O fim dos partidos políticos?
Com uma disputa pela presidência mais aberta do que o esperado, a torpeza de François Fillon, candidato pelo partido. Os Republicanos, monopoliza a atenção em detrimento de questões mais relevantes, como a cultura. Confrontada mais do que nunca às amarras no projeto europeu, a esquerda manifesta também grande embaraço em relação à imigração. E, se os candidatos procuram se afastar dos partidos tradicionais, as organizações criadas por suas campanhas não fazem jus à renovação proclamada
Concebidas por pessoas próximas ao general De Gaulle para acabar com o regime dos partidos, que este julgava responsável por ter conduzido a França ao abismo em 1940, as instituições da Quinta República reproduziram justamente a “cena de contradição em um teatro de impotência” que ele havia denunciado. Mas, longe de resultar do jogo dos aparelhos, a decomposição atual do campo político parece provocada pelo enfraquecimento dos partidos sob o efeito do presidencialismo.
A época em que Jean-Christophe Cambadélis, primeiro secretário do Partido Socialista (PS), e Nicolas Sarkozy, presidente entre 2014 e 2016 da União por um Movimento Popular (UMP, rebatizada em 2015 de Les Républicains/Os Republicanos), prometiam a adesão de 500 mil militantes em suas organizações parece bem distante. Agora, os candidatos à eleição presidencial mal ousam reclamar dos partidos que os apoiam. Todos os meios para contorná-los valem: movimentos civis, reuniões, primárias abertas.
Num dia de panfletagem na estação de trem de Metz, os militantes socialistas reunidos em um café contavam ter esperado pelas primárias com impaciência. Joseph Ferraro, secretário de seção, explicou: “François Hollande tinha uma proposta clara para os militantes. Mas ele não a respeitou. No partido, faz muito tempo que não existe mais discussão nem disciplina”. A eleição primária “permitiu que acertássemos nossas contas”. No final, o vencedor, Benoît Hamon, anunciou querer “transcender os aparelhos” e fingiu que não era um “homem de partido”. Contudo, ao contrário do britânico Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, ele não pode se apoiar em um movimento social estruturado. As redes militantes do PS estão em estado desastroso. Sua vitória, portanto, não foi traduzida em uma onda de adesões.
Do estudo de Robert Michels sobre a oligarquia dos partidos ao panfleto de Simone Weil contra o “rolo compressor” dos aparelhos políticos,1 a crítica às instituições partidárias é antiga. Em 22 de março de 2010, data do aniversário do movimento social de 1968, Daniel Cohn-Bendit, então presidente do grupo Verdes no Parlamento Europeu, propunha em um artigo publicado pelo jornal Libération ultrapassar a “forma partidária”, criando uma “cooperativa política”, em sintonia com a “cultura antiautoritária […] do pensamento ecologista”. “Nem parte máquina, nem parte empresa”, a cooperativa permitiria, segundo ele, “dar novamente sentido ao engajamento.” Autor, entre outras, de uma obra intitulada Para suprimir os partidos políticos!?,2 ele pretendia fundar uma “organização polinizadora, que coleta as ideias, as transporta e fecunda com outras partes do corpo social”. Sua cooperativa valorizaria estruturas porosas e formas de engajamento intermitentes.
“Os ecologistas são ‘Homo academicus’”, ressalta Vanessa Jérôme, socióloga e militante em Clamart. “Isso explica a grande circularidade entre os discursos militantes e os universitários.” Cheios de diplomas, eles denunciam sempre que podem a rigidez das estruturas partidárias, o que encoraja “uma demagogia de organização onde se promove cada militante ao status de teórico”, observa Nathalie Éthuin.3
Longe de apoiar, como a maioria de seus amigos políticos, a candidatura de Hamon, Cohn-Bendit finalmente escolheu Emmanuel Macron e seu movimento En Marche! [Em Marcha!]. Desde o lançamento, em maio de 2016, de uma operação porta a porta destinada a elaborar coletivamente um “diagnóstico” do estado do país, o “movimento cidadão” do ex-ministro da Economia de Hollande se estruturou em torno de sua plataforma digital. Ele contaria com mais de 200 mil apoios. Responsável pela rede de jovens do departamento de Moselle, Ludovic Mendes, de 29 anos, esclarece: “Existem 1.300 militantes e cerca de vinte comitês no departamento. Neste momento, temos uma força mais importante do que o PS”. A plataforma também permite coletar doações. Em dezembro de 2016, o movimento tinha angariado 3,6 milhões de euros graças a 13,5 mil doadores. A contribuição média chega a 266 euros por pessoa – contra 23 euros para o La France Insoumise [A França Rebelde], de Jean-Luc Mélenchon, ou US$ 27 para Bernie Sanders durante as primárias democratas nos Estados Unidos.
