O Fundeb deve ficar fora do ajuste fiscal
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) de caráter permanente foi aprovado pela Emenda à Constituição nº 108 de 2020, depois de cinco anos de muito debate no Congresso Nacional. O Fundeb possui fundamentos básicos, que foram acordados neste processo: o caráter redistributivo, a contribuição, a manutenção, o desenvolvimento da Educação Básica e a valorização dos profissionais da educação.

Sua implantação iniciou em 2021 e a Complementação da União aumenta gradativamente, devendo atingir 23% dos recursos totais dos fundos estaduais em 2026, estes constituídos por recursos dos próprios estados e municípios. Esta complementação, altamente negociada no Congresso Nacional, possui três modalidades. Os 23% são assim divididos em pontos percentuais: 10,5 pelo valor aluno ano dos fundos estaduais (VAAF), que engloba somente a cesta de recursos do Fundeb; 10,5 pelo valor aluno ano total (VAAT), que considera todos os recursos disponíveis para a educação de cada ente; 2,5 distribuídos para todos os entes que cumpram condicionalidades de melhoria de gestão e evidenciem evolução de indicadores de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades.
A complementação VAAF iniciou plena em 2021, e as outras duas têm implantação gradual e devem atingir o total em 2026. Cada qual possui critérios que buscam enfrentar as desigualdades na capacidade de financiamento de estados e municípios ou reconhecer esforços de redução da desigualdade socioeconômica e racial na educação.
Lamentavelmente, diante de um processo ainda não concluído, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2024, conhecida por propor mais um ajuste fiscal, inclui proposição que permite destinar até 20% da complementação ao Fundeb para fomentar a educação em tempo integral. Ou seja, a complementação federal ao Fundeb, nas modalidades atuais, poderia ser reduzida em 20%. Caso esta regra vigorasse em 2024, de um total previsto de R$ 47,81 bilhões haveria autorização para realocar R$ 9,56 bilhões para fomentar a educação em tempo integral. Considerando somente as modalidades VAAF e VAAT, é possível apontar como efeitos mais nefastos da diminuição de seus recursos: uma redução do VAAF mínimo nacional teria efeito negativo na atualização anual do Piso Salarial Nacional do Magistério; poderia haver redução do número de municípios que recebem a complementação VAAT – a estimativa é de que 2.224 cidades ainda esse ano e, se ela fosse menor, atingiria mais os municípios dos estados que não são beneficiários da complementação VAAF, justamente os que passaram a contar com recursos quando da implantação desta modalidade.
A Educação Básica em tempo integral já é valorizada no Fundeb, pois as matrículas do atendimento em tempo integral possuem ponderações mais elevadas que as de tempo parcial e ainda há margem para que possam ser maiores. É compromisso nacional ampliar a Educação Básica pública em tempo integral, consoante ao Plano Nacional de Educação. O problema que se coloca, porém, não é este, e sim o uso direto de parte da complementação federal ao Fundeb para a expansão da educação em tempo integral, o que deveria ser garantido por outros recursos.
A proposição da PEC insere a assistência financeira da União na educação básica no corte de gastos do ajuste fiscal. Vale lembrar que em 2023 foi criado por lei o Programa Escola de Tempo Integral, prevendo a transferência de recursos federais para os estados e municípios. Ora, com o corte de gastos, a alternativa cogitada é colocar a mão na complementação ao Fundeb. Obviamente, com isso, o MEC contribui com o corte de gastos demandado pelo mercado financeiro, a pretexto da estabilidade fiscal do país, mas às custas da redução do potencial equalizador do Fundeb, realocando recursos das complementações, principalmente do VAAT.
O Fundeb permanente está em implantação. A EC nº 108/2020 prevê uma revisão para 2026, o que exigirá avaliações amplas, tendo em conta os fundamentos da instituição. A mudança intempestiva e oportunista de uma política extensamente acordada e em processo de consolidação é, no mínimo, irresponsável frente aos imperativos das responsabilidades republicanas para com o direito à educação e o seu financiamento público.
Nalú Farenzena é Professora Titular da UFRGS e 1ª vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).