Masculinidade tóxica como estratégia política em São Paulo
O uso de agressões e desqualificações como parte da estratégia eleitoral evidencia que, para muitos, o debate político se transformou em um campo de batalha onde a força física e verbal é valorizada, ao invés de propostas concretas e diálogo construtivo
Gostaria que todas as pessoas de São Paulo, como eu, estivessem conseguindo acompanhar os debates eleitorais. Ao todo, foram 5 transmissões até o momento, além de algumas sabatinas individuais. Difícil saber se estamos diante de um show da quinta série escolar, protagonizado por crianças, que emocionalmente, seguem realizando bullying e apelidando seus colegas. As ofensas são diversas: Boules, Tchutchuca do PCC, Comedor de açúcar e por aí vai. Ou se estamos diante de uma estratégia deliberada. A onda de violência que começou com uma sucessão de violências verbais, obviamente descarrilhou para violências físicas.
Qualquer pessoa que assistiu aos debates já sabia que isso viria a acontecer. O desfecho seria um só. Após tantas violências verbais, tantas discussões e bate bocas no dia 15 de setembro, no debate da TV Cultura, José Luíz Datena, após ser acusado de estupro e ouvir que “não é homem” para reagir, sai do seu púlpito e disfere uma cadeirada contra Pablo Marçal. Ambos estão fora do debate. Datena expulso e Marçal para o hospital.
No debate seguinte, na Rede TV, todas as cadeiras estavam chumbadas no chão. E um tom de tensão no ar. De certa forma, pareceu que alguma melhora de postura havia ocorrido. No entanto, foi ontem, dia 23 de setembro que um novo pico das agressões ocorreu. O assessor do Nunes provoca um integrante da equipe do Marçal, e pelo que aparece no vídeo, tenta tirar o celular da sua mão e leva um murro na cara. Sangue no estúdio.
Neste momento, a ideia que vinha se formando em minha cabeça toma corpo. E este corpo é masculino. Porque os candidatos estão ao longo de todo esse processo eleitoral nos levando a assistir tamanha escalada de violência. Veja, independentemente de você preferir a candidata da Direita Marina Helena ou a de Centro a Tabata Amaral, ou ainda que não goste de nenhuma das duas, sejamos coesos. Quais as chances de uma desferir apelidos jocosos contra a outra ou contra qualquer um dos candidatos? Quais as chances de saírem do púlpito e ameaçarem bater uma na outra, ou em qualquer dos outros candidatos? Ou ainda, se suas equipes nos bastidores se esmurrarem?
A masculinidade tóxica, da qual tanto temos falado, sobretudo no contexto de diversidade e inclusão, se tornou estratégia política dos candidatos, que já não se envergonham mais de suas ações. E o pior: têm o seu comportamento socialmente aceito. Afinal, nenhum deles foi retirado até o momento do processo eleitoral e qualquer um poderá se tornar o próximo prefeito da maior capital econômica da América Latina.
Neste contexto, a análise da masculinidade tóxica revela não apenas a dinâmica de poder entre os candidatos, mas também um reflexo preocupante da sociedade em que vivemos. O uso de agressões e desqualificações como parte da estratégia eleitoral evidencia que, para muitos, o debate político se transformou em um campo de batalha onde a força física e verbal é valorizada, ao invés de propostas concretas e diálogo construtivo.
É alarmante perceber que, enquanto figuras femininas na política frequentemente enfrentam ataques de gênero e deslegitimação, os homens parecem se sentir à vontade para operar dentro de um espaço tóxico, em que a brutalidade se torna uma norma. As candidatas, por sua vez, enfrentam um ambiente que as silencia e secundariza.
Ao refletir sobre o que assistimos, fica a pergunta: o que queremos para a nossa democracia? Devemos exigir mais do que esse espetáculo lamentável. É hora de exigir que os debates não sejam apenas uma vitrine de agressões e desrespeito, mas uma oportunidade genuína de diálogo e de construção de propostas que realmente interessem à população.
Qual o próximo passo dessa escalada de agressão, a letalidade? Estamos na beira do abismo esperando o vendo soprar mais forte para cairmos nele. Por que entre os seis candidatos que temos visto, os quatro primeiros colocados são homens brancos? O que nos resta, como cidadãos conscientes, é participar ativamente desse processo, questionar as narrativas que nos são apresentadas e buscar candidaturas que realmente representem uma política inclusiva e respeitosa. Se a sua empresa apoia candidatos, pois lembro-me claramente dos valores destinados a doações em campanhas nas empresas em que trabalhei, quais são os critérios de apoio?
Precisamos de um ambiente onde as ideias sejam debatidas de forma saudável, onde a diversidade de vozes seja valorizada e, acima de tudo, onde a dignidade humana prevaleça sobre a toxicidade que, até agora, tem marcado esta corrida eleitoral.
Liliane Rocha é CEO e Fundadora da Gestão Kairós, mestre em Políticas Públicas pela FGV e conselheira deliberativa do Instituto Tomie Ohtake.