Fernando Gabeira: “o Rio tem futuro”
Ele propõe moralizar a gestão da Prefeitura, acabar com os enclaves armados do narcotráfico e atrair grandes investimentos turísticos. Planeja até afundar navios para criar locais de mergulho. “O motivo de minha candidatura é ajudar o carioca a resgatar sua auto-estima. Quero arregimentar o que há de melhor em cada um
Diplomatique: Os cariocas têm uma postura extremamente crítica em relação aos políticos. Desconfiam – com bons motivos – da competência e idoneidade dos governantes. Você construiu, em sua vida pública, uma imagem de honestidade, de integridade, que é amplamente reconhecida e valorizada. Se eleito, como é que o Gabeira prefeito pode atuar para que o povo recupere a confiança no governo da cidade?
Gabeira: Como você mencionou, minha honestidade na vida pública já é reconhecida. Eu preciso demonstrar agora capacidade administrativa. E tenho feito esforços para me preparar. Existem, na Câmara dos Deputados, uns cinqüenta ex-prefeitos. Venho me entrevistando sistematicamente com eles. Ao mesmo tempo, pesquiso a literatura sobre planejamento de governo e gestão municipal. Porém, por mais competente que eu seja, por melhor que seja a equipe que eu monte, governar uma metrópole com as dimensões e os problemas do Rio de Janeiro é muito difícil.
Além disso, precisamos nos engajar na resposta a um desafio que é nacional, e reafirmar que o caminho da democratização prossegue. Nós tivemos uma contribuição importante para a política econômica por parte do PSDB. Nós temos uma contribuição importante para a política social por parte do Lula. Mas chegamos, neste começo de século, com as relações políticas completamente degradadas. A população considera os políticos de hoje espertalhões. Esse processo de recuperação da política precisa acontecer. Considero meu dever não apenas fazer todos os esforços para administrar bem a cidade do Rio de Janeiro, com a complexidade que ela tem, mas também contribuir, no plano nacional, para a promoção da reforma política.
A reforma política não pode ser pensada somente a partir do parlamento, pois o Congresso é composto por pessoas que terão seus interesses contrariados por ela. Então, temos que buscar um avanço no âmbito da sociedade, especialmente na relação entre o Executivo e o Legislativo. Precisamos perseguir uma relação mais limpa, na qual você não tenha que comprar as pessoas para poder aprovar seus projetos.
Diplomatique: Como você avalia a atual estrutura da Prefeitura?
Gabeira: A máquina da Prefeitura é mais organizada e competente que a do Estado do Rio de Janeiro. Ela é um pouco melhor. Mas tem que ser preparada para trabalhar com mais eficácia e transparência. Vamos nos esforçar para combinar o máximo de competência com o máximo de transparência. Esta é nossa promessa.
Diplomatique: No mundo inteiro, as grandes cidades adotaram a descentralização da gestão municipal, criando subprefeituras ou dividindo a grande cidade em pequenas cidades, com governos autônomos, para melhor atender as particularidades de cada território. Você pretende promover a descentralização da gestão?
Gabeira: O que temos, no Rio de Janeiro, é uma descentralização incompleta. Porque a descentralização implica também em dar recursos às regiões, recursos de que elas precisam para funcionar. Atualmente, a descentralização é simbólica. O que existe é o representante do prefeito na região. Mas ele não dispõe de instrumentos, nem de uma política territorial adequada. A minha proposta é não apenas descentralizar, mas também produzir políticas territoriais.
Esta visão, já adotada pelo governo Lula no campo, foi objeto de reflexões importantes a partir das contribuições do professor Milton Santos e de todo o grupo que ele liderou. Eu acompanhei esse debate e quero realmente trazer o tema à cena. Mas, para isso, é preciso toda uma engenharia. Uma política territorial bem sucedida deve envolver recursos municipais, estaduais e federais. Portanto, não se trata apenas de produzir políticas territoriais, mas também de convencer as outras instancias governamentais de que esta é a alternativa mais eficaz.
Hoje, nós temos uma política social importante no Complexo do Alemão. Temos também uma política de transportes importante, que assegura maior capacidade de ir e vir à população. Mas, se não resolvermos as questões mais amplas, a tendência dessas políticas é de se degradarem. Aqui se colocam a questão do emprego, da recuperação econômica, de como encontrar o caminho de um crescimento intenso e duradouro.
Diplomatique: Recuperar a confiança e a participação dos cariocas na busca de uma cidade melhor requer muito mais diálogo entre o governo e a sociedade. Na eventualidade de ganhar as eleições, como você pensa promover esse diálogo? Vai haver participação da cidadania em seu governo? Você vai criar conselhos de gestão?
