O capricho do príncipe
Há mais de um ano a imprensa norte-americana se esforça para demonstrar, sem elementos comprobatórios, que o presidente dos Estados Unidos deve sua eleição às fake news fabricadas por Vladimir Putin; Macron parece tomado pelo mesmo tipo de obsessão, a ponto de esperar conjurá-la por um dispositivo tão inútil quanto perigoso.
Depois de ter sido confortavelmente eleito à presidência da República com a aprovação da quase totalidade da mídia francesa, Emmanuel Macron exige que sua maioria parlamentar elabore para ele uma lei contra a difusão de “informações falsas” em período eleitoral. Talvez ele já esteja preparando sua próxima campanha.
O texto, que deve ser votado em breve, expõe por um lado a cegueira dos governos diante das contestações que enfrentam e, ao mesmo tempo, sua disposição para imaginar novos dispositivos coercitivos para remediar essa questão. É preciso, com efeito, fazer vista grossa para ainda acreditar que a vitória dos candidatos, dos partidos ou das causas “antissistema” (Donald Trump, o Brexit, o plebiscito catalão, o Movimento Cinco Estrelas) se deveria, mesmo que perifericamente, à disseminação de notícias falsas por regimes autoritários. Há mais de um ano a imprensa norte-americana se esforça para demonstrar, sem elementos comprobatórios, que o presidente dos Estados Unidos deve sua eleição às fake news fabricadas por Vladimir Putin; Macron parece tomado pelo mesmo tipo de obsessão, a ponto de esperar conjurá-la por um dispositivo tão inútil quanto perigoso.
Inútil: consultado sobre o assunto, o Conselho de Estado lembrou em 3 de maio passado que “o direito francês já contém diversos dispositivos visando lutar contra a difusão de falsas informações”, em particular a lei de 29 de julho de 1881 sobre a liberdade de imprensa, que permite reprimir a difusão de notícias falsas, propósitos difamatórios, injuriosos ou provocadores. Perigoso: a proposta parlamentar pediria a um juiz que agisse em 48 horas para “impedir a difusão artificial e maciça de fatos que constituam falsas informações”. No entanto, ressalta ainda o Conselho de Estado, estes “são delicados de serem qualificados juridicamente, ainda mais quando o juiz escolhido deve deliberar em prazos muito curtos”. Enfim, o dispositivo imaginado por Macron reforça o “dever de cooperação” com as autoridades públicas de fornecedores de acesso à internet e hosts, já que estende a qualquer “falsa informação” uma obrigação que originalmente visava prevenir… “a apologia dos crimes contra a humanidade, a incitação ao ódio, assim como a pornografia infantil”.
O controle da mídia por bilionários amigos do presidente da República, a intoxicação publicitária e o sufocamento financeiro dos canais de televisão públicos não são, por sua vez, o objeto de uma proposta de lei. E mais, por que reservar uma parafernália jurídica apenas para os períodos eleitorais? Para não sair das últimas décadas, quase todas as guerras – do Golfo, do Kosovo, do Iraque, da Líbia – viram proliferar as mentiras e manipulações de informação. Não por causa de Moscou, do Facebook ou das redes sociais, mas porque os mestres da democracia e do jornalismo foram seus autores: os maiores jornais ocidentais, o New York Times encabeçando a lista, a Casa Branca, as grandes capitais europeias. Sem esquecer o governo ucraniano no mês passado, que anunciou a falsa morte de um jornalista russo. Se um juiz tivesse um dia de pôr as mãos nos criminosos que propagaram todas essas notícias falsas, pelo menos o endereço deles seria conhecido…
*Serge Halimi é diretor do Le Monde Diplomatique.