Moeda única no Mercosul: Sur real ou superação?

ECONOMIA

Moeda única no Mercosul: Sur real ou superação?

Acervo Online | América do Sul
por Georgia Rodrigues Ferreira da Silva
13 de fevereiro de 2023
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Existem vários questionamentos acerca do planejamento da criação desta moeda única. Ao contrário de muitas especulações, isso não significa o fim do Real e do Peso Argentino

Durante o encontro de líderes 7ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), os presidentes do Brasil e da Argentina declararam conjuntamente que a reindustrialização das economias será prioritária, fomentando empregos de qualidade e investimento em inovação. Ainda afirmaram que a integração entre as cadeias produtivas ajuda a mitigar choques externos, como os ocorridos durante a pandemia. E que por esta razão é importante evitar estar subordinado a fornecedores externos, garantindo itens essenciais ao bem-estar das nossas sociedades. Contudo, o que mais chamou a atenção neste evento foi a ocorrência de diálogos acerca de uma moeda única local para transações com países do bloco, principalmente Brasil e Argentina. Essa moeda seria chamada de “Sur” em referência ao Bloco Econômico dos países deste acordo: Mercosul.

Existem vários questionamentos acerca do planejamento da criação desta moeda única. Ao contrário de muitas especulações, isso não significa o fim do Real e do Peso Argentino. Preliminarmente, a moeda não teria circulação corrente e o objetivo seria reduzir a dependência dos países latinos do Dólar, que pressiona moedas emergentes e consequentemente gera cenários de crise nas economias latinas. Logo, as transações comerciais e financeiras estariam livres das flutuações cambiais.

Essa ideia pode parecer nova, mas este debate vem sido feito desde a década de 80 nos governos Sarney e Alfonsin. Além disso, anos atrás o ex-Ministro da Economia Paulo Guedes foi mais longe e chegou a promover diversas vezes uma moeda única latina, nomeando a mesma como “peso real”.  Esse plano não se tornou realidade em virtude de muitas diferenças econômicas e diplomáticas entre os países. Para se ter uma dimensão destas diferenças, a Argentina além de possuir uma economia dolarizada, fechou o ano de 2022 com taxa de juros a 75%, inflação em torno de 95% e está praticamente sem acesso ao mercado internacional de capitais. Isso sem mencionar a impressão de dinheiro e a política de subsídios para serviços públicos como água e energia. Vários analistas afirmam que a crise neste país é resultado de escolhas políticas, principalmente com a impressão de dinheiro durante a pandemia para financiar subsídios e programas salariais. Existem tentativas de minimizar os problemas, mas persistem divergências ideológicas entre Fernandez e sua influente vice, Cristina Kirchner. O presidente pretende implantar as duras medidas expressas no acordo do FMI para recuperar a confiança dos mercados internacionais. Porém, sua vice é a favor de medidas como a introdução de uma renda básica universal e contra a implementação de medidas impopulares, tais quais como aumentos de preços de serviços públicos. A falta de diálogo entre os dois traz desconfiança aos investidores internacionais e torna situação do país muito vulnerável. Com a proximidade das eleições Argentinas, estratégias para minimizar o impacto da crise são bem vistas aos olhos dos eleitores. Evidencia-se que Fernandez utilizou o anúncio da moeda comum para as transações comerciais como importante estratégia eleitoral, protegendo a pouca quantidade de reservas em dólar Argentinas. Vislumbrando assim, a confiança de entidades financeiras internacionais.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, cumprimenta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. (Foto: Agência Brasill)

O primeiro passo consistiria na criação de um Banco Central Sul-Americano, aos moldes do Banco Central Europeu para a Zona do Euro e, a partir disso, usar a estratégia de estabilização da inflação brasileira durante a transição entre o cruzeiro real e o real, criando a moeda através da mesma inspiração oriunda da Unidade Real de Valor (URV). Além disso, o Brasil teria a possibilidade de protagonizar a organização econômica da América do Sul.

Face ao exposto, qual seria a motivação do Brasil em liderar esta iniciativa num momento tão delicado para a economia Argentina? Segundo Friedman, não existe almoço grátis. De acordo com os dados das estatísticas sobre comércio exterior (ICOMEX-FGV), o Brasil está perdendo espaço para a China na Economia Argentina. Em fevereiro de 2022, a China superou o Brasil na disputa pelo principal mercado de manufaturados brasileiros. Uma das razões consistem na estagnação do Governo Brasileiro em termos de promover iniciativas de promoção à exportação. O governo Chinês ofereceu um diferencial de dispor recursos para ajudar a Argentina a renegociar suas dívidas externas, a incluindo em seu projeto político-econômico do megaprojeto de infraestrutura chamado “Cinturão e Rota”.[1] Neste caso, entende–se a aproximação com a Argentina, não só apenas como um plano de integração regional e fortalecimento das economias latinas, mas sim de voltar a ter o mesmo espaço na economia vizinha, barrando os avanços Chineses neste mercado. Este empreendimento também significa a reação do Brasil para evitar a reprimarização da sua economia. Ao longo dos anos, a indústria tem perdido participação no PIB nacional e a equipe econômica tem pensado em alternativas para tornar a indústria nacional mais competitiva, pois a criação de um lastro monetário não vai resolver a falta de competitividade das manufaturas. Dentro do plano de estudos para a criação do “sur”, existe ações para o lançamento de linhas de crédito de bancos privados e públicos, incentivando a aquisição de produtos brasileiros. Em contrapartida, o Brasil teria como garantia o recebimento garantias de liquidez internacional como os valores contratuais de exportação de gás natural. A criação desta unidade de conta, portanto, seria uma política de integração regional para ajudar o país vizinho visando elevar as exportações brasileiras para a Argentina.

 

Georgia Rodrigues Ferreira da Silva é estudante de Doutorado do Programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e Inovação Agropecuária.

 

2 One Belt, One Road– Expansão de investimentos chineses estabelecendo rotas terrestres e marítimas oferecendo infraestrutura para países participantes e oportunidades de negócios com empresas chinesas.



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