Georges Ibrahim Abdallah, prisioneiro político expiatório
Preso há 27 anos na França, o libanês Georges Ibrahim Abdallah poderia, desde 1999, ter obtido a liberdade condicional, não fosse a obstinação judiciária e as ingerências norte-americano-israelensesMarina da Silva|Alain Gresh
(“França: justiça ou vingança”, diz cartaz de parentes de Abdallah no Líbano)
Logo ele terá passado mais tempo na prisão do que Nelson Mandela. Georges Ibrahim Abdallah é um dos mais antigos prisioneiros políticos do mundo, ao lado de alguns palestinos, do militante dos Panteras Negras, Mumia Abu-Jamal, e do ameríndio Leonard Peltier. E é na França – atualmente no centro penitenciário de Lannemezan, nos Altos Pirineus – que ele apodrece há 27 anos. Detido em 24 de outubro de 1984, Abdallah, nascido em 2 de abril de 1951 em Kobayat, no norte do Líbano, foi condenado à prisão perpétua em 1987.
Apesar de uma ativa rede de apoio, que não deixa de se manifestar por sua libertação, a barreira de silêncio midiática continua difícil de ser quebrada. Por mais surpreendente que possa parecer, ela foi rompida graças a Yves Bonnet, prefeito honorário, ex-diretor da Direção da Segurança do Território (DST),1 que contribuiu para a prisão de Abdallah. Entrevistado pelo canal France 24, em 28 de dezembro de 2011, o ex-chefe da contraespionagem francesa (entre 1982 e 1985) deu uma declaração estrondosa: “Essa injustiça durou bastante; passou dos limites do que é razoável. Nada mais justifica sua prisão. Coloquem-no em um avião e mandem-no para casa, no Líbano, onde as autoridades estão dispostas a acolhê-lo”. Ele até reconheceu seu “mal-estar” após o acordo obtido em 1985: Abdallah deveria ser libertado em troca de Gilles Sidney Peyroles, conselheiro cultural francês em Trípoli, raptado pelas Frações Revolucionárias Armadas Libanesas (Fral). “Tenho um problema de consciência nesse caso. A França traiu a palavra dada e quiseram fazer acreditar que na época eu, Bonnet, havia negociado sozinho.”
A história de Abdallah é indissociável da história da Guerra do Líbano, e mais especificamente da invasão israelense de Beirute, em 1982 – 20 mil mortos civis libaneses e palestinos –, apoiada pelos Estados Unidos. Militante revolucionário, ele aderiu primeiro ao Partido Nacional Social Sírio (PNSS), depois se juntou à Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), antes de ser enviado para a Europa no seio das Fral, que tentavam transportar para o Ocidente a guerra que haviam deflagrado no Oriente Médio. Sete atentados lhe foram atribuídos entre 1981 e 1984, dentre os quais o assassinato em Paris, no dia 18 de janeiro de 1982, do tenente-coronel Charles Robert Ray, adido militar da embaixada dos Estados Unidos na França, e o de Yacov Barsimentov, segundo conselheiro da embaixada de Israel, em 3 de abril do mesmo ano.
Condenado em 10 de julho de 1986 por associação com o crime e posse de explosivos, Abdallah foi julgado uma segunda vez por cumplicidade em homicídio doloso após a descoberta, entre as armas encontradas em um apartamento que ele havia alugado, da pistola que teria sido utilizada para esses assassinatos. O embaixador dos Estados Unidos na França e a família do tenente-coronel Ray entraram com um processo civil; e as pressões norte-americanas e israelenses foram grandes para que se obtivesse uma condenação mais pesada. Soube-se depois que o advogado de Abdallah, Jean-Paul Mazurier, informava a Direção-Geral da Segurança Exterior (DGSE) a respeito de seu cliente: um caso único nos anais da justiça francesa.2
O segundo processo ocorreu no momento em que a França acabava de sofrer uma onda de atentados sem precedentes. Entre dezembro de 1985 e março de 1986, dezenas de pessoas foram mortas. Os ataques foram reivindicados pelo Comitê de Solidariedade com os Presos Políticos Árabes do Oriente Médio (CSPPA), que exigia a libertação de Abdallah e de Anis Naccache, condenado pela tentativa de assassinato de Chapour Bakhtiar, último primeiro-ministro do xá do Irã, em 18 de julho de 1980. Os irmãos de Abdallah, residentes no Líbano, foram acusados nominalmente e ativamente procurados, e, em seguida, inocentados. Esses atentados foram finalmente atribuídos a um grupo islâmico desmantelado no início de 1987, ligado aos serviços iranianos: Teerã, em guerra com o Iraque, punia a França e Jacques Chirac, então primeiro-ministro, por seu apoio total (principalmente militar) ao regime de Saddam Hussein. Mas Abdallah foi a vítima dessas amálgamas: pegou a pena máxima, acima das exigências do procurador-geral.
JÁ É TEMPO DE LIBERTÁ-LO
Desde 1999, Abdallah poderia obter a liberdade condicional, não fosse a obstinação judiciária e as ingerências norte-americano-israelenses, que são resumidas por seu advogado, Jacques Vergès, utilizando documentos do Departamento de Estado: “Foi o governo dos Estados Unidos que impôs um veto intolerável à sua libertação”. Baseando-se nas recentes declarações de Bonnet, ele fez um novo pedido de libertação. Sete pedidos de liberdade condicional haviam sido feitos, sendo o último em maio de 2009. Em novembro de 2003, a jurisdição de Pau havia autorizado sua libertação, mas o procurador apelou e obteve a anulação.
Abdallah apresentou todas as garantias de reinserção requeridas. Sobretudo, ele poderia voltar para seu país, como nos afirmou o ministro das Relações Exteriores libanês, Adnan Mansour: “Já é tempo de libertá-lo, sobretudo por sua conduta exemplar na prisão. É uma questão de humanidade. Naturalmente, ele será acolhido em nosso país, pois é cidadão libanês”. Uma posição reiterada pelo primeiro-ministro Najib Mikati durante uma visita oficial a Paris, em fevereiro.
Abdallah foi refém de um período político particular, durante o qual, no entanto, o governo não parou de negociar: assim, Naccache e seus quatro cúmplices foram libertados e expulsos para o Irã em 1990, no quadro da retomada das relações entre Paris e Teerã. Não seria a hora de reconhecer que Abdallah já pagou o suficiente por seu engajamento político?
Marina da Silva é jornalista.