Nasce o clima de conclave: Quem seriam os preferidos?
Em meio às ascensões de líderes políticos globais com posturas reacionárias e, internamente, tendências tradicionalistas no meio eclesial, como debater sobre um possível sucessor de Francisco? Quais seriam os nomes mais cotados atualmente para ser o novo Sumo Pontífice?
Estávamos em faxina e o sino toca freneticamente. Somos avisados que acabara de sair a fumaça branca. Havia sido eleito um novo papa! Corremos pro auditório. Entre diversos nomes ventilados na mídia, inúmeros cardeais influentes e muitas torcidas (sim, isso existia e ainda existe no meio eclesiástico), surge na sacada um nome: “Cardeal Bergoglio!”. Éramos por volta de 160, entre seminaristas e padres formadores, todavia apenas dois seminaristas o conheciam: “É o cardeal de Buenos Aires!”, afirmaram incrédulos. Conto esse fato ocorrido em 2013, durante meus anos como seminarista católico, no intuito de desvelar alguns mitos sobre a escolha de um novo sucessor Papal.
A Igreja ensina que é pela ação do Espírito Santo que um cardeal, em meios aos demais votantes, é escolhido durante o conclave (com 2/3 dos votos) e aceita a missão de se tornar papa. Não entro nessa questão, a espiritual, apesar de respeitar tal perspectiva, só não devemos esquecer que, para além de um líder espiritual, o Papa é um chefe de Estado, ou seja, uma personalidade política e civil (embora clérigo). É por essa perspectiva que desenvolvo nosso tema. Dito isso, a partir do momento que é visto como autoridade política e não apenas como religioso, podemos cogitar influências externas que podem privilegiar nomes e excluir outros da eleição. Foi assim com Francisco: uma personalidade progressista, com objetivos reformadores em diversos âmbitos da cúria romana, que não era ligado aos grupos políticos dominantes dos últimos dois papados e que significava um novo horizonte. Simplesmente um nome, que buscava fazer jus ao santo de Assis, surgindo no intuito de romper com velhas políticas e personalidades eclesiásticas. Em meio às ascensões de líderes políticos globais com posturas reacionárias e, internamente, tendências tradicionalistas no meio eclesial, como debater sobre um possível sucessor de Francisco? Quais seriam os nomes mais cotados atualmente para ser o novo Sumo Pontífice?

Consultei fontes residentes na “cidade eterna”, Roma, que ainda possuem atividade pastoral assídua e contato com autoridades da cúria romana, muitos deles que conheci na minha época como seminarista. Definitivamente, sim, existe um movimento “diferente”, um clima de conclave já acontecendo, com nomes que surgem naturalmente mesmo com o santo padre ainda hospitalizado e sem murmúrios de renúncia aparente. Tudo ainda por “debaixo dos panos”, como se diz no popular.
Muitos dos nomes nascem por diversas questões: continuação das reformas e alinhamento ideológico ao de Francisco; rompimento das tendências assumidas pelo pontificado atual e mudança estrutural em diversos segmentos, tanto políticos quanto espirituais; conciliação dos grupos chamados “tradicionalistas” e “progressistas” através de uma figura apaziguadora, com o objetivo de não deixar inflar os ânimos internamente. De toda maneira, ouvindo tais pessoas pude ter acesso aos nomes que ventilam nas vias romanas e sacristias da cidade eterna. Quais são? Vejamos abaixo.
Cardeal Fábio Baggio.
Criado cardeal no consistório de dezembro, o cardeal italiano Fábio Baggio, segundo fontes, desde fevereiro de 2023 é a pessoa de contato direto do Papa para o Centro de Formação Superior Laudato Si’. Foi subsecretário da seção “Migrantes e Refugiados” do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, para onde o Papa Francisco o chamou em 2016 e o confirmou em 2022. Desde agosto de 2021, Baggio também é Secretário da Comissão Vaticano COVID-19, que aborda os desafios socioeconômicos do futuro da pandemia COVID-19. Um cardeal recém–criado que goza de prestígio entre os purpurados do alto escalão romano e que possui experiência no debate sobre refugiados e migrantes, pode ter força suficiente para obter um número de votos considerado. Numa época de tensão política mundial, com a guerra entre Rússia e Ucrânia e com o conflito entre Hamas e Israel, um Papa que busque dialogar e diminuir os impactos causados pode ser visto com bons olhos.
