possuem apenas uma legitimidade democrática formal, não real.
Alinhamento a uma ideologia
Uma segunda dimensão da negação democrática materializada pelo acordo de 13 de julho se relaciona com a vontade de impor uma hegemonia ideológica, de humilhar – um funcionário europeu citado pelo Financial Times falava em “crucificar” – um governo eleito, e isso de maneira ainda mais brutal porque ele quis se inscrever fora do círculo do pensamento único. Que se tratava de uma humilhação não há mais nenhuma dúvida:2 as condições impostas pelos credores a Alexis Tsipras em 13 de julho não apenas vão de encontro às recusadas uma semana antes por 61% dos cidadãos gregos chamados por ele, mas são ainda mais draconianas. Claro, podemos com razão opor a legitimidade democrática dos governos dos Estados credores da Grécia à expressa pelo voto do referendo de 5 de julho. Mas a União Europeia implica uma partilha consentida da soberania democrática por seus Estados-membros ou o esmagamento da soberania de um Estado pelos outros? A segunda resposta é a certa quando observamos o que ocorre na Grécia, em particular desde 13 de julho.
Quanto à motivação profunda dessa humilhação, estou convencido de que antes de mais nada ela está ligada à vontade de hegemonia dos partidos que chamamos de “grande coalizão” – conservadores/democratas cristãos (PPE), sociais-democratas (PSE) e liberais (Alde) – diante do surgimento de qualquer alternativa ao pensamento único. Como interpretar de outra forma a retórica da “confiança perdida” diante do governo grego, expressa desde a primeira linha do acordo político de 13 de julho? “Confiança perdida” em menos de cinco meses por um governo de esquerda radical, pelo motivo de que não teria sabido reformar nesse ínfimo lapso de tempo um país gangrenado por mais de quarenta anos de clientelismo estabelecido pelo duopólio Nova Democracia/Pasok, quer dizer, precisamente os democratas cristãos e os sociais-democratas gregos. Que estes tenham maquiado as contas da Grécia para lhe permitir ascender ao euro, que tenham mantido em funcionamento o essencial do sistema clientelista, não apenas antes de 2010, mas durante os cinco primeiros anos dos programas de assistência à Grécia, não foi o suficiente para que nossos amigos políticos europeus perdessem a confiança neles.
Entretanto, chegou o Syriza, uma força política estranha – e concorrente – ao clube, e eis que a confiança se evaporou e que, usando de sua força de ataque financeira, os comparsas da “grande coalizão” se organizaram para esmagá-lo. Fazendo isso, executam o Syriza, esperando – como esconde com dificuldade o primeiro-ministro conservador espanhol, Mariano Rajoy – dissuadir os cidadãos de se aventurarem para fora dos caminhos estabelecidos. Quando uma parte, seja ela dominante, das forças políticas se organiza para esmagar e humilhar um adversário político a fim de eliminá-lo, a democracia está em perigo.
A arte de ignorar o povo
Se minha avaliação da ação persistente do campo da ortodoxia neoliberal é severa, não posso, no entanto, ignorar aqui o impacto democrático das ações do governo Tsipras. Eleito em janeiro com um programa de ruptura com a Troika, ele convocou para 5 de julho um referendo pelo qual obteve do povo grego um mandato rejeitando as últimas propostas da Troika; tudo isso para virar a casaca uma semana depois, aceitando condições ainda mais drásticas. Que fique claro, nem sempre podemos esperar de um partido uma coerência absoluta entre seu programa e a ação que realiza no poder; a confrontação com o real e principalmente a necessidade de formar uma coalizão obrigam frequentemente ao compromisso. No entanto, assistimos a tal nível de contradição que um dos fundamentos da democracia, o respeito aos comprometimentos realizados, está em questão.
