Na Colômbia, as urnas ameaçam a paz
Em 17 de junho, os colombianos elegeram um novo presidente, Iván Duque, que se opõe ao acordo de paz assinado com as Farc. A eleição também foi marcada pelo avanço da esquerda, presente no segundo turno, tradicionalmente disputado por dois candidatos de direita. Mas a esperança de normalização choca-se com o recrudescimento das organizações criminosas
Encostados em uma árvore, dois homens observam as idas e vindas dos eleitores no local de votação. “Olha os frangos”, suspira Martín Rogelio Ramírez, secretário do Partido Comunista da cidade de Cúcuta: “O laranja é um código”.
Neste 17 de junho de 2018, os colombianos vão às urnas eleger seu futuro presidente da República. A população chega para votar na escola do bairro de San Martín, no departamento de Norte de Santander, no nordeste do país. O conservadoríssimo Iván Duque enfrenta o ex-prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, cuja presença no segundo turno é uma proeza para a esquerda. Aqui, os candidatos progressistas são há muito tempo descartados logo no primeiro turno das eleições presidenciais, quando não sofrem simplesmente a eliminação física. Duque, jovem senador há alguns meses ainda desconhecido do grande público, conta com o apoio de seu mentor, o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez. Este, durante seus dois mandatos (2002-2010), aplicou uma política de belicosa escalada contra as guerrilhas e contra qualquer forma de oposição. Aliado fiel dos Estados Unidos, ele aparece em um relatório de 1991, feito pelo serviço de inteligência desse país, como “envolvido em atividades de narcotráfico”.1
“Laranja é a cor dos apoiadores de Duque”, prossegue Ramírez. “Assim é possível identificá-los.” Ele aponta com o queixo para uma casa adornada com cartazes em favor do candidato do Centro Democrático (direita). Visitantes aglomeram-se na entrada, sob o olhar atento de homens usando bonés também laranja. “Lá dentro, o pessoal de Duque dá dinheiro a todos que provarem, com uma foto de celular, ter votado no candidato de direita”, garante. Não pudemos verificar essa informação, mas a demonstração de força é impressionante: seria difícil contar as imagens do candidato da direita que – em adesivos e cartazes, nos para-brisas dos carros, nas paredes das lojas e até em camisetas – desafiam despreocupadamente a proibição de fazer propaganda eleitoral nos arredores dos locais de votação. Nenhum panfleto, nenhuma imagem em favor de Petro: “A direita manda na cidade”, conclui Ramírez.
Nas localidades vizinhas, as mesmas cenas se repetem diante de nossos olhos… e dos policiais. Na entrada das cidades, o Exército posicionou tropas e veículos blindados. Ônibus da cidade venezuelana de Ureña, a poucos quilômetros de distância, despejam dezenas de cidadãos colombianos que vivem do outro lado do Rio Táchira. Muitas pessoas, em ambos os lados do rio, têm dupla nacionalidade. O panfleto do candidato de direita colado na janela de um dos veículos deixa pouca dúvida sobre as intenções de voto dos passageiros.
Mais discretos, os partidários de Petro também estão mobilizados. Perto da cidadezinha de Villa del Rosario, um grupo aguarda, em uma casa, a van que o levará ao local de votação. Nenhum traço visível de sua cor política. Esses eleitores também cruzaram a fronteira, guiados por uma militante do Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv), o partido do presidente Nicolás Maduro. “Organizamos o transporte para garantir que os camaradas pudessem votar”, explica a jovem. A travessia é perigosa: o departamento é um corredor de contrabando, e diversos grupos criminosos passam por ali regularmente.
Departamento sob controle paramilitar
Os eleitores não são a única coisa importada da Venezuela. Na estrada que acompanha o rio, a cada 100 metros vendedores ambulantes chamam os motoristas sacudindo garrafas plásticas. “São os pimpineros: eles vendem combustível transportado ilegalmente através da fronteira”, nos explicam, apontando para os galões de gasolina mal escondidos embaixo das árvores. Na Colômbia, 1 litro de gasolina custa mais de 2.300 pesos, o equivalente R$ 3,30, contra R$ 2,67 no mercado negro… e o equivalente a R$ 0,05 na Venezuela. Diante dessa sangria, o governo venezuelano, em janeiro de 2017, elevou o preço da gasolina para cerca de R$ 1,67 em áreas na fronteira com a Colômbia. Embora reduzida, a margem dos contrabandistas permanece.
