Novos tempos, novas estratégias
Após o plebiscito que rejeitou a nova Constituição, fomos invadidos pelo desânimo marcado por uma inexplicável decisão popular, tomada contra seus próprios interesses. Algo mudou o rumo e esse “algo” afeta as deliberações como um fator decisivo
No Chile, após o plebiscito de saída, realizado para aprovar ou rejeitar a nova Constituição, já podemos contar os mortos. Formadores de opinião, cidadãos e cidadãs atacados sem trégua, espancados, sem defesa possível. Essa é a palavra: “defesa”. O processo constituinte tornou-se um espetáculo sangrento e em alguns casos humilhante. Os meios de comunicação mais poderosos desviaram suas energias, deliberadamente, para a tarefa de desmentir falsidades, produzidas por um jornalismo vergonhoso. Pior ainda, os desmentidos foram elaborados de forma tão confusa que, antes de serem concluídos, desapareciam na fake news seguinte.
O velho marketing político do fascismo demonstrou seu poder.
Hoje em dia, essas fake news voltam com novas energias, abastecidas por meios capazes de causar a distorção da realidade. As palavras de ordem favorecem continuamente as suspeitas ou as dúvidas. Evidências inegáveis e experimentadas – no caso chileno: o sistema privatizado de previdência e o conteúdo de uma nova Constituição – são postos em questão pela reiteração de uma ameaça inexistente.
Nesse sentido, nunca é demais recordar uma velha fórmula. A receita é antiga e decorre da propaganda nazi que corresponde perfeitamente aos seus princípios, dois deles recorrentemente utilizados no Chile:
“Princípio da orquestração: A propaganda deve limitar-se a um pequeno número de ideias que precisam ser repetidas incansavelmente, apresentadas continuamente sob diferentes perspectivas, porém convergindo sempre para o mesmo conceito, sem fissuras ou dúvidas.”
“Princípio do exagero e da desfiguração: transformar qualquer anedota, por menor que seja, em uma séria ameaça.”
O fenômeno se espalha pelo mundo. Os mais poderosos meios de comunicação atuais começam a assumir tarefas que em outros tempos corresponderiam ao poder militar. É mais eficaz para eles lançar o mecanismo de propaganda, em duas direções: mentiras e medo, para obter um efeito que no passado teria demandado inúmeras batalhas, uma democracia controlada, em que a corrupção se disfarça em pele de cordeiro.
Os efeitos dessas técnicas, táticas e estratégias, no caso chileno, são visíveis: a Constituição rejeitada e um Congresso cheio de indivíduos de reputação duvidosa capazes de manipular, em posição de legalidade, nosso destino.
Agora a questão é o que fazer, como disputar com essa forma descarada e bem-sucedida. As reclamações dos governantes nas redes sociais são frutíferas? É eficaz mostrar espanto ou indignação com as fake news, um expediente utilizado mil vezes? Os longos discursos e explicações são práticos? São positivas as inúmeras desculpas cujo efeito é a insegurança?
É preocupante ver os condutores do país “espantados” ou, pior ainda, desorientados diante da magnitude de um fenômeno poderoso, porém reconhecível.
Se as estratégias não funcionam, é claro que se deve repensar, enriquecer as antigas ou descobrir novos métodos para chegar a um tecido social diverso, quase subterrâneo, diferente daquele de cinquenta anos atrás.
Seria altamente recomendável, para começar, que o canal público cumprisse plenamente o seu papel.
O feminismo, movimento mais próximo desse novo e particular quadro social, e as suas múltiplas formas de comunicação,[1] sem dúvida, acrescentam e podem contribuir para essa causa. As diversas formas de organização e manifestação dentro do movimento feminista são estimulantes e dignas de estudo. Incorporar, apoiar e destacar o uso da mídia, de alcance popular, com conteúdos renovados já faz parte do feminismo e configura uma boa aproximação com novas visões que permitem neutralizar o poder da mídia acorrentada ao sistema.
Ana María Devaud Oberreuter é roteirista.
[1] Comunicación feminista y popular – experiencias de las mujeres en movimiento, Sempreviva Organização Feminista (sof.org.br), COMUNICACION_FEMINISTA_asad.pdf.