Gabeira: Existem duas iniciativas em São Paulo que eu examinei: a elaboração de um plano de governo e a prestação de contas a cada seis meses. Essas iniciativas, de autoria do movimento Nossa São Paulo, uma frente de pessoas e organizações da sociedade civil, acabam de ser aprovadas pela Câmara Municipal de São Paulo. Eu defendo essa proposta integralmente. Já pedi a uma vereadora do PV para apresentá-la no Rio como projeto de lei, e já assumi o compromisso de implementá-la, independentemente da aprovação do projeto de lei.
É preciso transparência e austeridade. Disponibilizar informações sobre os gastos na internet. Vou trazer a ONG Contas Abertas, que eu ajudei a criar, para nos auxiliar neste processo. Uma elite que quer mudanças precisa começar por estabelecer uma nova relação com a população – uma relação baseada no servir. A hipótese de você enriquecer como funcionário público é absurda. A única perspectiva aceitável é ter um salário digno e condições de trabalho dignas. Temos que mudar também a cultura dos cargos de confiança. Em vários países, existem muito menos cargos de confiança. Você precisa de um cargo de confiança para conduzir a sua política. Mas, para colocá-la em prática, precisa, isto sim, de um funcionalismo público eficaz.
Quanto à questão dos conselhos, nós caminhamos para alguma coisa parecida, porque a essência de nossa crítica ao prefeito que sai é que ele era incapaz de ouvir. A nova fase que começa agora será sintetizada pelo diálogo e pela participação. Se você produz uma política territorial e de descentralização, você precisa criar também os instrumentos que permitam à sociedade acompanhá-la.
Então, a primeira iniciativa é criar as regiões administrativas e dar a elas um grau de autonomia financeira. A segunda iniciativ
a é criar os mecanismos de controle social sobre elas. Se o controle social puder ocorrer por meio desses conselhos comunitários, ótimo, a gente pode pensar nisso. Mas acredito que cada região vai ter a sua peculiaridade. Porque há regiões que vivem uma situação tão delicada que não estão preparadas para eleger um conselho que não seja fisiológico.
Diplomatique: Na impossibilidade de criar os conselhos, qual seria a alternativa?
Gabeira:Tenho pensado na criação de um sistema de avaliação das respostas da Prefeitura aos problemas. Por exemplo: quanto tempo você leva para tapar um buraco depois que ele foi denunciado? Penso também na criação de centers para que a Prefeitura possa receber informações sobre as demandas da população.
Tenho trabalhado muito a questão da relação do cidadão com a Prefeitura. Numa Prefeitura, o mais importante não é o prefeito, mas o cidadão que está na outra ponta da linha. O objetivo da Prefeitura é a satisfação da população. Talvez não estejamos ainda amadurecidos para ter um conselho, mas algum instrumento que permita aos cidadãos controlar a Prefeitura é preciso ter. Se você não consegue controlar os seus resultados, você não tem como prestar contas. E transparência e prestação de contas são as bases do diálogo.
Quanto ao aumento da eficácia, dele depende também a nossa capacidade de atrair o capital. Se não aumentar a eficácia do serviço público, se não passar a falar uma linguagem inteligível para o capital, dificilmente vou conseguir a virada que pretendo no Rio de Janeiro, que é exatamente atrair o capital nacional e internacional para se instalar aqui. Porque não vejo outro caminho para promover o desenvolvimento rápido e intenso da cidade.
Diplomatique: Mas atrair o capital nos marcos do modelo econômico atual não é também aprofundar a desigualdade social e a exclusão? Não seria melhor fazer esforços para ativar o que o Milton Santos chama de circuito inferior da economia?
Gabeira: Pretendo atrair o capital com duas premissas: respeito ao meio ambiente e respeito à dignidade dos trabalhadores. A base do acordo tem duas cláusulas, a ambiental e a social. Se não respeitarmos estas cláusulas, tanto o projeto nosso como o deles vai por terra.
Eu tenho que partir do poder de investimento da Prefeitura. Dispomos, hoje, de quinhentos milhões de reais. É a partir deste número que podemos pensar o que fazer. Vamos dinamizar o microcrédito, vamos trabalhar a partir de políticas públicas. Por exemplo, o lixo produzido na cidade transborda a capacidade de coleta da Prefeitura. Para recolhê-lo, precisamos também do coletor individual. Então, vamos criar vários postos de trabalho, financiando o carrinho do coletor, para colocá-lo no circuito.
No meu entender, o circuito da economia popular e o circuito da economia empresarial não são excludentes. Você pode ter empresas interessadas no circuito da economia popular, como é o caso dos provedores de internet, que estão fazendo inclusão digital nas favelas. Esse circuito é muito importante para eles.