“A região de Norte de Santander é historicamente ligada às atividades ilegais”, diz Rafael James, advogado e membro do Comitê Permanente pela Defesa dos Direitos Humanos (PCHR). “Sua proximidade com a fronteira e a ausência dos poderes públicos favoreceram toda uma série de dinâmicas mafiosas. A direita usa o espantalho do chavismo para vencer a eleição. É uma hipocrisia, já que neste departamento todo mundo vive na Venezuela! Todos os produtos que consumimos aqui vêm de lá.” Como consequência da crise econômica no país vizinho, milhares de venezuelanos (e antigos emigrados da Colômbia) cruzaram a fronteira. “Eles acabam nas redes de prostituição ou contrabando, vivem de pequenos tráficos etc. Tudo isso alimenta o discurso da direita contra Maduro.” E contra aquilo que ela apresenta como seu clone colombiano: Petro. Este, no entanto, embora seja desfavorável a qualquer interferência externa, tem sido extremamente crítico à gestão da crise pelas autoridades venezuelanas.
Além dos ataques da mídia que a associam ao regime bolivariano, a esquerda local tem de enfrentar a hostilidade dos grupos paramilitares, fortemente instalados no departamento. Oficialmente desmobilizados em 2005, durante o primeiro mandato do presidente Uribe, a maioria deles converteu-se à alta criminalidade ou se tornou o braço armado dos proprietários de terra locais. Ameaças, ataques, assassinatos etc.: inúmeros militantes de esquerda sofrem agressões desses grupos de extrema direita, que os equiparam aos partidários de organizações marxistas armadas. A grande justificativa dos ataques: nos anos 1970 e 1980, Petro participou da guerrilha urbana no Movimento 19 de Abril (M-19) – uma passagem pela luta armada, no entanto, ainda bastante comum no cenário político colombiano, especialmente na direita.
O candidato da esquerda também foi vítima de um ataque, em uma viagem a Cúcuta, durante a campanha eleitoral. Ele só se salvou graças à blindagem de seu veículo. Para a esquerda, o ataque foi assinado pelo ex-prefeito da cidade, Ramiro Suárez Corzo (2004-2007). Atualmente preso por mandar matar um adversário político, Suárez Corzo continua sendo uma figura influente. Segundo a senadora Claudia López (Aliança Verde), que fez essa denúncia publicamente, o homem faria, de sua cela na prisão de La Picota, em Bogotá, videoconferências por Skype para dar instruções à nova equipe dirigente da cidade
“A particularidade do fenômeno paramilitar no departamento”, acrescenta James, “é que ele é suficientemente poderoso para absorver o poder político, subordiná-lo.” Peça essencial do sistema econômico, os grupos paramilitares atacam as comunidades camponesas que desafiam projetos de mineração ou grandes monoculturas, numerosos na região. “A luta, aqui, é entre dois modelos de desenvolvimento”, lança Junior Maldonado, membro da associação de camponeses de Catatumbo, ainda na região de Norte de Santander. “O nosso: comunitário e local. O do governo: agroindustrial. A estratégia dos paramilitares tem o objetivo de limpar o território para que as multinacionais possam se estabelecer.” Exemplo emblemático dos projetos que elas apoiam aqui: a produção de palma, transformada em combustível para motores a diesel.
Espectros da crise venezuelana
Em 17 de junho, após a apuração, o resultado é claro: 54% dos votos (10 milhões) para Duque, contra 41,8% para Petro (8 milhões), e 4,2% de cédulas em branco. Os jovens militantes comunistas recebem a notícia sem nenhuma surpresa. A vitória de Duque representa a do campo hostil ao acordo de paz assinado em 2016, em Havana, com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), cujos laços ideológicos e humanos com o Partido Comunista Colombiano continuam fortes. Referindo-se ao texto do acordo, o pupilo da direita havia prometido “rasgá-lo em pedaços”, antes de suavizar seu discurso: hoje fala em “corrigi-lo”. Sua eleição também coloca em risco as negociações com a segunda maior guerrilha do país, o Exército de Libertação Nacional (ELN), particularmente ativo no departamento e com o qual o presidente Juan Manuel Santos, no posto até 7 de agosto, definitivamente não conseguiu chegar a um acordo de cessar-fogo. “Os militares vão fazer hora extra”, caçoa um rapaz.
