Nada disso impedes, Nicolas….
Em Une lente impatience (Uma lenta impaciência), o filósofo Daniel Bensaïd escreve: “Certamente, tivemos mais noites infelizes que manhãs triunfantes. E, graças à paciência, ganhamos o direito precioso de recomeçar”.1
Mas quando uma situação se torna revolucionária de fato? Vladimir Ilitch Ulianov, dito Lenin, refletiria sobre essa questão após as revoluções de fevereiro e outubro de 1917: “A revolução triunfará apenas quando os de baixo não quiserem mais e os de cima não puderem mais viver à maneira antiga”.2
Há vinte anos, essas reflexões são consideradas obsoletas. A queda do Muro de Berlim, seguida do desaparecimento do “socialismo real” no Leste Europeu, parecia minar qualquer esperança de transformação radical. Francis Fukuyama anunciava o “fim da história”: a vitória do “mundo livre” na Guerra Fria asseguraria o monopólio da democracia de mercado, horizonte único e intransponível. Digital, gerencial, sexual: viva a revolução, desde que ela não seja política.
Os melhores espíritos prognosticavam um reinado longo e pacífico da hiperpotência norte-americana. Apenas o “choque de civilizações”, caro a Samuel Huntington, parecia capaz de desestabilizar o fluxo tranquilo da história. E os neoconservadores conhecem a sequência: uma guerra preventiva contra o terrorismo islâmico, desencadeada pelo episódio de 11 de setembro. “Circulando, não há nada mais para olhar”, parecem retrucar aos nostálgicos dos grandes movimentos em que os povos quiseram traçar seu destino com as próprias mãos.
Os seis meses de revolta do Magreb ao Machrek despertaram os apóstolos da resignação – façanha que os movimentos da América Latina dos anos 2000 não tinham conseguido. As derrotas norte-americanas no Afeganistão e no Iraque, contudo, alertaram os mais lúcidos. Pareceu-lhes ainda mais inquietante o desafio lançado à hegemonia ocidental: no interior do Ocidente, os terremotos, de início, financeiros, depois econômicos e sociais do capitalismo mundializado; no exterior, o crescimento vertiginoso de China, Índia, Brasil, África do Sul, Turquia, sem mencionar o retorno da Rússia.
E a eclosão da revolução árabe trouxe outra dimensão ao desafio: não se trata de dirigentes (do Sul) em oposição a outros dirigentes (do Norte) para defender seus interesses na divisão do bolo mundial, e sim de povos que estão se libertando de seus dirigentes – e, quem sabe, ao menos parcialmente, da antiga ordem. Os manuais estudados pelas gerações futuras não serão escritos no calor da hora, e a repressão sangrenta levada adiante pelos ditadores líbio, sírio e do Bahrein incitam ao não pronunciamento da palavra “fim” antes de o filme terminar. Uma certeza: a onda de levantes não vai esmorecer.
Trata-se, simplesmente, da história retomando seus direitos. Há milênios, a humanidade progrediu de revolução em revolução: econômicas, sociais, culturais, científicas. A sequência de pequenas rupturas preparou o terreno para grandes rupturas qualitativas para que o homem e a mulher dominassem cada vez mais a natureza… e o próprio destino.
Ao longo dos séculos, esse caminho foi mais tortuoso que retilíneo. Recuos (temporários ou duráveis) foram seguidos de avanços, e vice-versa. Algumas experiências foram bem-sucedidas, outras fracassaram. As revoluções, às vezes, devoram seus filhos, enquanto os erros e os crimes cometidos determinam o percurso do desfecho. É desse processo que o homem tira a lição – não sem mal – de que os fins não justificam os meios e de que, se omelete se cozinha quebrando os ovos, o gosto de sangue não o torna mais saboroso.
No poema “Epílogo”,3Louis Aragon reflete sobre essa longa marcha repleta de luzes e sombras: “A luta nunca terminará, e vencer três vezes não é nada/ Tudo é colocado em questão a partir do momento em que o homem do homem é contabilizado/ Assistimos a grandes feitos, mas também a episódios lamentáveis/ Pois nem sempre é fácil saber onde está o mal e onde está o bem”, escreve. E continua: “Não somos os únicos no mundo a cantar, o desafio é o conjunto de cantos/ É preciso saber desempenhar seu papel nesse conjunto, mesmo quando uma voz se cala/ Saibamos sempre, o coro profundo sempre retoma a frase interrompida”.
Esse canto, em sua plena radicalidade, foi entoado pela primeira vez pelos comunas em 1871. Quinze anos depois de esses revolucionários terem se lançado ao “assalto do céu”, Eugène Pottier dedicou à revolução amordaçada por Versalhes este hino de luto e esperança: “Matou-se à carabina,/ A golpes de metralhadora/ E envolveu com sua bandeira/ A terra argilosa./ E a multidão de algozes/ Acreditava-se mais forte./ Nada disso impede, Nicolas/ Pois a comuna não está morta”.