Preocupado em romper com “as exigências dos partidos”, Macron fez do meio digital um instrumento de modernidade e transparência. A tecnologia favoreceria, segundo os militantes do En Marche!, um funcionamento “ágil” e “horizontal” e permitiria atrair para a política aqueles que se mantinham afastados. A socióloga Anaïs Théviot estima, ao contrário, que a tecnologia acentua as lógicas restritivas no interior das organizações: “Os cibermilitantes têm um capital econômico e cultural superior aos de quem milita fora da rede”, explica. “Com o digital, as barreiras para a entrada nos partidos foram reforçadas.”
Direita e esquerda?
No movimento de Macron, são numerosos os empresários que ocupam funções de chefia (em Moselle, cerca de metade dos responsáveis por comitês locais é, ou foi, patrão). “Contrariamente aos outros partidos”, estima Mendes, “o En Marche! conta com poucos estudantes de Ciências Sociais e colaboradores eleitos.” Para esse antigo dirigente de uma empresa de limpeza ecológica, a originalidade permitiria renovar o exercício do poder e sair do ensimesmamento: “Os empreendedores são tradicionalmente ausentes das organizações políticas; homens livres que fazem escolhas livres, trazem sua experiência, seu senso de organização, sua maneira de administrar.”
E trazem também seu imaginário, somos tentados a acrescentar. Team ambiance, helpers, challenges, benchmarking, outputs: a cultura corporativa e a língua dos negócios moldam a relação dos militantes do En Marche! com a política. Depois de ter louvado a “inovação” e a “fluidez” de seu movimento, Mendes, cuja conta no Twitter estampa em letras maiúsculas “ACREDITE EM VOCÊ. CUTUQUE. INOVE”, continua: “Os jornalistas nos comparam frequentemente a uma start-up, e não estão completamente enganados. Nosso movimento é novo, dinâmico, jovem”. E recomenda: “Se queremos lutar contra a abstenção, é preciso liberalizar os partidos”.
Mesmo recebendo apoio de empresas, para as quais os partidos terceirizam uma parte cada vez mais significativa das tarefas militantes, o En Marche! deve seu rápido crescimento às redes partidárias de antigas organizações. Seções inteiras de federações socialistas foram para seu lado. E muitos importantes representantes eleitos, ao mesmo tempo que reclamam uma abertura do PS às eleições legislativas, apoiam Macron. O próprio presidente do Escritório Nacional de Adesões do PS desertou. De forma mais ampla, o movimento atrai os fanfarrões. Bernard Kouchner, François Bayrou, Robert Hue, François de Rugy e muitos outros, qual uma trupe sem colônia e sem recursos, constroem a campanha ao lado do antigo banqueiro.
“Hoje, o verdadeiro abismo não é entre a esquerda e a direita”, estima Richard Ferrand, deputado socialista do departamento de Finistère e secretário-geral do En Marche!, “mas entre os conservadores e os progressistas.” No mesmo caminho de Bill Clinton, Tony Blair e Matteo Renzi, Macron tenta abrir na França uma “terceira via”, promovendo uma democracia neutralizada pelo consenso. “Engajei-me no PS aos 18 anos. Eu ia às reuniões e aos debates”, continua Ferrand, que apresentou a Lei Macron na Assembleia. “Na época, ainda existia a classe operária e os metalúrgicos. Hoje, a relação entre patrões e empregados é de companheirismo. Existe um interesse comum. É verdade que Zola não morreu e que sempre podemos encontrar senhores de escravos nas empresas, mas o conflito de classe perdeu sua evidência.”