Devemos então concluir que a maioria dos colombianos deseja acabar com a paz? Segundo William Cañizares, diretor da organização de defesa dos direitos humanos Progresar, na região, o conflito não foi o elemento crucial da votação: “70% do eleitorado do departamento está na área metropolitana de Cúcuta, longe da guerra. Dos 30% restantes, apenas 10% são afetados pelo conflito: é a região de Catatumbo” – área cujos quatro municípios colocaram Petro na liderança, enquanto ele foi maciçamente derrotado em todo o resto do departamento. Em nível nacional, os resultados confirmam o fenômeno: Petro ganhou nos territórios mais marcados pelo conflito, principalmente em áreas rurais remotas (sobretudo no Norte e no Sudoeste). O candidato de esquerda também conquistou a capital e as grandes cidades (Cali, Barranquilla, Cartagena etc.), com exceção de Medellín, onde a influência e a aura de Uribe ainda foram mais fortes.
Então, por que ele perdeu? “Nós denunciamos as fraudes no primeiro turno, mas elas não explicam a vitória de Iván Duque”, admite Ariel Ávila, subdiretor da Fundación Paz y Reconciliación, observatório do conflito. “Dois espectros assombram hoje toda a América Latina – e não apenas a Colômbia: a crise venezuelana e o voto evangélico. O que dizem aqui a mídia e a direita? Que Petro é um novo Chávez e que iria fechar igrejas e templos. Essas ideias tomaram forma em amplas camadas dos setores populares. Por si só, o voto evangélico coloca 1 milhão de cédulas na conta de Duque.” Para essa parte da população, o programa de Petro – defesa do direito ao aborto, extensão das liberdades sexuais etc. – parecia um espantalho.
Sociólogo, Harold Olave enfatiza que, embora a fraude não tenha pesado tanto quanto alguns proclamam, o apoio a Duque decorre da “mecânica paramilitar” e suas duas alavancas tradicionais nas eleições: “clientelismo e violência”. Um exemplo: a senadora Aída Merlano, do Partido Conservador da Colômbia (direita), foi acusada de “comprar votos” durante as eleições legislativas de março. De acordo com os resultados da investigação, a candidata da cidade de Barranquilla, no norte do país, pagou até 40 mil pesos (R$ 58) por voto. “Os baronatos locais garantem a lealdade dos funcionários, com a ameaça de demissão, e a da população, maltratada pelas políticas neoliberais, por meio de doações ou comissões”, detalha Olave. “De resto, a direita pede aos grupos armados que intimidem e ataquem todas as pessoas relacionadas à oposição, de esquerda ou não.” O governo contabiliza 326 assassinatos de líderes de movimentos sociais e defensores dos direitos humanos entre janeiro de 2016 e julho de 2018. Entre os departamentos mais afetados, Cauca (81 mortos), Antioquia (47) e Norte de Santander (19).
As Farc não servem mais de espantalho
Duque também conseguiu convencer. Entre os principais projetos atribuídos a ele, está a reforma da Jurisdição Especial para a Paz (JEP). Organismo de transição nascido do acordo de Havana, a JEP encarrega-se de julgar os crimes cometidos durante o conflito por todas as partes, tanto os insurgentes quanto os militares – sendo alguns crimes, principalmente o de rebelião pelos guerrilheiros, automaticamente anistiados. “Um monumento à impunidade”, declarou Duque durante a campanha. Por iniciativa dos senadores de seu partido, seu campo obteve, no dia 18 de julho, a emenda dos regulamentos da JEP, que Santos ratificou antes de deixar o cargo, ao passo que anteriormente se opusera a ele – uma violação dos acordos logo denunciada pelos ex-membros da guerrilha. De agora em diante, como desejava a direita, os militares serão julgados por um tribunal diferente. “Não é aceitável que nossas Forças Armadas sejam julgadas por um tribunal criado pelas Farc e para as Farc. A polícia e o Exército merecem um julgamento justo”, avalia a senadora de direita Paloma Valencia.2
O segundo objetivo de Duque: modificar o tratamento dos pedidos de extradição recebidos pela Colômbia. A JEP terá de se contentar em verificar se as acusações feitas por outros países estão relacionadas a crimes posteriores à assinatura do acordo – uma referência clara ao caso de Jesús Santrich, ex-comandante da guerrilha e membro da equipe de negociação das Farc em Havana. Preso em abril por uma acusação norte-americana de tráfico de drogas, ele está ameaçado de ser transferido. “Veja que nosso objetivo inicial era eliminar a JEP. Hoje a reconhecemos e a ajudamos a avançar”, insiste, magnânima, a senadora Valencia.