Temos que atrair grandes hotéis, grandes empreendimentos turísticos. É o que faz a China, é o que faz Cuba, não há outro caminho. Quero transformar a Baía da Guanabara em um espaço turístico. Pretendemos afundar alguns navios em uma área determinada para criar ambientes de mergulho. E dar segurança para que os artistas possam ensaiar nas praças públicas. Há muitos caminhos para transformar o Rio de Janeiro em uma cidade cada vez mais acolhedora.
Outra proposta, sobre a qual possivelmente eu vá receber críticas, é ensinar espanhol e inglês para 140 mil pessoas. São 140 mil trabalhadores no campo do turismo, entre os quais os motoristas de táxi. Esse saber dará a eles maiores instrumentos de trabalho.
Diplomatique: Pesquisas de opinião apontam que o maior problema da cidade é a violência e a maior demanda é por segurança pública. O que dá para fazer a partir da Prefeitura?
Gabeira: Há uma experiência muito interessante em Nova Iguaçu, que é dirigida pelo Luiz Eduardo Soares. Ela parte do princípio de que a Prefeitura precisa assumir a questão da segurança e mostra o caminho dos projetos sociais, do trabalho preventivo. Eu acho que dá para ir além. Proponho que a Prefeitura constitua um centro de inteligência para sistematizar e analisar os dados da violência, para que a polícia tenha uma intervenção mais adequada. Baseadas nos dados da Prefeitura, as ações da polícia podem ganhar maior eficácia.
Pretendo também criar grupos educativos que saibam trabalhar situações perigosas. Em áreas de muitos assaltos, eles teriam o objetivo de preparar a população para lidar com a vulnerabilidade de sua situação. Isso foi feito no metrô de Nova York, com bons resultados. Criaremos ainda um centro de assistência às vítimas da violência, com médicos, psicólogos, assistentes sociais, e também com analistas para compreender o que está se passando. Eu gostaria de ter maior articulação com os governos estadual e federal e acredito que isso é possível. Afinal, o que está em jogo é o futuro do Brasil.
Diplomatique: Não é possível ignorar a existência do narcotráfico. Como a Prefeitura deve enfrentar esta questão?
Gabeira: A Prefeitura tem uma Secretaria de Drogas, que está articulada com a Secretaria Nacional. Aqui, no Rio, o deputado Carlos Mink criou um fórum, do qual eu participo, no qual discutimos com todas as pessoas que possuem responsabilidades na área: promotores, diretores de hospitais, médicos, enfermeiros, policiais da repressão ao narcotráfico. Discutimos os caminhos possíveis. Essa política de combate ao narcotráfico vai demandar boa informação; vai passar por centros de recuperação, como eu os vi muito bem desenvolvidos em Bolonha, na Itália; vai passar pela questão de enfrentar os domínios territoriais armados. Se você acabar com eles não acabará com o narcotráfico, mas acabará com os enclaves e também com as milícias. Para isso, é necessário um plano e uma atuação conjunta da Prefeitura, do Governo do Estado e do Governo Federal. Pretendemos liberar as áreas progressivamente. Ter metas e prestar contas.
Diplomatique: Em declarações à imprensa, você tem falado na necessidade de uma reforma urbana. O que você está pensando em fazer?
Gabeira: O Rio tem um déficit de 500 mil casas. E 500 mil casas são 500 mil famílias. É fundamental resolver esta questão. Temos que reorganizar o território e deter o crescimento das favel
as. Há uma grande disponibilidade da indústria da construção para produzir habitações populares, mas a Prefeitura não destinou áreas da cidade para tais empreendimentos. Se o fizermos, teremos uma oferta maior de residências.
Precisamos também preservar algumas áreas da cidade que não podem ser absorvidas pelo capital imobiliário. A preservação das áreas nobres e das áreas históricas passa, hoje, por um grande debate. Foram criadas as APACS, áreas de proteção ambiental e cultural, e há uma grande contestação delas na Justiça. Algumas foram estabelecidas sem consulta, sem diálogo com a população. As que foram estabelecidas com diálogo estão de vento em popa. É com o diálogo que temos que decidir a destinação das áreas.
Outra necessidade é tratar da população de rua. Ao invés de botá-los em asilos, temos que educar os moradores de rua. Criar casas de passagem, onde os moradores e as moradoras possam tomar banho, tomar café da manhã, se recuperar, para depois voltar às ruas. São formas de transição até você reintegrar as pessoas.
Outra necessidade é recuperar o cais do porto e transformá-lo em um lugar importante. Não só porque lá chegam transatlânticos com turistas, mas porque todas as cidades do mundo reformaram seus portos e os transformaram em centros econômicos e culturais. O Rio está atrasado nisso. O centro histórico precisa de revitalização para que possa influir no crescimento e desenvolvimento da cidade.
Diplomatique: Você vai cumprir o Plano Diretor?