Mélenchon não acredita em nada disso. Do alto de um estrado, casaco preto e gravata vermelha, ele se dirige a cerca de cem pessoas que conseguiram entrar no teatro municipal de Tourcoing. “Os poderosos querem sempre ter a última palavra. E é com isso que eles impressionam, que dão medo. E as pessoas têm medo. É desse medo que nós queremos libertar o mundo do trabalho. Medo do dia de amanhã, de perder o emprego, de não ter mais salário.” No início de janeiro, o candidato organizou uma “descida” do La France Insoumise. Algumas semanas antes, uma funcionária do caixa da rede de supermercados Auchan teve um aborto natural, devido às suas condições de trabalho: “Disseram para mim: ‘Não vale a pena citar Zola’”, continua Mélenchon. “Eu não estou citando Zola. É a vida que está citando Zola.”
A forma partido em questão
Com 280 mil signatários e 2.800 grupos de apoio, o La France Insoumise se tornou uma das maiores forças políticas organizadas do país. Mesmo que exista uma proximidade entre seu dispositivo de campanha e o do En Marche!, Mélenchon toma cuidado para se diferenciar de seu adversário: “Acredito que a comparação tem valor se definimos o recurso à plataforma como uma alternativa à forma tradicional dos partidos”, estima.4 “[Mas] a relação das duas plataformas com a sociedade não é a mesma.” Com uma página no Facebook e um canal no YouTube que conta com mais de 200 mil seguidores, ele acrescenta: “O sistema Macron funciona muito com base na midiasfera oficial. […] Nós funcionamos voluntária e essencialmente às margens da oficialidade”.
A centralidade da plataforma resultaria da observação por parte de Mélenchon dos mecanismos da revolução cidadã na América Latina. Enquanto o mundo teria entrado, segundo ele, na “era do povo”, a utilidade dos partidos teria perdido sua evidência. “Todos esses movimentos [latino-americanos] são extremamente dependentes de um personagem que expressa a vontade do momento”, observa em um livro de entrevistas. “Mas acontece quase sem organização nem partido quando ele ganha as eleições. Mesmo que o [seu] papel seja, de maneira permanente, central. […] É uma fraqueza orgânica dessas revoluções.”5
Nascido em reação às contradições internas do Front de Gauche [Frente de Esquerda] (FG), o La France Insoumise não é um cartel de partidos. O FG devia permitir instituir esse “partido sem muros”,6 no estilo do Die Linke na Alemanha e do Syriza na Grécia, que apareceu na campanha contra o Tratado Constitucional Europeu em 2005. Mas ele fracassou em se constituir como força perene e autônoma. Claro, o La France Insoumise assume uma parte das tarefas que incumbem ordinariamente às organizações clássicas. Ele, por exemplo, lança candidatos e forma seus militantes em universidades populares, mas foi concebido para que os mecanismos partidários não tenham poder sobre ele. Mélenchon explica: “Não pedimos a ninguém que tenha uma carteirinha – podem ter uma, não se deve ter vergonha de pertencer a um partido, mas o movimento La France Insoumise não é um partido”.7 De fato, ele reúne signatários, e não aderentes; funciona graças a doações, e não a cotizações. E, por enquanto, não existe estatuto, instâncias representativas e correntes. Seu programa, O futuro em comum, foi alimentado por contribuições de seus membros; mas a linha política e a direção estratégica não foram objeto de um debate ou de um voto no interior do movimento.
Mélenchon se dedica, entre outras coisas, a apagar a existência dos partidos, incluindo os que estão próximos dele. Alguns atributos dos partidos operários foram abandonados; não se canta “A Internacional”, por exemplo. Os partidos continuam, no entanto, formando o esqueleto do movimento. O La France Insoumise, explica Éric Coquerel, coordenador do Partido de Esquerda (PG), “é, em muitos pontos, carregado ou iniciado por militantes de nossa formação. Ele não poderia ter nascido sem isso, sem o apoio logístico e humano do partido e uma ajuda financeira de diversas centenas de milhares de euros”. Da direção do movimento até os grupos de apoio em nível local, os militantes dos partidos garantem as tarefas de enquadramento. Suas relações com o movimento La France Insoumise podem, no entanto, se revelar complicadas. Ainda que os novos filiados, por vezes inquietos em se engajar em uma organização, possam encontrar no funcionamento do La France Insoumise uma forma de liberdade, muitos militantes, ao mesmo tempo que reconhecem a ampliação que tal forma permite em relação ao limite dos partidos, temem a atomização que isso provoca. A dissolução dos partidos no interior de um movimento e o questionamento do termo “esquerda” parecem fazê-los correr o risco de um desarmamento ideológico e organizacional.