Podemos legitimamente questionar os meios que o governo Tsipras se deu no momento de ir para a queda de braço com os credores. Em particular, se o Syriza recusava a lógica da Troika ao mesmo tempo que queria manter o país no seio da união monetária, o partido não poderia ignorar que seria preciso encontrar um acordo com eles. A questão que se levantava então era quais eram os limites aceitáveis em termos de condições e qual seria a alternativa caso esses limites fossem ultrapassados. A capitulação aparentemente incompreensível de Tsipras em 13 de julho se torna inteligível quando percebemos que nenhuma alternativa tinha sido seriamente considerada ou preparada de fato. É o que se percebe pelas declarações de Yanis Varoufakis, o ex-ministro das Finanças grego, cujo projeto de preparar uma eventual saída do euro e introduzir a circulação de uma moeda paralela foi colocado de lado por Tsipras.
Para respeitar a vontade do povo grego de permanecer na união monetária, mas unicamente em condições aceitáveis (entre as quais a inelutável reestruturação da dívida pública grega), seria preciso que Atenas fosse capaz de estabelecer uma dissuasão do fraco ao forte. Segundo esse conceito, seria necessário que, diante de seus credores que dispunham da arma mais importante – o Grexit –, a Grécia se dotasse igualmente e fosse verdadeiramente percebida como pronta para sair. A questão não seria então saber se o governo helênico gostaria de lançar mão disso, mas se estaria pronto para fazê-lo caso a negociação ultrapassasse o aceitável.
Essa escolha dolorosa a curto prazo para a Grécia também teria significado para os credores um risco de falta completa de pagamento, acrescido da perda da credibilidade da moeda única reduzida a dezoito membros. Do lado dos credores, o papel deposto pelo ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, sem nenhuma dúvida com o consentimento da chanceler Angela Merkel, demonstrava ao mesmo tempo a existência da arma final de seu arsenal e a vontade de utilizá-la. Nada do gênero do lado de Tsipras, que veio a Bruxelas sem nenhuma solução, além de aceitar pagar o preço que fosse para manter a Grécia no euro, sabendo que assim só poderia trair a confiança reiterada por uma ampla maioria dos seus concidadãos uma semana antes. Os credores exploraram sua vantagem sem vergonha.
Essa tripla negação democrática se inscreve em uma “governança” econômica e social da zona do euro, que visa gradualmente se libertar de qualquer legitimação democrática séria, sob o pretexto de que as deliberações parlamentares e as eventuais consultas de parceiros sociais só poderiam atrasar as indispensáveis reformas. Assim, sob a fachada de tornar a legislação europeia mais legível e eficiente, a iniciativa “Melhor legislar” pretende não apenas desregular maciçamente, mas também conter qualquer iniciativa legislativa futura, submetendo-a a uma maratona de estudos de impacto e consultas prévias. Inclusive, a negociação em andamento do tratado de livre-comércio transatlântico, cujo objetivo é submeter os regimes legislativos fiscais, sociais, ambientais etc. dos Estados a uma competição permanente arbitrada pelas multinacionais, ofereceria a estas a capacidade, em nome de seu suposto direito ao lucro, de atacar qualquer medida legislativa atual ou planejada por uma autoridade eleita.
Em ambos os casos, compreendemos bem que, sob a fachada da promoção do “crescimento e do emprego”, o objetivo é na verdade enfraquecer ainda mais as instâncias democráticas diante dos agentes financeiros. A prioridade dada ao respeito pela ortodoxia econômica em relação ao respeito pelas regras democráticas se manifesta também na atitude do Conselho Europeu, que não hesita em ameaçar com sanções os Estados-membros que não respeitarem seus objetivos orçamentários ao mesmo tempo que deixa em paz aqueles que, como a Hungria – governada por Viktor Orban, cujo partido permanece avesso e contra qualquer membro do PPE –, pisoteiam os valores democráticos da União Europeia. No cenáculo dos chefes de Estado e dos governos europeus, tolera-se Orban e esmaga-se Tsipras.
As “elites” não entendem que, acionando cada vez mais brutalmente suas políticas neoliberais, elas se tornam agentes daqueles que defendem uma retirada antieuropeia, nacionalista e identitária, e isso num momento em que os europeus têm a ganhar agindo juntos para enfrentar os desafios sociais, ambientais e estratégicos deste século. Mais do que nunca, o combate contra sua ortodoxia se torna o combate da reconquista da soberania democrática, uma soberania agora partilhada, para defender o interesse geral.