Homens de pulso
A simpatia que esses dois homens de pulso têm um pelo outro é confortada por seu desprezo comum pelo atual locatário da Casa Branca. “Ele [Putin] não gosta nada do Obama”, alegra-se Trump; “não o respeita”Serge Halimi
A troca de elogios surpreendeu. Em 17 de dezembro, o presidente russo, Vladimir Putin, marcou sua preferência por um dos candidatos das eleições primárias republicanas norte-americanas, o bilionário nova-iorquino Donald Trump. Qualificando-o de “homem brilhante e cheio de talento”, fez dele “o grande favorito da corrida presidencial”. Longe de recusar tal homenagem, que, no entanto, poderia prejudicá-lo em um partido onde os neoconservadores, numerosos, se perguntam se execram mais a Rússia ou o Irã, Trump reagiu com entusiasmo: Putin “dirige de verdade seu país, é um líder enérgico, o que o distingue de muitos que temos por aqui”. Trump também prometeu que, caso se torne presidente dos Estados Unidos, vai “se entender com ele”. A simpatia que esses dois homens de pulso têm um pelo outro é confortada por seu desprezo comum pelo atual locatário da Casa Branca. “Ele [Putin] não gosta nada do Obama”, alegra-se Trump; “não o respeita”.
Em geral, os interesses dos Estados pesam mais do que as afinidades que podem existir entre seus dirigentes. Mas, quando a economia mundial sai dos trilhos, as compras de petróleo desmoronam e os atentados se multiplicam, não é espantoso nem indiferente que os valores de ordem e autoridade e os homens fortes, cínicos e brutais dominem a cena. Partidários de uma restauração patriótica e moral, nostálgicos de um romance nacional, eles elevam a voz, contraem os músculos, empregam suas tropas.
Instalar uma barreira de aço ao longo das fronteiras de seu país com a Sérvia e a Croácia foi bom politicamente para o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, assim como a anexação da Crimeia consolidou o poder de Putin e a repressão assassina dos curdos fortaleceu o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. E, quando Trump recomenda o restabelecimento da tortura nos Estados Unidos ou seu concorrente republicano Ted Cruz exige que os Estados Unidos substituam seus “ataques” contra a Organização do Estado Islâmico por um “tapete de bombas” sobre as zonas (e os civis) que ela controla, ambos ganham popularidade. O desprezo dos intelectuais e acadêmicos, e seu “politicamente correto”, serve a eles inclusive como argumento suplementar. Talvez seja também porque esse tipo de fenômeno tenha sido notado pelos dirigentes franceses que eles soltam mais facilmente seus discursos de “respostas firmes” e de “pedidos de autoridade”, aumentam as prerrogativas da polícia em detrimento daquelas da justiça e acolhem com uma fleuma considerável dezenas de decapitações dos oponentes na Arábia Saudita.
As promessas de paz e prosperidade da modernidade capitalista já tinham naufragado antes da crise financeira de 2008. Agora, é a vez de sua cultura, de seu espírito, de seus dirigentes com civilidade suave e enganosa. A “globalização feliz” queria ser racional, calma, fluida, global, conectada. Sua falência abre a voz aos “homens raivosos” e aos chefes de guerra.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).