O ocidente entre a vassalagem e a dependência
É uma falácia de que os EUA possuem aliados. Os Estados Unidos não possuem aliados, mas vassalos. Os membros da OTAN são nações soberanas até certo ponto, porque muitos de seus interesses são interesses dos estadunidenses
A política de “America First” visa a expansão territorial até mesmo contra os aliados de Washington. O recém eleito presidente Donald Trump já falou em anexar uma nação soberana, o Canadá, e anexar o território de mais três países. É o caso da Groenlândia, que pertence à Dinamarca, à Gaza na Palestina e ao Canal do Panamá no país homônimo.
Com exceção do país da América Central e a Palestina, o Canadá e a Dinamarca fazem parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, o que significa que são aliados. Mas a história não é bem assim. Zbigniew Brzezinski (1928-2017), foi um significativo intérprete da supremacia americana nos assuntos internacionais, ao ponto de denominar os aliados da OTAN de vassalos de Washington. É aqui que mora a falácia de que os EUA possuem aliados.
Os Estados Unidos não possuem aliados, mas vassalos. Os membros da OTAN são nações soberanas até certo ponto, porque muitos de seus interesses são interesses dos estadunidenses. A falta de uma política externa europeia altiva é sintoma dessa relação desigual. A dependência militar da Europa e de Israel são outros exemplos. Ainda pode-se adicionar que a Guerra da Ucrânia se decide em Washington e Moscou e não em Berlim, Paris, Londres e muito menos Kiev.

Mesmo países como França e Alemanha, com economias consideráveis, não conseguem ter poder militar suficiente para a sua própria segurança. Dependem, sempre, de Washington para dar a palavra final. Dependem do arsenal nuclear e da presença militar de tropas estadunidenses. Ou seja, nenhum país consegue contribuir para a segurança do Ocidente sem os Estados Unidos.
Se nem a Alemanha ou a França conseguem bater de frente contra o gigante econômico e militar, ou ter a palavra final nos supostos interesses da aliança, como é que os países minúsculos como a Dinamarca, a Bulgária ou a Croácia podem dizer não ou propor mudanças significativas na OTAN? A resposta é que eles não importam na aliança com uma potência econômica, militar e tecnológica.
Nenhum país membro da OTAN contribui tanto para a aliança como os Estados Unidos. Em 2024, uma maioria de 23 dos 32 membros da OTAN chegaram aos 2% do PIB em investimentos militares. O que puxou o crescimento foi a invasão russa na Ucrânia e Donald Trump, que prometeu sair da aliança e ameaçou os “aliados” que não cumprissem o acordo estabelecido em 2014.
Ninguém em sã consciência consegue imaginar a Lituânia forçando os outros membros a cumprir com suas obrigações, nem a Noruega ameaçando subir para 5% o gasto do PIB na área militar. Mas Washington de Donald Trump consegue. Enquanto a Alemanha gasta US$ 97 bilhões em defesa, a França US$ 64 bilhões, e a Polônia US$ 39 bilhões em 2024, os Estados Unidos gastam quase um trilhão de dólares.
A verdade é que em 2025, os Estados Unidos poderiam entrar com suas forças militares na Groelândia e no Canal do Panamá sem que nenhum país pudesse intervir. Ao mesmo tempo, nem a Dinamarca ou o Panamá teriam a quem recorrer, dado que não há uma instância superior para resolver conflitos que envolvam superpotências nucleares.
Em entrevista no início de janeiro de 2025, Trump falou que o Canal do Panamá foi construído por e para interesses americanos, além de não descartar a coerção militar ou econômica. Esses tipos de coerção já ocorrem contra o Irã e a Coreia do Norte, por exemplo, mas são raras contra os estados membros da OTAN.
Entre as muitas intervenções de Washington em assuntos estrangeiros estão algumas bastante recentes contra seus aliados. Os Estados Unidos conseguiram, junto da Inglaterra e da Austrália, tirar a França de um acordo de construção de submarinos nucleares com Canberra, passando o serviço e os lucros para as empresas americanas e terceirizando gastos com as bases para os australianos.
A União Europeia tem sofrido com a supremacia americana em determinadas áreas, principalmente com microchips. Diversos países, como a Polônia, foram colocados na lista de embargo (feita no governo de Joe Biden), ou seja, não poderão comprar os chips mais avançados. Isso complica o alavancamento que a Polônia tenta fazer na sua indústria militar. Todos os países do bloco são reféns dos desígnios de Washington quanto ao compartilhamento de tecnologia, o que também mostra o fiasco que é a crença em um mercado livre.
A postura imperial americana na sua área de influência não é nova. Em 2002, o congresso e o senado dos Estados Unidos aprovaram o Hague Invasion Act que prevê a proteção dos militares e dos membros do governo do país contra o Tribunal Penal Internacional em Haia, na Holanda. A lei diz que o presidente americano pode se utilizar de qualquer meio para soltar qualquer militar ou figura eleita de Washington detido pelo tribunal.
A OTAN é nada mais do que a aliança dos Estados Unidos para manter sua área de influência. Sempre foi “America First” sem que essa política fosse abertamente exposta. Nesse sentido, Trump não oferece nada de novo. Mas quando se trata de achincalhar abertamente seus aliados, isso é novo. Ao dizer que busca expandir as fronteiras americanas para a Groelândia, Canadá e Panamá, Trump sinaliza que o que importa são os desejos de Washington. Aos “aliados” sobra obedecer, reclamar ou sofrer as consequências.
Bruno Ribeiro Oliveira é doutor em História e Artes.