A periferia no centro do debate literário
Em mesa do Festival serrote, no IMS Paulista, Mário Augusto Medeiros e Triscila Oliveira discutirão a literatura periférica e o papel da arte nas lutas sociais
“A arte brasileira hoje é um manifesto. Um ato de resistência. É o CPF do talento do favelado, desacreditado nos muros e prédios das cidades. Um enfrentamento silencioso de quem nos quer calados e cabisbaixos. Todo artista injeta parte de si para criar um mundo como ele gostaria que fosse.” A fala de Triscila Oliveira reflete o papel da literatura periférica na discussão sobre as desigualdades sociais no Brasil contemporâneo, representado por ela em suas histórias em quadrinhos.
Ao lado de Leandro Assis, Triscila decidiu documentar as suas vivências enquanto ex-empregada doméstica e as experiências de outras mulheres negras de sua família em tirinhas que tomaram conta das redes sociais, sobretudo durante a pandemia de Covid-19. Reunidas nos livros Confinada e Os Santos, ambos lançados pela Todavia, as tiras são exemplares importantes da literatura periférica, movimento literário que deseja mostrar que existem dois Brasis: nas palavras de Triscila, “um que luta diariamente para sobreviver e o outro que se articula para que nós, da periferia, jamais possamos ter uma vida digna, com direitos básicos garantidos e, acima de tudo, viver para além da sobrevivência”.
A defesa do movimento é de que “a periferia sempre esteve no centro”, como define Mário Augusto Medeiros, escritor do finalista do prêmio Jabuti Gosto de amora e pesquisador que divide a segunda mesa da programação do Festival serrote, no IMS Paulista, com Triscila, no próximo sábado (04). “O Brasil é um país periférico no contexto do capitalismo mundial”, explica Mário, ecoando o crítico literário e especialista em Machado de Assis Roberto Schwarz, que apelidou o escritor paradigmático da literatura brasileira de “mestre na periferia do capitalismo”. O lugar de onde a literatura é produzida pode aparecer em seu conteúdo, mas, mais profundamente, se revela em sua forma.
“Quem construiu [o nosso país] foi a classe trabalhadora, negra, indígena e branca pobres”, afirma Mário. Uma literatura que represente o Brasil, então, vai inevitavelmente passar pela experiência desses grupos, periféricos em representação, mas centrais em importância. A literatura periférica assume compromissos éticos e estéticos em sua forma, com a linguagem que quer empregar – o jeito de falar “da periferia” –, e reivindica seu espaço no centro da discussão com qualidade literária, “perseverança e força na construção desse movimento estético e político”, como explica o escritor.
Mesmo que o Brasil sempre tenha sido periférico no sistema literário global, essa lógica de exclusão foi repetida internamente, separando a literatura nacional e distanciando seus polos aparentemente opostos. O movimento da literatura periférica, de identificação estética, afetiva e geográfica com as periferias urbanas brasileiras, cruza esse muro ao colocar a arte e a política para caminhar de mãos dadas. A ficção de Mário, que busca “narrar experiência de memórias de pessoas negras em espaços variados”, é influenciada pela sua própria experiência crescendo e vivendo num bairro periférico da zona leste de São Paulo. As narrativas de Triscila, também com sua carga de influência pessoal, pretendem se comunicar com quem “observa as injustiças, se revolta com elas e quer um futuro mais justo em um novo modelo de sociedade”.
Com mediação de Juliana Borges, o debate entre Triscila Oliveira e Mário Augusto Medeiros vai acontecer às 17h, no IMS Paulista, com entrada gratuita.
Carolina Azevedo e Eduardo Lima fazem parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.