Nenhuma mulher dirigiu os filmes de grande público lançados em 2022
Os dez filmes de grande público lançados a cada ano concentram a maior parte das pessoas que frequentam as salas de cinema, mas as desigualdades de gênero e raça são generalizáveis para todos os lançamentos de produções no Brasil
O infográfico “Cinema Brasileiro: raça e gênero nos filmes de grande público (1995-2022)” atualiza o monitoramento da diversidade nos longas-metragens nacionais produzido desde 2014 pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA). Com base nos dados do Observatório Brasileiro do Audiovisual (OCA), vinculado à Agência Nacional de Cinema (Ancine), temos construído indicadores sociais para aferir as desigualdades nos postos de direção, roteiro e elenco principal das tramas que lideram os rankings de espectadores nas salas de exibição do país. Para cada ano, analisamos dez narrativas de ficção, excluindo documentários e filmes infanto-juvenis.

Neste mês, marcado pelo 8 de março e por um dos principais eventos do cinema mundial, o Oscar, destacamos alguns resultados negativos e positivos em relação à diversidade nos longas-metragens brasileiros. O título deste texto, “nenhuma mulher dirigiu os filmes de grande público lançados em 2022”, chama a atenção a um resultado que é menos corriqueiro para as mulheres brancas, mas que não ocorria há uma década. A última vez que não registramos o grupo em tal posto foi em 2012. Desde 1995, isto aconteceu somente em 2003, 2009, 2010 e 2011. Por outro lado, não há exceção para as mulheres negras, parcela da população que é excluída dessa elite.
Os dez filmes de grande público lançados a cada ano concentram a maior parte das pessoas que frequentam as salas de cinema, mas as desigualdades de gênero e raça são generalizáveis para todos os lançamentos de produções no Brasil, como demonstram os relatórios da Ancine divulgados em 2018 e 2023. Isso significa que a distribuição de recursos públicos para a realização de longas-metragens nacionais é afetada por profundas disparidades, que têm consequências também naquilo que atinge a sociedade.
Se 2022 ficou marcado como um ano ruim para a diversidade de gênero entre diretoras, em relação à raça os homens negros conseguiram alguma notoriedade. Dentre os dez filmes de grande público lançados no período, dois foram dirigidos por homens negros, Medida provisória, de Lázaro Ramos, e Marte Um, de Gabriel Martins. A última produção é oriunda de um edital afirmativo, ou seja, de uma política pública de fomento que foi direcionada a financiar longas-metragens de realizadores(as) negros(as).
Na função de roteiro, em 2022 as mulheres brancas (total = 6) estiveram quase em par de igualdade com os homens brancos (total = 7), ambos seguidos por homens negros (total = 4). Para o período que examinamos, essa data representou a que obteve menor dominação de homens brancos na função. Contudo, persistiu a total exclusão de mulheres negras. Considerando que mulheres e negros(as) são grandes grupos populacionais no país, tais disparidades são gritantes, mas elas convivem também com outras, como a de falta de variação de identidade de gênero.
Em comparação aos resultados que encontramos no ano passado, descritos neste infográfico, o maior equilíbrio de gênero e raça entre os integrantes dos elencos principais dos filmes de grande público foi mais um diferencial de 2022. Vale notar que a ocupação de cargos de direção por homens negros costuma estar atrelada à maior inserção de personagens deste grupo social. O mesmo pode ser sugerido para produções lideradas por mulheres.
Por fim, os indicadores sociais que discutimos devem ser considerados de maneira crítica. O cinema brasileiro é profundamente dependente de fomento público e a maior presença de realizadores brancos entre os líderes de filmes com bom desempenho de bilheteria possui relação com o acesso privilegiado que esse grupo desfruta a recursos para produção de seus projetos. É por isso que políticas públicas como os editais especiais, ou as ações afirmativas em editais de ampla concorrência, são tão importantes para promover mudanças na indústria audiovisual nacional.
Marcia Rangel Candido é cientista social e subcoordenadora de pesquisas no GEMAA (Iesp-Uerj).
Luiz Augusto Campos é sociólogo, coordenador do GEMAA (IESP-UERJ) e autor do livro Raça e eleições no Brasil.