Gabeira: Cumprir, não. Mas vou segui-lo. Vou me pautar por ele. Porém, além do Plano Diretor, precisamos de um Plano de Sustentabilidade, com alcance de vinte anos e sustentação simbólica por parte da população. Isso é necessário para dar continuidade às sucessivas gestões, o que é muito difícil no Brasil. Quando entra um novo governante, sua primeira providência é desfazer tudo o que o outro fez.
Diplomatique: A relação da Prefeitura com a Câmara Municipal traz a marca do clientelismo, dos favores, da cessão de cargos públicos, das barganhas para garantir os projetos do Executivo. Isso vai continuar assim?
Gabeira: Não pode continuar assim, porque senão nossa experiência terá fracassado. Se você fizer uma boa administração, promover o desenvolvimento da cidade, mas as relações políticas continuarem deterioradas, a experiência não terá valido a pena. O problema é exatamente mudar as relações políticas. Precisamos criar uma nova visão política, formar uma nova geração de políticos para a qual o fisiologismo não seja determinante. No Rio, o prefeito não recebe os vereadores. Em Brasília, o Lula não recebe os deputados. Você tem que tirar um dia da semana para receber os parlamentares. Para discutir com eles os seus problemas e buscar caminhos.
Evidentemente, não vai ser um passeio em meio às flores. Para fazer omelete é preciso quebrar alguns ovos. O que eu tenho a meu favor para quebrar os ovos? Tenho o compromisso público que estamos assumindo em nossa campanha. A política não vai dominar a máquina administrativa da Prefeitura. Não vamos dar emprego para as pessoas que contribuírem na campanha. E vai haver controle da sociedade sobre este compromisso. Se existe o compromisso, um controle maior da sociedade e uma abertura em relação aos vereadores, há condições de produzir uma maioria diferente. Temos que assumir a liderança de constituir essa maioria político-moral. Vamos perder algumas vezes e esse perder é pedagógico: adiante, conseguiremos vencer de novo.
Diplomatique: A auto-estima da maioria dos cariocas anda lá em baixo. Isto está associado à violência, ao aumento da pobreza e das favelas, à deterioração dos espaços urbanos. O clima é de pessimismo e desconfiança. A maioria acha que a situação vai piorar. A Prefeitura pode fazer algo para reverter este quadro?
Gabeira: O motivo de minha candidatura, o centro da campanha, é justamente esse. Projetar uma liderança que seja capaz de arregimentar o que há de melhor em cada um de nós. Chegamos à conclusão, na frente política que criamos, que eu tinha que assumir esta candidatura para encarnar a expectativa de dias melhores.
Vamos promover um trabalho pedagógico, como foi feito em Bogotá, que consiste em assumir o lado progressista do programa de tolerância zero. É cuidar da cidade, recuperar a cidade, não aceitar sua deterioração. Reverter a sensação de que a cidade está abandonada. Pois, quando existe essa sensação, não é só a auto-estima que cai: a marginalidade sente o espaço aberto. Precisamos de campanhas educativas para mudar a cultura da cidade. Não se pode fazer xixi na rua, não se pode fechar o cruzamento com o carro. É preciso contar com a mídia, com os intelectuais, com as associações para construir esta cultura. Não é o prefeito que vai resolver o problema sozinho. Só a cidade, em seu conjunto, pode mudar a cultura.
Diplomatique: Você se destacou como defensor do meio ambiente. O que pretende fazer nesta área?
Gabeira: Temos que buscar a redução das emissões de CO2. A prefeitura vai inventariar as emissões da cidade e estabelecer metas. Metas modestas, mas que contribuam para a redução das emissões por meio de estímulos. Também precisamos encarar os aterros sanitários que teremos que construir como usinas de energia e tentar financiá-los por meio de mecanismos de desenvolvimento limpo. Temos uma grande rede de ciclovias no Rio de Janeiro, a maior da América Latina, uma proposta do PV. Pretendemos ampliá-la e estimular o seu uso. Temos que evoluir para bicicletas elétricas, de pequena potência, que possam liberar o ciclista do esforço físico, devido ao impacto do calor de nossa cidade.
Diplomatique: Gabeira, por que você é candidato?
Gabeira: Como é que numa condição desta, com o Rio de Janeiro se desmilinguindo, o deputado mais bem votado da cidade poderia se omitir? Eu tinha que reestruturar meu trabalho. Continuo participando de atividades de âmbito nacional e internacional, mas me dedico aqui a uma campanha de valorização da auto-estima do carioca. Propus fazer isso em apoio a um candidato a prefeito. Mas, na frente que criamos, nenhum dos nomes conseguiu encarnar esta idéia. Então, eu percebi que não conseguiria alcançar resultados sem assumir a candidatura. Sei que será uma batalha difícil. Mas, ao assumir a candidatura, senti um movimento de alegria na cidade. E isso me anima a continuar.
*Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.