Desde Maio de 68 os movimentos sociais aparecem como os locais onde se inventaria outra maneira de fazer política, em oposição aos partidos. Conscientes do fenômeno, estes, em sinal de abertura, recrutam regularmente figuras do movimento social. Ao contrário, acontece também de movimentos sociais se servirem de partidos para difundir suas ideias. Inclusive na direita.
“Quer nós queiramos ou não, somos abarcados pela política”, explica Madeleine de Jessey, porta-voz da associação tradicionalista Senso Comum (SC). “De forma que existem duas atitudes possíveis: ou deixamos o barco à deriva; ou retomamos o leme.” Ela fundou a SC em 2014. Depois de ter aderido à UMP a fim de “desviar sua linha federalista”, a SC pretende se servir dos Republicanos para “colocar um fim à hegemonia cultural da esquerda”. Seus fundadores, todos vindos da Manif pour Tous [Manifestação para Todos, que surgiu em 2012 para se opor ao casamento para todos], censuram os partidos conservadores por não possuírem um “projeto de civilização” e por se contentarem frequentemente em conduzir uma “política de gestão”.
A exemplo do Tea Party com o Partido Republicano nos Estados Unidos, a SC revitalizou a direita, permitindo que ela operasse uma junção com os batalhões tradicionalistas. “Somos uma verdadeira força militante”, observa de Jessey. A maioria dos 9 mil militantes da SC é formada por primeiros aderentes, que “não construíram um plano de carreira nos corredores dos partidos”. Eles se distinguem por seu ativismo. “Somos muito mais jovens que os Republicanos e adquirimos um savoir-faire militante no movimento social de 2013 que é difícil de encontrar em outras formações de direita.” A SC primeiro favoreceu a vitória de François Fillon nas primárias em novembro de 2016. Depois, ao garantir a organização do grande agrupamento de 5 de março em seu favor, na Praça do Trocadéro, em Paris, lhe permitiu retomar o crescimento diante dos notáveis de seu partido, que tinham então resolvido encontrar um candidato menos golpeado. A SC também instalou a ideia de que a direita poderia se tornar novamente um movimento de massa, presente tanto nas urnas quanto nas ruas.
Novo movimento social conservador
No seio dos Republicanos, a SC conserva sua autonomia política e financeira. Ela dispõe inclusive de sua própria organização militante. Diante de cerca de vinte simpatizantes reunidos na saleta de um restaurante chique de Metz, Maximilien Hertz, responsável pela associação na região do Grand-Est, declara: “Não somos um movimento parisiense. Queremos nos reconectar com o real, mas, para isso, é preciso que nossa trama seja o mais apertada possível. Depois de Nancy e Reims, devemos criar uma equipe aqui, pois nossa implantação é nossa força”. Presente a seu lado, Pierre de Saulieu se tornou recentemente a referência da SC em Nancy. “Eu era o responsável pela Manif pour Tous na cidade. No momento das eleições municipais, [Laurent] Hénart, o candidato a prefeito, veio me ver para me propor ser seu secretário de Educação. Um ano depois do início do mandato, eu peguei minha carteirinha nos Republicanos e na Senso Comum.”
Em volta da mesa, a maioria dos dezesseis participantes, no entanto, não participou da Manif pour Tous. Eles se mobilizaram a favor das eleições primárias e compartilham a mesma vontade de “revolucionar a política”. A fim de temperar o ardor dos presentes, Hertz preveniu, três meses antes que Fillon fosse investigado: “Vamos nos decepcionar, certeza. Vamos engolir sapo, certeza. Podemos ter convicções, mas, quando o chefe de família bate na mesa, todo mundo escuta”. O movimento já conseguiu recompor o campo político da direita ao instalar uma corrente de ideias herdada da filosofia dos Anti-Lumières.
No entanto, a extrema direita não vai abandonar esse terreno. Autora de La Chasteté ou le chaos? [A castidade ou o caos?] (Via Romana, 2016), Stéphanie Bignon, presidente do Terre et Famille [Terra e Família], conversa descontraidamente, esta noite, com Gabrielle Cluzel, jornalista do site Boulevard Voltaire, e Cécile Edel, da associação Choisir la Vie [Escolher a vida]. Sentadas lado a lado na tribuna, elas responderam ao convite da Soberania, Identidade e Liberdade (Siel), próxima da Frente Nacional (FN). Sob o apadrinhamento de Joana d’Arc, a noite reúne uma centena de pessoas que vieram exaltar a corrente das “mulheres patriotas”. “O Siel é um partido muito jovem”, explica seu presidente, Karim Ouchikh. “Em 2012, Marine Le Pen nos fez uma encomenda: ela queria criar uma estrutura capaz de acolher eleitores de direita que se recusavam a se ligar à FN. Ela nos encomendou este trabalho. Deveríamos ter um papel de transição.”
