O processo de perseguição contra o deputado Glauber Braga
Ação parece motivada muito mais por vingança política por parte dos aliados de extrema direita do ex-presidente Jair Bolsonaro
A erosão progressiva das garantias democráticas no Brasil tem novo capítulo com o caso do deputado federal Glauber Braga, de 42 anos, eleito pelo estado do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sigla de esquerda que apoia o atual governo do presidente Lula.
Denunciado por agressão física durante um embate verbal com um militante de extrema direita, ele agora enfrenta um controverso processo de cassação na Câmara dos Deputados, que o levou à decisão extrema de entrar em greve de fome, como forma de denunciar a perseguição de que vem sendo alvo.
Desde então, Glauber Braga está em greve de fome, acampado na Câmara dos Deputados há oito dias. O parlamentar já perdeu 5 kg e recebe visitas diárias de ministros de Estado, estudantes, ativistas e dos principais juristas e lideranças do país, que têm se pronunciado publicamente em solidariedade e apoio.
A ação parece motivada muito mais por vingança política por parte dos aliados de extrema direita do ex-presidente Jair Bolsonaro, que hoje são maioria nas duas casas legislativas.

Crédito: Lula Marques/Agência Brasil
Pontapés
Em abril de 2024, Glauber se tornou alvo de uma representação no Conselho de Ética da Câmara por ter expulsado, com alguns pontapés e empurrões, um provocador que o atacou e ofendeu a mãe do parlamentar, gravemente doente naquele momento, e que veio a falecer semanas depois.
O agressor, Gabriel Costenaro, é um integrante do Movimento Brasil Livre (MBL) que costuma perseguir figuras da esquerda brasileira, com câmera em punho, com o intuito de ofender, constranger e publicar em suas redes sociais – prática que já tinha sido inclusive denunciada à polícia por parte de Glauber. Em 2024, Costenaro tentou, sem êxito, eleger-se vereador pelo Rio de Janeiro.
Após o episódio, um deputado, também ligado ao MBL, fez a denúncia contra Glauber ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por quebra de decoro parlamentar. O colegiado é formado por 21 deputados que julgam as denúncias que chegam. O Conselho também estabelece sanções variadas que podem ir de uma mera censura verbal, suspensões temporárias de mandatos até a cassação, pena máxima que vem junto com a inelegibilidade do parlamentar por oito anos. Quando o Conselho de Ética decide pela pena máxima, é necessário que todo o conjunto de 513 deputados que compõem a Câmara votem a favor ou contra a orientação do colegiado.
A ofensiva contra o deputado no Conselho de Ética tem como pano de fundo um embate direto com o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, aliado de primeira hora do ex-presidente Jair Bolsonaro, que capitaneou até 2024 uma ofensiva veemente contra os parlamentares de esquerda, especialmente do PSOL, e contra o governo atual, de Luiz Inácio Lula da Silva.
Atualmente em seu quinto mandato parlamentar, Glauber se tornou alvo político após denunciar o esquema do “orçamento secreto” e acusar Lira publicamente de liderar manobras ilegais para liberar R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares. O parlamentar também prestou depoimento à Polícia Federal no inquérito que apura o caso.
O chamado “orçamento secreto” surgiu a partir de uma ampliação do poder do relator-geral do Orçamento da União, aprovada em 2019 ainda no governo Bolsonaro. Até então, as emendas parlamentares eram divididas em três tipos: individuais, de bancada e de comissão – todas com autores identificáveis e objetivos definidos, geralmente em áreas como saúde e educação.
A nova modalidade, no entanto, permitiria ao relator liberar recursos em nome de outros parlamentares, sem registro público de quem solicitou a verba. Essa falta de transparência deu origem ao apelido “orçamento secreto”, já que os critérios para distribuição dos valores são pouco claros e altamente dependentes de acordos políticos. Entre 2021 e 2022, bilhões de reais foram canalizados por esse mecanismo para a base aliada do governo, o que levantou acusações de troca de favores e compra de apoio parlamentar. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, mais alta corte do país.
Suspeição do relator
No Conselho de Ética, o relator Paulo Magalhães, sorteado, para conduzir e decidir o desfecho do processo de cassação, foi um dos beneficiários do esquema das emendas secretas de Arthur Lira. Glauber sinalizou a suspeição do relator, apresentando uma lista de municípios em que Magalhães teve expressiva votação nas últimas eleições e que receberiam valores milionários em emendas secretas, que foram posteriormente suspensas pelo STF.
Assim como o conjunto da Câmara dos Deputados, o Conselho também dispõe de uma maioria bolsonarista que, a partir da condução de Magalhães, aprovou o relatório pela cassação de Glauber por 13 a 5 votos, e agora o processo irá a qualquer momento para o plenário, para ser votado pelo conjunto total de parlamentares.
O atual presidente da Câmara, Hugo Motta, também demonstrou alinhamento com Lira ao manobrar a agenda de votações para garantir que a sessão do Conselho de Ética não fosse interrompida. A reunião, marcada por tensão e protestos da esquerda, durou quase seis horas e teve participação mínima de parlamentares bolsonaristas e do partido Novo, autor da representação.
Julgamento político e falta de dosimetria
O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados foi criado em 2001. Em teoria, representa um mecanismo essencial de autorregulação institucional. Entretanto, na prática, sua dinâmica é super influenciada pelo posicionamento político de quem ocupa a presidência da Câmara.
Em 24 anos, o Conselho de Ética da Câmara recebeu 234 representações contra deputados acusados de corrupção, agressão física ou verbal, calúnia, difamação, disseminação de notícias falsas e homicídio.
Desse total, apenas oito dessas representações resultaram em cassação do mandato após votação no plenário – o que representa cerca de 3%. A imensa maioria (mais de duzentas) foi arquivada ou terminou com punições leves, como advertência verbal ou escrita, ou suspensões temporárias do mandato.
Os casos envolvendo agressões físicas ou verbais, apesar de numerosos, quase nunca resultaram em sanções graves. Ao todo, 24 parlamentares foram alvos de acusações desse tipo. Nenhum deles perdeu o mandato. Mesmo nos seis casos que envolviam agressão física direta, todos foram arquivados ou, no máximo, punidos com censura escrita.
Entre esses episódios está o do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado em 2013 de agredir com um soco o então senador Randolfe Rodrigues durante uma visita oficial da Comissão da Verdade a um antigo centro de repressão da ditadura militar. O caso foi arquivado.
Outro exemplo é o do deputado Devanir Ribeiro, acusado de agredir o colega Onyx Lorenzoni no plenário da Câmara em 2013. O resultado? Uma simples censura escrita.
O deputado bolsonarista Delegado Da Cunha, por exemplo, recebeu do Conselho de Ética da Câmara apenas uma advertência verbal em 2021 em decorrência de um vídeo que circulou na grande mídia revelando uma sequência chocante de espancamento e sufocamento contra a sua então companheira. O caso recebeu apenas uma censura por escrito – que nunca foi aplicada.