Matrículas com bolsas do Prouni diminuem em uma década, mas a culpa não é das universidades
A mera presença da bolsa, embora ajude muito, ela não necessariamente habilita os mais pobres a conseguir ingressar e concluir o ensino superior
Apesar do recorde na oferta de bolsas para o ensino superior, as vagas não estão sendo preenchidas como antes. Das 620 mil colocações oferecidas no ano passado, menos de 30% foram usadas. O índice subiu de 18%, dez anos atrás, para 72%, no ano passado, de acordo com o Sindicato das Instituições Privadas de Ensino Superior.
Outro dado que chama a atenção é a diminuição de 32% nas matrículas pelo Prouni, o que, segundo informações do MEC e do SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo), tem como principal motivação a pandemia.
A questão do Prouni tem duas vertentes: a disponibilização de bolsas por parte do Governo Federal é uma, e a capacidade da população de aproveitá-las é outra. Com relação ao primeiro ponto, o que ocorre é o seguinte: o Prouni é um programa que funciona por meio de permuta fiscal. Ou seja, as instituições de ensino superior privadas oferecem bolsas de estudo em troca de benefícios fiscais, como isenções ou reduções de impostos federais. Isto é proporcional ao faturamento, que é o quanto elas têm de receita gerada. Quanto mais receita elas geram, mais impostos são pagos e mais bolsas do Prouni elas precisam conceder para poder fazer a permuta fiscal. E as bolsas não concedidas são acumuladas para o ano seguinte.
Contudo, as receitas do setor caíram, seja pelo empobrecimento da população que não consegue pagar as mensalidades, seja pela ausência de subsídios federais para ter novos estudantes, como o Fies, que praticamente minguou. A oferta só não cai porque as vagas não são preenchidas em sua totalidade.

O segundo problema consiste no fato de a população não aderir ao programa. Existem casos em que são ofertados cursos com até 100% de bolsas que não são preenchidas, e isso acontece independentemente do curso escolhido. Esse fenômeno ocorre em todas as áreas, pois, para estudar, o aluno não leva em conta apenas o pagamento da mensalidade. Ele também precisa arcar com o transporte, com a alimentação, com o vestuário, e, muitas vezes, precisa abdicar do trabalho naquele horário para poder se formar. Além disso, precisa comprar livros e materiais.
A mera presença da bolsa, embora ajude muito, ela não necessariamente habilita os mais pobres a conseguir ingressar e concluir o ensino superior. Então, é preciso que haja também uma política de bolsa permanência muito mais ampla do que a atual, já que o Prouni tem uma série de critérios essenciais para ser distribuído. Isso seria resolvido facilmente se o governo aumentasse os subsídios para que a população pudesse estudar e custear suas mensalidades.
Políticas públicas eficientes, povo bem alimentado e com qualidade de vida promovem condições suficientes para que os nossos cidadãos possam frequentar a rotina das salas de aula.
A falta de um projeto de nação que nos coloque na rota tecnológica atual é outro motivo que cada vez mais nos afasta do propósito de desenvolvimento. Há pouco mais de uma década, percebe-se que o diploma foi perdendo seu valor mercadológico, em um modelo que hoje exige muito e paga pouco
Ter concluído o ensino superior melhora as suas condições de empregabilidade e de não ser substituído por “robôs”. É importante que eles consigam a sua escolaridade. É importante que haja regulamentação nas atividades laborais para que a mão de obra, depois de formada, não seja substituída pela inteligência artificial, por exemplo.
Portanto, não vamos colocar a culpa, isoladamente na pandemia e menos ainda nas universidades. Façamos uma reflexão contundente ao cenário conjuntural no qual estão os milhões de estudantes brasileiros que dependem de programas e incentivos governamentais para conseguirem melhorar a sua existência. Muitos indivíduos, em todo o país, melhoraram a condição da família, da economia local e da sociedade como um todo, graças ao diploma do ensino superior.
Rodrigo Bouyer é docente, avaliador do INEP e sócio da Somos Young.