Nacionalizar os bancos
Em meio a um clima de precipitação, os Estados vêm pagando trilhões de dólares para socorrer as instituições financeiras. Já não é sem tempo que eles assumam de vez a direção das operações
O mal que vem corroendo as finanças devora agora a economia mundial da qual o sistema financeiro extraía sua substância. Quando um banco afunda, ele é comprado por outro que garante, com isso, que o Estado irá forçosamente intervir para resgatá-lo, pois ele se torna, por sua vez, “too big to fail” (“grande demais para ir à falência”).
Em todo lugar do mundo, em meio a um clima de precipitação e diante de uma situação em que o contribuinte se vê acuado, o Estado vem pagando trilhões de dólares para socorrer as mais importantes instituições financeiras. Ora, ninguém sabe ao certo quantos “ativos tóxicos” ainda se encontram em suas entranhas, nem qual a quantia que ainda está por ser desembolsada para adquirir o montante crescente de créditos podres.
Outrora, o exercício da profissão de banqueiro parecia fácil. Falava-se na regra americana do “3-6-3”. Contrair empréstimos com juros de 3%; emprestar a clientes com juros de 6%, e ir ao clube jogar golfe às 15h00. Para manter o controle sobre essa prática, não era necessário recorrer a um batalhão de matemáticos armados de modelos de econometria.
Veio então a reviravolta dos anos 1980 que tornou imprescindíveis a “diversificação”, a “tomada de risco”, além da derrubada dos obstáculos que isolavam certas atividades umas das outras. Por exemplo, uma lei americana de 1933 proibia que os bancos investissem na Bolsa. Essa coisa do passado, herdada do New Deal, foi abolida em meio à euforia da nova economia. Além disso, empurrados pelos ventos favoráveis da “modernidade”, os bancos passaram a não ter em grande conta a confiança dos seus correntistas e poupadores1.
Sem tardar, eles investiram em novos produtos – os quais eram “derivados” de vários produtos combinados, a partir de créditos que um dia eles mesmos haviam “securitizado”…
É importante acrescentar que nem mesmo os próprios banqueiros compreendem, ou compreendem muito pouco, como funciona esse sistema (em certos casos, seria necessário recorrer a um manual de 150 páginas para efetivar essas práticas), apesar de se darem por satisfeitos com o dinheiro que tanta inovação lhes proporciona.
O fato é que emprestar sempre mais, sem nenhuma transparência e dispondo sempre de menos fundos próprios, constitui uma prática de alto risco. Mas aquela era a época das bolhas, das expansões sem fim, das pirâmides financeiras, dos salários faraônicos, o que incentivava mais e mais as fugas para a frente2.
No final de 2007, certos bancos emprestaram até 30 vezes o montante dos valores que detinham em suas reservas, e sem qualquer preocupação, pois seguradoras como o American International Group (AIG) protegiam seus percursos de malabaristas…
Um dia, muito recentemente, a corda rompeu-se. Alguns devedores que foram à falência e não podiam se endividar ainda mais, não conseguiram reembolsar os bancos. Ora, estes últimos se encontravam em situação de fragilidade, pois a partir do momento em que uma fração ínfima dos empréstimos que eles haviam concedido se tornou insolvável, eles também não tardaram a ir à falência, no que foram seguidos sem demora pelas seguradoras.
Depois da derrocada do setor imobiliário, da queda da atividade econômica e da disparada do desemprego, como os estabelecimentos financeiros imaginariam que iriam se recuperar? Resposta: com a ajuda do Estado. Este último – cujos comandos, não raro, são entregues a “gênios da lâmpada” em trânsito entre dois bancos – se preocupa, sim, com o seu destino. Já não é sem tempo que ele assuma de vez a direção das operações.
De qualquer forma, a sorte do mundo das finanças não mais depende de acionistas privados, os quais só recobrarão a saúde no dia em que um governo lhes anunciar uma nova injeção de fundos. Considerada no passado uma heresia, numa época em que até mesmo os socialistas franceses desregulamentaram as finanças, a solução da nacionalização dos bancos torna-se a tal ponto evidente – ou a calamidade que ela impediria, a tal ponto ameaçadora – que passou a ser preconizada até mesmo por parlamentares republicanos nos Estados Unidos, enquanto jornais tão liberais quanto o The Economist também se renderam à ideia3.
Porém, ao que tudo indica, tão logo os bancos estejam sanados com o dinheiro dos contribuintes, deverão ser restituídos aos seus acionistas. Em suma, trata-se de fazer a faxina e então devolver o apartamento àqueles que haviam aprontado a bagunça. Mas, por que isso? Afinal, muitos foram os sistemas bancários nacionalizados que impulsionaram de maneira eficiente décadas de expansão. De quais resultados comparáveis os bancos privados poderiam, ao certo, se valer?
*Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).