Cardeal Matteo Maria Zuppi.
O Arcebispo da Arquidiocese de Bologna tem uma boa fama como apaziguador interno. Alguns o apontam como um dos “preferidos” do Santo Padre para sucedê-lo, visto seu pastoreio fecundo entre um clero considerado difícil por muitos na Itália. Para o restante do mundo, se torna figura necessária num momento conflitante entre as tendências conservadoras e progressistas no clero católico. Completa 70 anos em setembro de 2025, ou seja, está numa faixa considerada “boa” para ascender ao Trono Petrino, não sendo considerado “novo” nem “muito idoso”. Para assuntos políticos, também assume uma postura firme em relação ao fim das guerras e na proteção pelos direitos humanos. Zuppi já teve uma disputa pública, em 2023, com a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, no que diz respeito à aprovação da reforma da constituição italiana para permitir a eleição direta ao cargo. Na época, Zuppi se mostrou preocupado com as tomadas de decisão de forças políticas ligadas à Meloni, dizendo que: “os equilíbrios institucionais sempre devem ser tocados com muito cuidado”. Em contrapartida, Meloni retrucou na televisão italiana dizendo que o Vaticano não é uma república parlamentar, e que os bispos não deveriam se preocupar com isso. A tensão criada mostrou que Matteo Zuppi seria uma personalidade diversa ao modelo de Meloni e, consequentemente, do conservadorismo político e antidemocrático.
Cardeal Peter Erdo.
O Cardeal Arcebispo de Budapeste e Primaz da Hungria e Presidente da Conferência Episcopal Húngara, além e do Conselho das Conferências Episcopais da Europa, é o preferido pelas fontes levantadas dos conservadores na corrida pelo papado. Considerado um prelado claramente conservador e profundamente anticomunista, em 2006 enviou um telegrama ao presidente George W. Bush para agradecê-lo pelo apoio fornecido pela legação dos EUA à hierarquia católica húngara durante a revolução de 1956 contra o poder soviético. Defensor ferrenho da educação religiosa confessional católica, também é profundamente crítico da ideia de um Estado laico, ou ideal secularista, que defende a religião como assunto de foro privado do indivíduo. Excelente mestre da diplomacia, foi o responsável direto pelo diálogo entre Francisco e Viktor Orban, controverso primeiro-ministro da Hungria, na visita apostólica no ano de 2023. Em algumas ocasiões, Peter Erdo expressou posições sobre questões de imigração próximas às do primeiro-ministro, de confissão calvinista, indo em direção oposta às posições tomadas de Francisco. Feito cardeal em 2003, pelo Papa João Paulo II, Erdo participou ativamente dos últimos dois conclaves, sendo tomada como “experiente” em matérias relacionadas aos trâmites internos.
Cardeal Robert Sarah
O Cardeal da Guiné, Robert Sarah, é um dos expoentes máximos do conservadorismo católico, e para muitos tradicionalistas, seu maior “sonho de verão”. Durante seu mandato no Vaticano, como prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos do Vaticano, ele promoveu a liturgia tridentina (em latim) e defendeu a celebração da missa “versus Deum” (com o sacerdote voltado para o altar), práticas que, segundo ele, restaurariam a sacralidade do culto. Em seus livros Deus ou Nada” e A Força do Silêncio, Sarah critica o secularismo e o relativismo, enfatizando a necessidade de centralidade da fé em Deus e na tradição católica. Destacamos quatro posições assumidas e defendidas pelo prelado: oposição ao casamento de pessoas do mesmo sexo; rejeição à “ideologia de gênero”; duramente crítico anti-aborto; defensor do celibato. Para muitos, atualmente, é a personalidade de maior oposição a Francisco, pois personifica a restauração da tradição católica em detrimento às atualizações pedidas em diversos segmentos de cunho pastoral. Enquanto Francisco busca saídas para uma Igreja mais aberta e inclusiva, Sarah defende uma postura pragmática e um retorno às tradições medievais católicas. O que pesaria numa possível escolha do prelado seria sua idade atual: 79 anos. Além disso, sua figura controversa poderia gerar um refluxo da visão global da própria Igreja Católica, que busca atualmente uma “melhora” depois dos diversos escândalos relacionados aos abusos sexuais contra menores e corrupção interna.
