O Ícaro e a impossível democracia latino-americana
Muitos cidadãos latino-americanos irão às urnas este ano. Eles votarão para eleger presidentes, como no Peru e no Chile, ou para renovar parlamentos, como no México e na Argentina. Após os progressos dos anos 2000, entretanto, alguns países passam por um preocupante retrocesso democrático. Estariam as populações do subcontinente condenadas aos desvios autoritários?
Em 2010, Alain Rouquié, um dos mais finos conhecedores da América Latina na França, concluiu um trabalho sobre o continente nos seguintes termos: “Após décadas de instabilidade e ditaduras, a democracia parece ter se enraizado em toda a região”. Tendo em mente a chegada ao poder de Michelle Bachelet no Chile (2006), Evo Morales na Bolívia (2006) e Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil (2003), o ex-embaixador da França em Brasília celebrou: “Agora, uma mulher, um indígena ou um operário podem chegar pelo voto ao supremo mandato”.1 Dez anos depois, o cenário é outro. “O indígena” foi derrubado por um golpe de Estado;2 o “operário” é perseguido por uma justiça instrumentalizada pelos conservadores;3 e, se Bachelet conseguiu terminar seu mandato, Dilma Rousseff, eleita em 2011 à Presidência do Brasil, foi destituída após uma conspiração parlamentar sem fundamento jurídico.4 Há alguns anos, poderíamos nos alegrar com Rouquié por ter visto,…