No entanto, apesar de sua derrota, a esquerda sai fortalecida dessa batalha política. “É histórico!”, diz animada Yolima Gómez, militante da coalizão Colômbia Humana, de Petro, em Cúcuta. “Agora, teremos 8 milhões de pessoas resistindo à política de Duque. Nosso objetivo é organizá-las. Mas que avanço! Antes, a oposição a Juán Manuel Santos era Álvaro Uribe. Hoje, somos uma alternativa.” “O país mudou”, afirma por sua vez Olave: “É a primeira vez que a direita foi colocada na parede. Obrigada a reunir todas as suas forças, ela ficou com medo”. Símbolo dessa união sagrada: os dois partidos tradicionais do país, o Partido Liberal e o Partido Conservador, uniram-se a Duque após o primeiro turno. Candidato à presidência pelo Partido Liberal e principal artífice do acordo de paz com as Farc, Humberto de la Calle (que ficou em quinto lugar no primeiro turno, com 2% dos votos) surpreendeu ao anunciar que votaria em branco no segundo turno, recusando-se, assim, a apoiar Petro, o único candidato que prometeu dar continuidade ao processo de paz. Ele seguiu os passos de Sergio Fajardo, candidato de uma coalizão que reunia a Aliança Verde e o Polo Democrático (centro-esquerda), o qual ficou em terceiro lugar, com quase 24% dos votos.
Segundo Olave, um fenômeno explica essa mudança: o processo de paz. “Privada de seu conforto tradicional, a direita teve de se posicionar sobre os problemas reais. Um espaço democrático se abriu com o desarmamento, e os jovens, especialmente, foram exigir respostas para suas perguntas. O discurso sobre o perigo venezuelano não poderia substituir completamente aquele que erigia a guerrilha em mal absoluto, como esperava a classe dirigente.” Em um artigo de 2008, De la Calle, que também foi vice-presidente da República entre 1994 e 1996, havia declarado que “a estabilidade política da Colômbia” era “devida às Farc”, acrescentando que o desaparecimento do grupo armado “aumentaria a pressão social” e o “nível de confrontação”.3 Visionário?
Quatro horas de carro ao sul de Bogotá, no departamento de Tolima, está uma das 26 áreas de reinserção (oficialmente, “espaços territoriais de formação e reincorporação”, ETCR) dos ex-combatentes das Farc. Chegamos ali após uma subida difícil, de jipe, por uma estrada de montanha escarpada, perto de Icononzo. No caminho, nenhum controle, nenhuma presença visível, nem do Exército colombiano nem da ONU, que deveriam estabelecer perímetros de segurança em torno da área para proteger os ex-guerrilheiros. “Esta é a terceira visita de jornalistas em uma semana”, suspira Laura F., apresentada como uma das responsáveis do campo. “Todos querem saber o que achamos do novo presidente. O último escreveu um artigo que não agradou aos companheiros. Ele nos descreveu como pessoas desengajadas no processo de paz, o que é falso. Então, eles não vão querer falar com você hoje.”
Quinze anos de luta armada dentro da guerrilha e das milícias urbanas da rede Alejandro-Nariño aguçaram a desconfiança da jovem. Ela avalia seu interlocutor com os olhos antes de responder: “A vitória de Duque era previsível. É claro que isso vai complicar as coisas, mas não recuaremos na questão da paz”. Fincado no topo de uma montanha que domina o vale, o campo compõe-se de várias casas onde vivem os ex-combatentes e suas famílias. Eles contam com um campo de futebol, uma biblioteca, um restaurante e até um bar. “Tudo foi construído pelos companheiros, com o material doado pelo governo”, esclarece nossa guia. Nas fachadas, afrescos sobre a glória da guerrilha e seus mártires: Manuel Marulanda Vélez, Alfonso Cano, Mono Jojoy etc. Aqui vivem 295 pessoas. Cada ex-combatente recebe 700 mil pesos por mês (R$ 955, quase 90% do salário mínimo colombiano), depositados em uma conta bancária – que a maioria precisou abrir e aprender a administrar. Terminada a guerra para eles, os ex-guerrilheiros agora se dedicam à atividade política de sua nova organização legal: a Força Alternativa e Revolucionária do Comum (também Farc).