Cardeal Pietro Parolin.
O atual Secretário de Estado do Vaticano, o “número dois” em assuntos governamentais, o Cardeal Parolin faz parte da ala considerada “moderada” e um nome de peso para acalmar os ânimos inflados dos diversos grupos. Atualmente é considerado um nome forte e de peso para suceder Francisco ao papado por diversos motivos: boa diplomacia, profundo conhecedor das nuances e trâmites internos da Secretaria de Estado, além de ser italiano – que principalmente para o clero da cidade de Roma seria muito bem visto, pois o último papa italiano foi João Paulo I, falecido repentinamente 33 dias após sua eleição. Discreto e receptivo, Parolin fez parte de uma reforma estrutural pensada por Francisco para quebrar algumas “velhas políticas” que rondavam internamente os ares da Cidade do Vaticano, iniciada com a demissão do antigo secretário de Estado de Bento XVI, o Cardeal Tarcisio Bertone. Sua atuação e fala contra a investida violenta de Israel contra o Hamas contou com apoio de países importantes como Espanha e Irlanda, além da pressão da França e EUA. Isso fortifica o apoio também dos cardeais oriundos desses países. Além disso, um possível apoio do Patriarca Latino de Jerusalém, o Cardeal Pierluigi Pizzaballa, que estava em constante contato com Francisco e Parolin, serviria de base para uma candidatura sólida e consonante aos tratados de paz nesses locais.
Cardeal Jean-Claude Hollerich.
O cardeal Jean-Claude Hollerich, primeiro luxemburguês nomeado para tal função, é considerado um progressista alinhado aos interesses reformadores do Santo Padre Francisco. “Os tradicionalistas e conservadores possuem grande medo da sua eleição”, confirmam as vozes das sacristias romanas. Defensor da introdução das diaconisas no âmbito litúrgico e dos virii probati (ordenação sacerdotal de homens casados), é um cardeal aberto ao diálogo e o mais próximo do que seria um “Francisco II”. Seus discursos e falas priorizam a necessidade de uma reforma estrutural na Igreja, mas alicerçada num consenso democrático. Sua posição a favor do vernáculo na missa (idioma do país) e da maior participação dos leigos nos ambientes onde se prioriza a participação do clero (desclericalizar e desmasculinizar a Igreja, como foi pedido por Francisco), reforça o peso de sua candidatura entre os cardeais progressistas. Pesa positivamente sua idade, 67 anos, considerada excelente para um papado longo e produtivo. Todavia, devido às suas posturas tidas como “polêmicas” para muitos conservadores e tradicionalistas, certamente encontraria forte oposição. A eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, e o forte apoio de importantes cardeais estadunidenses ao seu projeto ultraliberal, dificultaria a reunião dos 2/3 exigidos para eleição ao papado, em primeiro momento. Mas nada é impossível.
Certamente o conclave não é uma ciência exata. Temos o exemplo do Cardeal polonês Karol Wojtyla, eleito João Paulo II, que venceu após diversos escrutínios como “terceira via”, visto a polarização entre o Cardeal Siri (tradicionalista) e o Cardeal Benelli (progressista). O Cardeal Jorge Mario Bergoglio, surpreendendo o mundo com sua eleição ao papado, o primeiro latino-americano, já fora tido como favorito na eleição do seu antecessor, Bento XVI, mas poucos sabiam. No próximo conclave certamente haverá impasses e dúvidas, como levantado pelo protagonista da película homônima vencedora do Oscar de melhor roteiro adaptado. As influências políticas externas também podem ditar os rumos da próxima eleição, mas o final pode nos surpreender, como no filme.
Ficamos na expectativa se teremos “Francisco II”, “Pio XIII” ou “Paulo VII”. Eu aposto em Gregório XVII.
Railson Barboza é bacharel em Filosofia (PUC-Rio). Doutorando e Mestre em Política Social (UFF). Imortal da Academia Fluminense de Letras.