Idiotas úteis
O corte nas verbas da educação levou mais de 1 milhão de pessoas às ruas no dia 15 de maio. O governo não se sensibilizou com as mobilizações e o presidente classificou os manifestantes de “idiotas úteis”. Nesse mesmo dia, como uma retaliação às amplas manifestações por todo o Brasil, Bolsonaro assinou um decreto presidencial retirando a autonomia das universidades a partir de 25 de julho. É um decreto inconstitucional. É uma provocação.
Poucos sabem que o governo federal, no ano de 2017, deixou de arrecadar R$ 270,4 bilhões por conceder isenções tributárias a empresários de vários setores da economia. Se somarmos às isenções tributárias outros benefícios financeiros e creditícios, a conta chega a R$ 373,3 bilhões em 2017.1 A isenção fiscal se dá quando o governo abre mão da cobrança de determinado imposto para um público específico.2
Dois exemplos são marcantes. Em 2017, o governo abriu mão de receber do setor do agronegócio, em impostos, R$ 26,2 bilhões. Estima-se que essa renúncia seja de R$ 29 bilhões em 2018 e, em 2019, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias, de R$ 33 bilhões. Em 2020, o valor deve chegar a R$ 35,1 bilhões e, em 2021, a R$ 37,2 bilhões.3
Já a Medida Provisória n. 795, promulgada por Temer e aprovada no Congresso em novembro de 2017, concede benefícios fiscais a empresas petrolíferas, tais como a Shell e a British Petroleum, que atuarão em blocos das camadas pré-sal e pós-sal. Essa isenção tributária impõe perdas da ordem de R$ 1 trilhão à União nos próximos 25 anos.4
É importante salientar que essas isenções tributárias incidem, em sua maioria, nos tributos que financiam a Seguridade Social, a Previdência. Isso para não falarmos da isenção de tributos sobre os lucros e dividendos que, considerando os últimos dados divulgados pela Receita Federal, de 2016, apontam a renúncia fiscal de R$ 70 bilhões neste ano. Esses dados, já divulgados na edição anterior do Le Monde Diplomatique Brasil, mostram que o corte de R$ 1,7 bilhão que atingiu as 63 universidades federais e os 38 institutos federais de ensino poderia ser facilmente evitado se apenas uma pequena parte das renúncias fiscais fosse revertida.5
Os limites orçamentários, portanto, não são o que levou o governo Bolsonaro a cortar o orçamento das universidades e dos institutos federais. Segundo o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub: “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia terão verbas reduzidas”.6
O corte nas verbas da educação, especialmente das universidades e dos institutos federais, levou mais de 1 milhão de pessoas às ruas no dia 15 de maio. O governo não se sensibilizou com as mobilizações e o presidente classificou os manifestantes de “idiotas úteis”. Segundo Jair Bolsonaro, “são ‘massa de manobra’, manipulados por ‘uma minoria espertalhona’ que compõe as universidades públicas no Brasil”.7 Nesse mesmo dia, como uma retaliação às amplas manifestações por todo o Brasil, Bolsonaro assinou um decreto presidencial retirando a autonomia das universidades a partir de 25 de julho. É um decreto inconstitucional. É uma provocação.
Esse decreto impõe que a nomeação de pró-reitores e de outros cargos de direção das universidades seja submetida à aprovação de órgãos federais. O ministro da Educação e a Secretaria Geral de Governo ficam responsáveis por aceitar ou vetar as indicações dos reitores. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é vista como parte desse aparato que ataca a autonomia universitária. Nesse cerco aos “idiotas manipulados”, o governo anuncia também corte drástico nas bolsas de pós-graduação e o descredenciamento de 1.200 cursos de mestrado até o fim do presente mandato.8
Pois os “idiotas úteis” vão engrossar a greve geral em 14 de junho. O que está em jogo é o futuro das novas gerações e a possibilidade de os pobres serem admitidos nas universidades – 61% dos alunos da Unifesp, por exemplo, são de família com renda mensal menor que cinco salários mínimos.9
As universidades e os institutos federais podem fechar se os cortes não forem revertidos. E é em defesa da educação que novas e maiores mobilizações vão ocorrer. A ampliação do movimento de resistência é uma reação esperada em razão da truculência do governo Bolsonaro, que acende uma fogueira na qual pode se queimar.
Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.
1 Mauricio Lettieri, “Por que não se fala de benesses fiscais quando o assunto é ajuste econômico?”, Le Monde Diplomatique Brasil, maio 2019.
2 Suno Research. Disponível em: <www.sunoresearch.com.br/artigos/renuncia-fiscal/>.
3 Rute Pina, Brasil de Fato – São Paulo, 14 jun. 2018
4 Fábio Góis, Congresso em Foco, 29 nov. 2017.
5 Luiza Tenente e Patrícia Figueiredo, G1, 15 maio 2019.
6 Luiza Tenente e Patrícia Figueiredo, op. cit.
7 Redação Rede Brasil Atual, 15 maio 2019.
8 Informações apresentadas em recente reunião do Fórum Nacional de Pró-Reitores em Pesquisa e Pós-Graduação com a presidência da Capes.
9 Relatório Unifesp 25 anos – Universidade inclusiva e com redução das desigualdades.