Atraindo todas as atenções pós-eleitorais, o partido imediatamente se declarou aberto ao diálogo com o novo presidente. Muitos, à esquerda, temem que o retorno ao poder de uma direita revanchista resulte no aumento do número de assassinatos políticos. Segundo as organizações de defesa dos direitos humanos, cerca de sessenta ex-combatentes já foram mortos entre a assinatura do acordo de paz, em 24 de novembro de 2016, e maio de 2018. Difícil não pensar no exemplo da União Patriótica (UP), organização política criada pela guerrilha na década de 1980 com o objetivo (já naquela época!) de entregar as armas e inserir-se na via democrática. Os assassinatos de mais de 3 mil militantes, entre eles dois candidatos à presidência, acabaram enterrando as esperanças da esquerda e mandando as Farc de volta à selva.
Que preço os ex-guerrilheiros estão dispostos a pagar hoje? “Neste país, tanto na guerra como na política há mortes; isso é parte da luta de classes”, responde nossa interlocutora, dando de ombros. Para ela, apenas a relação de forças política pode deter a mecânica da violência contra os guerrilheiros desmobilizados. “Eu não esqueço que o governo é um adversário. Ele não está traindo o acordo, está fazendo sua parte. Se os 8 milhões de eleitores de Petro se mobilizarem, os assassinatos diminuirão.”
Nem todo mundo tem a mesma confiança no futuro. Segundo várias organizações, os dissidentes da guerrilha, hostis à paz, seriam hoje quase 1.200, enquanto as autoridades estimam seu número em cerca de seiscentos. Em Norte de Santander, muitos retomaram as armas. “Nossa preocupação”, explica Cañizares, o diretor da Progresar, “é que o pequeno grupo oriundo das Farc que se apresenta como ‘Frente 33’, ativo em Catatumbo, cresça por causa da política de Duque e do não respeito ao acordo.”
Retorno da guerrilha marxista?
Outro sinal de desafio: o ex-guerrilheiro Luciano Marín Arango, conhecido como Iván Márquez, anunciou em meados de julho que não ocuparia sua cadeira no Senado (o acordo de paz concedeu à ex-guerrilha cinco assentos no Senado e cinco na Câmara dos Deputados): a prisão de seu amigo Jesús Santrich e a confirmação do inquérito em que ele é acusado nos Estados Unidos por tráfico de drogas levaram-no a fugir de Bogotá para refugiar-se em Caquetá, no sul do país, de onde denuncia conspiração e “sabotagem” dos acordos. “Tenho a impressão de que a paz na Colômbia está presa nas redes da traição”, escreveu em uma carta aberta no dia 16 de julho.
Sinal de um possível retorno da guerrilha marxista? “Acho que o ciclo de violência política acabou”, responde Ávila, na Fundación Paz y Reconciliación. “Claro que sempre haverá dissidentes. Mas o risco, caso não se faça a reforma agrária ou não se substituam outras produções agrícolas por aquelas erradicadas – coisas previstas pelo acordo de Havana –, é tornar inevitável um novo ciclo de violência criminosa.” Segundo um relatório da Fundación de julho de 2017,4 a desmobilização das diferentes estruturas das Farc “criou uma espécie de anarquia criminal” e um “aumento da insegurança”, fenômeno provocado pela “expansão de grupos ilegais” ao redor das 242 comunas onde operava a guerrilha.
Em Catatumbo, os dois últimos grupos de insurgentes armados, cerca de 1.500 guerrilheiros do ELN e quinhentos do Exército Popular de Libertação (EPL), empreendem uma guerra para tomar posse do território antes controlado pelas Farc – uma zona estratégica, fronteiriça, que eles também disputam com os grupos paramilitares e as máfias. Em suma, um caos que algumas pessoas temem que se espalhe para outras regiões do país.
*Loïc Ramirez é jornalista.