O momento do presidente Lula consolidar seu status como líder climático global
A eleição de Lula e sua posição firme sobre justiça climática sinalizaram esperança, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. É crucial que o presidente reúna o G20 em torno de uma forte resolução financeira
Ficamos profundamente emocionados com o discurso do presidente Lula na Assembleia Geral da ONU em setembro. Ele trouxe uma mensagem de ação, não apenas retórica, e um apelo por um realinhamento significativo, fortalecendo nossa determinação coletiva. O balanço global da COP28, realizada no ano passado, avaliou o progresso coletivo na ação climática. O que é urgentemente necessário agora é um verdadeiro balanço moral. Já identificamos soluções para o aquecimento global causado pelo homem. Agora, é preciso que os tomadores de decisão demonstrem liderança moral para colocá-las em prática de maneira urgente e equitativa, em larga escala.
Testemunhamos de perto os impactos devastadores que a crise climática e de biodiversidade tem nas comunidades e nas pessoas na África. Em todos os nossos anos de liderança, servindo nossos países e o mundo, descobrimos que mudanças significativas só acontecem com justiça, inclusão e solidariedade.
Nos encontros globais, enquanto discutimos metas de carbono e números de emissões, corremos o risco de perder de vista a verdade mais ampla e urgente. A ciência deve estar no centro das políticas climáticas e de biodiversidade, mas essa crise é, antes de tudo, uma crise moral e uma ameaça existencial para a humanidade, e tratá-la como algo menor é ignorar nossa melhor esperança de resolvê-la.
O Brasil enfrenta um período marcante de liderança global, ao sediar o G20, os Brics e a COP30. Por isso, os membros da organização de líderes mundiais The Elders escolheram visitar o Brasil este ano, para discutir seu papel de liderança com os jovens, a sociedade civil e os políticos do país. Os olhos do mundo estarão voltados para essa nação dinâmica. Somos afortunados por termos o presidente Lula conduzindo este momento, com uma mistura de compaixão e determinação firme, características necessárias nesse momento crucial.
A verdadeira liderança exige ações ousadas. O Brasil é líder em energia renovável – hidrelétrica, solar, eólica e biomassa – muito à frente dos demais membros do G20. Para isso, o país precisa intensificar seu compromisso, promovendo uma transição justa que elimine as fontes de energia suja que ameaçam a Amazônia. A situação no continente africano é similar, e entendemos como essas decisões são difíceis. Essa transição enviaria uma mensagem clara a todas as nações, dentro e fora do G20, de que o Brasil não apenas cumprirá suas metas, mas irá além.
Claramente, os membros do G20 possuem um imenso poder, mas também compartilham uma responsabilidade vergonhosa, respondendo por 80% das emissões que aquecem o planeta. Eles têm o dever e a capacidade de conter o aquecimento global. As nações mais ricas devem liderar, não apenas porque têm recursos para isso, mas porque, moralmente, possuem a maior responsabilidade, tendo se beneficiado de gerações de exploração.
É crucial que Lula reúna o G20 em torno de uma forte resolução financeira. Em sua declaração no G20, o presidente Lula apontou com habilidade o “elefante na sala” que poucos têm coragem de mencionar: a tributação dos super-ricos. Sua proposta de imposto demonstra que os mais ricos e influentes devem prestar contas. Nenhum país pode alegar falta de recursos para o financiamento climático enquanto deixa de taxar seus bilionários.
O Brasil tem renovado o apelo por reformas urgentes no sistema financeiro global. Em seu discurso na ONU, o presidente Lula foi direto: os países africanos tomam empréstimos com taxas até oito vezes maiores que as da Alemanha e quatro vezes maiores que as dos Estados Unidos. Enquanto isso, os países menos desenvolvidos do mundo – grupo ao qual pertencem nossos próprios países – gastam o dobro com o pagamento de dívidas do que recebem em financiamento climático.
A realidade é dolorosamente clara: aqueles que menos contribuíram para esta crise são os que mais sofrem com ela, enfrentando incêndios, inundações, secas, enquanto fornecem ao resto do mundo os produtos que consumimos em quantidades cada vez maiores.
Não podemos continuar sacrificando os mais vulneráveis – os pobres, os marginalizados, as comunidades indígenas e as mulheres – no altar do lucro imediato e de práticas insustentáveis. Uma injustiça ainda mais evidente quando se gasta US$ 2,6 trilhões por ano em subsídios prejudiciais ao meio ambiente, representando 2,5% do PIB global anualmente.
A eleição do presidente Lula e sua posição firme sobre justiça climática sinalizaram esperança, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
O mundo espera que ele consolide seu lugar como líder climático, promovendo um realinhamento global no desenvolvimento e no crescimento. Que desafie a inércia que há tanto tempo impede as negociações climáticas internacionais. Que exija que as nações ricas cumpram sua parte no acordo e ofereçam um histórico aumento no apoio financeiro para os países que estão na linha de frente das mudanças climáticas. Que se mantenha firme contra aqueles que buscam explorar os recursos naturais do Brasil em benefício próprio, à custa das futuras gerações.
Estamos ao lado do presidente Lula enquanto ele usa sua plataforma, influência e autoridade moral para conduzir o mundo a um futuro mais justo e sustentável, pelo Brasil e por todos nós.
Graça Machel é advogada dos direitos das mulheres e crianças; ex-combatente pela liberdade e primeira ministra da Educação de Moçambique; e cofundadora e vice-presidente dos The Elders.
Ellen Johnson Sirleaf é ex-presidenta da Libéria e primeira mulher eleita chefe de Estado na África; laureada com o Prêmio Nobel da Paz; uma das principais promotoras da paz, justiça e governança democrática; uma voz pela liberdade; e defensora da saúde para todos. Membro dos The Elders.