O que o G20 no Brasil pode mudar na sua vida?
A expectativa é que mais de 10 mil representantes de movimentos e organizações sociais estarão presentes em 200 atividades autogestionadas
Vivemos tempos de uma crise ambiental sem precedentes, assistimos a um genocídio escandaloso na Palestina e, nos últimos anos, vimos o 1% mais rico do mundo se apropriar de dois terços da riqueza global. Diante de tudo isso, parece haver pouca confiança de que os maiores líderes globais sejam capazes de apontar caminhos de paz e justiça. Mas é exatamente nesses momentos em que a utopia e as alternativas são convocadas a apresentar respostas. No MTST, acreditamos que dos territórios têm emergido saídas importantes e está na hora de os líderes globais escutarem o que o povo tem a dizer.
É nessa encruzilhada histórica, de crescimento da extrema direita e de fissuras que apontam para a construção de um mundo multipolar[1], que acontece o 19° Encontro do G20, grupo formado pelas maiores 19 º economias do mundo, a União Europeia e a União Africana. Os rumos definidos por esse grupo impactam a vida de todo planeta, gostemos disso ou não.
A reunião acontecerá nos próximos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro, com o Brasil na Presidência temporária do G20. O legado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer deixar é de um processo no qual a participação social passe a ser um elemento do encontro, com a proposta da Cúpula Social do G20 que será realizada entre os dias 14 e 16 do mesmo mês, também na capital carioca.
Além disso, o Brasil hoje exerce um papel importante na política global, em especial por 3 razões:
- Atuação na construção de um mundo multipolar: O Brasil tem se posicionado como um país que não se submete ao imperialismo estadunidense, sendo um dos fundadores dos BRICs – um bloco de economias emergentes com poder para integrar processos internacionais e fortalecer a negociação multilateral;
- Voz do Sul Global: Temos sido um dos porta vozes do sul global internacionalmente, defendendo pautas de reparação e justiça para os povos historicamente marginalizados;
- Defesa de temas prioritários: O país busca estruturar o debate com a comunidade internacional a partir de temas prioritários como a crise ambiental, o combate à pobreza e novos modelos de governança.
Em um mundo marcado por tantos retrocessos, construir essas trincheiras é um exercício fundamental, ainda que envolva contradições e conflitos.
O que esperar do G20?
Até o momento, diversos grupos de engajamento temáticos e espaços de auto-organização dos movimentos sociais têm preparado o terreno para o encontro, incluindo a Cúpula dos Povos e a Cúpula Social. A expectativa é que mais de 10 mil representantes de movimentos e organizações sociais estarão presentes em cerca de 200 atividades autogestionadas. Nós vamos contribuir com alguns destes espaços e identificamos desafios estratégicos nesse processo:
- Avançar na promoção da soberania dos povos e no combate à mercantilização da vida: Diante da fragilidade dos organismos multilaterais, é essencial que os movimentos sociais recuperem a capacidade de repensar o sistema, atuando de forma integrada e articulada. É fundamental que as ações sejam complementares, com foco no combate à fome e às desigualdades, buscando arranjos que ampliem o acesso a direitos e promovam a desmercantilização das necessidades básicas;
- Apontar que um outro mundo já existe e ele pulsa nos territórios: Promover o intercâmbio de tecnologias populares entre movimentos nacionais e internacionais para construir políticas públicas que fortaleçam a participação popular e processos de governança global. É essencial consolidar a ideia de que essa governança deve ser construída de forma contínua e não apenas em torno de grandes eventos. Isso vale tanto para o G20 quanto para a COP30, que será realizada no próximo ano em Belém;
- Lutar por justiça climática já: Avançar na pauta ambiental, popularizando o debate sobre adaptação e prevenção de riscos no espaço urbano, com foco nas periferias como áreas tanto impactadas pela crise climática quanto produtoras de soluções. Essa é uma pauta estrutural e precisa ser incorporada de forma a gerar processos de organização em massa.
Além destes pontos, é importante destacar alguns resultados desse processo. Um dos já alcançados, por exemplo, partiu de construções anteriores, como o diálogo entre a Secretaria Nacional de Periferias e membros do G20 para a uma Declaração Ministerial que aponta para o compromisso com a prevenção de desastres. A Secretaria de Periferias, que tem como secretário o ex-membro do MTST, Guilherme Simões, vem desenvolvendo um importante trabalho na construção de uma política de prevenção de risco nas favelas do país.
Outro marco importante é a construção de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O MTST estará presente nos debates, não só com as Cozinhas Solidárias, mas também apresentando a experiência da Missão Josué de Castro, uma iniciativa construída em parceria com movimentos como o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), a Federação Única de Petroleiros (FUP), Articulação foda Povos Indígenas (APIB) e outras organizações. A missão visa alimentar 5 milhões de brasileiras e brasileiros, e também promover sistemas alimentares baseados na agroecologia.
A taxação de grandes fortunas também é uma pauta em debate. Apesar de não ter sido aprovado no recente pacote de reforma tributária no Congresso brasileiro, a proposta tem ganhado apoio internacional e pode aparecer nos debates do G20.
Esses são alguns apontamentos expressivos que estarão em disputa, mas não podemos esquecer de iniciativas como o Tribunal Popular, iniciativa dos movimentos sociais que terá como objetivo colocar o Imperialismo no banco dos réus, e a Marcha Palestina Livre do Rio ao Mar: Fora Imperialismo, marcada para o encerramento da Cúpula Social.
Ao fim do encontro está prevista a entrega de uma Carta dos Movimentos Sociais ao Presidente temporário do G20, com propostas e reivindicações que vão além do encontro, representando uma agenda de lutas a ser defendida nos territórios, nas ruas e nas redes. Historicamente, a governança global nunca contemplou verdadeiramente as periferias, mas somos nós – as vítimas das injustiças – que também temos as soluções. Precisamos de voz e de espaço para governar!
Desafiar as organizações de esquerda a popularizar esses processos é fundamental e, também por isso, nós do MTST estaremos presentes, ocupando espaços para reforçar que não há solução possível sem o povo. As decisões tomadas nestes fóruns afetam todos nós, e o Rio de Janeiro, cidade que concentra a maior favela do país, a Rocinha, e outras tantas, que expressam não só a desigualdade gerada pelo capitalismo, mas também o laboratório de possibilidades de construção de uma revolução solidária, no Brasil e no mundo.
Rud Rafael é Coordenador Nacional do MTST, militante da Frente Povo Sem Medo e da TELAR – Territorios Latinoamericanos en Resistencia
[1] A ideia de multipolaridade se dá a partir do fim da guerra fria e representaria o surgimento de diversos polos de poder na dinâmica global. Hoje, essa dinâmica estaria não apenas representada por novas economias emergentes, mas também por blocos de poder como os BRICs, grupo formado por Brasil, Russia, China e África do Sul, que recentemente incorporou outros países como Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Egito, dentre outros.