Desde que, em novembro de 2016, o Siel deixou o Agrupamento Azul-Marinho, a coligação de partidos soberanistas fundada por Marine Le Pen, lamentando “a ausência de democracia interna”, ele trabalha na construção de uma união das direitas e reivindica sua função de passarela entre o polo dos Republicanos e o da FN.8 Se Ouchikh aceita brincar de “capacete azul”, é porque, segundo ele, “existe um espaço cultural unificado e majoritário no interior das direitas”. Com um copo de sidra na mão, ele continua: “A maioria pensa que a França não nasceu em 1789, mas mergulha suas raízes no Antigo Regime. E coloca no cerne de seus debates a questão da islamização”. Os sinais de um avanço ideológico seriam muitos: “Os sucessos editoriais de Philippe de Villiers, Éric Zemmour e Patrick Buisson, o aumento do poder de uma revista semanal como a Valeurs Actuelles e, principalmente, a amplitude das Marchas pela Vida e da Manif pour Tous, que mostraram que uma direita dos valores acordou na França”.
Suavizar as posições ideológicas
Tendo como modelo os sucessos da direita nacionalista nos países da Europa oriental, Ouchikh conta firmemente com um realinhamento político. Ele faz a “aposta infeliz” de que as contradições internas da FN acabarão abalando sua estratégia política. “Para o comitê central, 80% dos eleitos são representantes da direita nacional. A realidade dos executivos e dos militantes desse partido não tem nada a ver com a linha de sua direção.”
“Eu me recuso a dizer que a FN seria de esquerda ou de direita”, lembra Louis Aliot, vice-presidente do partido. “A FN não é de direita nem de esquerda, ou talvez, mais precisamente, diria que ela é de esquerda e de direita.” O slogan “Nem direita nem esquerda”, formulado nos anos 1930 por futuros dirigentes colaboracionistas (Jacques Doriot, Simon Sabiani), tem hoje como dupla função desarmar qualquer tentação de união das direitas e não proibir olhadelas para a esquerda. “Quando eu militava na Luta Operária, eu tinha muitos amigos que liam o Le Monde Diplomatique”, garante, por exemplo, o prefeito de Hayange, Fabrice Engelmann. Investido pela FN em 2014 para tomar a prefeitura do PS, ele tinha um perfil complicado, mas perfeito. Depois de ter passado pela formação trotskista Luta Operária, esse responsável por uma seção da Confederação Geral do Trabalho (CGT) fez sua carteirinha no Novo Partido Anticapitalista (NPA). Por fim, filiou-se à FN. “Em Hayange e na região, não existia a FN. Havia um militante, um ex-legionário com quem ninguém gostaria de passar a noite. Era o eterno candidato da FN.” Onipresente nas reportagens sobre seu partido, Engelmann simboliza a mudança de uma fração do mundo operário para a extrema direita e os hábitos novos aos quais esta aspira.
Le Pen convoca, portanto, a formação de um “partido renovado, aberto, eficaz” e procura se libertar da etiqueta FN, ainda pesada de carregar. Do “agrupamento nacional” para ligar os desertores da direita imaginado nas eleições legislativas de 1986 ao Agrupamento Azul-Marinho, nascido em maio de 2012, formações são criadas há vinte anos para suavizar as posições ideológicas e o comportamento dos militantes. Tudo visa reconstruir uma legenda que ainda sofre por falta de quadros necessários ao exercício do poder.9
Monopolizada e corrompida por um clã, a FN ilustra à sua maneira a degeneração das organizações coletivas. Mesmo que o artigo 4º da Constituição enuncie que “os partidos e agrupamentos políticos colaboram com a expressão do sufrágio”, raros são os que contribuem para a formação de consciências soberanas. A maioria se contenta com o papel de máquinas eleitorais a serviço de aventuras pessoais. Sinal dos tempos: a França contava com vinte partidos em 1990; em 2016, eles são 451.
*Allan Popelard é jornalista.
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 117 – abril de 2017}