O Brasil vai atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pactuados na ONU?
Agendas e aceleradores como a transição para a economia de baixo carbono ou um choque de qualidade nos serviços públicos necessitam de mais apoio político e institucional
Relatórios da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que o Brasil pode não cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030. A solução para o problema não é técnica, é política. Requer a construção de uma agenda capaz de unir propostas e gerar consenso, endereçando contradições distributivas e ambientais, e que possa contar com apoio de setores hoje conectados a visões e projetos bastante distintos. Construção de tamanha envergadura não é factível na atual quadra política brasileira. Portanto, uma saída que gere valor para a sociedade, com resultados do ponto de vista dos indicadores de desenvolvimento do país até a próxima década, passa por esforços bem direcionados e reformistas. O diagnóstico dos desafios e da natureza das reformas é a pauta deste artigo.

Créditos: Noah Buscher
O ritmo do progresso brasileiro em indicadores de bem-estar é menor se comparado a grupos de países com características semelhantes e reflete-se no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Entre 2010 e 2020, o IDH do Brasil apresentou um crescimento moderado, passando de 0.728 em 2010 para 0.765 em 2020, conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse crescimento, embora positivo, tem sido inferior ao de alguns outros países emergentes e em desenvolvimento na região, sugerindo que o Brasil enfrenta desafios específicos em seu caminho. Instituições multilaterais e organizações brasileiras têm indicado a tendência de que o país não deve atingir as metas estabelecidas.
O Brasil não está sozinho. O Relatório de Desenvolvimento Humano 2021-2022 do PNUD destaca retrocessos significativos no desenvolvimento humano causados pela pandemia. É apontado um “complexo de incerteza”, que inclui desigualdades e pressões planetárias intensificadas, afetando principalmente países em desenvolvimento. A busca por transformações sociais e a polarização política são apontados como desafios críticos. No relatório da CEPAL sobre os desafios regionais da Agenda 2030 na América Latina e no Caribe, por sua vez, o agravamento das desigualdades socioeconômicas é identificado como grande obstáculo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), persistindo como questão urgente. A pandemia é o ponto de inflexão também para o Banco Mundial. Entre os principais pontos abordados em seu relatório de 2022 estão o aumento substancial da dívida pública e os reflexos negativos no desempenho das empresas, inclusive no Brasil. Tal situação teria criado um ambiente macroeconômico potencialmente recessivo, além de gerar riscos de crédito, afetando a disposição dos bancos de emprestar a empresas e indivíduos.
Por aqui, a dívida pública aumentou de forma muito significativa desde 2015, limitando investimentos públicos de toda sorte, muito necessários para suprir demandas para modernização da infraestrutura e para contornar passivos socioambientais que se acumularam, agora agravados pela pandemia e os retrocessos durante o Governo Bolsonaro, em áreas como educação, saúde e no meio ambiente. Porém, soluções como a Reforma Tributária ainda demorarão a surtir efeitos. Cortes de gastos e a suspensão de subsídios a diversos setores têm alto custo político, como se viu, agravando o conflito entre Legislativo e Executivo ou aumentando a impopularidade do governo junto aos segmentos da população que o elegeram. O ambiente econômico global também mudou, tornando-se mais protecionista e competitivo geopoliticamente, reflexo de mudanças de padrões tecnológicos, exigindo novas estratégias para aumentar a inserção, a competitividade do país e gerar emprego e renda.
O maior problema, por sua vez, está na coordenação e na governança da agenda de desenvolvimento sustentável, fundamental para impulsionar prioridades e arbitrar conflitos. Um Executivo de orientação social-democrata viu seu poder de agenda ser reduzido, diante do Legislativo mais conservador e com grande capacidade para definir a alocação dos recursos e pautar prioridades públicas. Um governo minoritário no Congresso, apesar da ampla coalizão que o sustenta, patina diante de debates cada vez mais ligados às pautas de costumes, dificultando a tramitação de projetos ligados à sustentabilidade (ODS), situações também enviesadas pelo ambiente de desinformação visto nas plataformas digitais.
Caminhos para acelerar a implementação dos ODS
Apesar das adversidades, sociedade e Governo Federal têm demonstrado capacidade de formular alternativas. No Plano Plurianual 2024-2027 (PPA), por exemplo, instrumento participativo de planejamento governamental que estabelece, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas da administração pública do período, a sustentabilidade e a redução das desigualdades aparecem como foco, alinhando-se aos ODS.
Na mesma direção, iniciativas como o programa Nova Indústria Brasil e o Plano de Transição Ecológica, ainda que por hora sejam somente planos sem metas e investimentos muito concretos, podem representar o alicerce para uma agenda positiva e, portanto, menos controversa. Ao apostar na economia, com reflexos na adaptação climática e na geração de oportunidades, muito concretamente, o Governo Federal pode aglutinar diversos setores, combinando interesses capazes de gerar efeitos sobre os indicadores de desenvolvimento até a próxima década, contribuindo para o enfrentamento das desigualdades, da emergência climática e para uma retomada econômica sustentável. Tal estratégia de priorização de temas com efeitos mais sistêmicos para o bem-estar e desenvolvimento está presente entre as diretrizes de organizações como CEPAL, indicando aceleradores para a América Latina.
Uma das reformas possíveis também poderia consistir em um esforço prioritário para aprimorar a qualidade nos serviços públicos, o que teria efeitos diretos sobre a desigualdade e a produtividade brasileiras. É preciso dar mais eficiência ao serviço prestado pelos governos subnacionais, conforme demonstra a Pesquisa Qualidade dos Serviços Públicos nas Capitais de 2024, desenvolvida pela Agenda Pública. O governo federal pode liderar essa agenda. Redesenho de serviços e transformação digital com foco na experiência do cidadão tendem a ampliar o desempenho destes, promovendo maior eficiência e aumentando a confiança do cidadão, ao passo que não implicam necessariamente em maiores investimentos. Essa medida também é recomendada pela CEPAL entre os possíveis aceleradores para os ODS na região, especialmente em áreas como educação e saúde, como forma de enfrentar as disparidades sociais.
Todavia, para serem colocadas em prática, agendas e aceleradores como a transição para a economia de baixo carbono ou um choque de qualidade nos serviços públicos necessitam de mais apoio político e institucional, implicando em negociação para mitigar resistências entre parcelas da sociedade e do próprio Estado que se sentem prejudicadas. Executivo e Legislativo são protagonistas essenciais para que o avanço dessa agenda até 2030 possa prosperar. Se o rumo é conhecido, resta saber quando os protagonistas começarão a fazer a lição de casa, pois, no curso atual, o Brasil realmente não deve alcançar grande parte desses objetivos.
Sergio Andrade é cientista social (USP) e mestre em administração pública pela FGV/SP, coordenador da Plataforma de Transição Justa. É diretor executivo da Agenda Pública, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que atua há 15 anos na mediação de diálogos entre setor privado, sociedade e governos, visando o desenvolvimento sustentável e aprimoramento do serviço público.